Desporto

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Acerca da globalização

  
Suscita-me muita reserva o magistério do Papa Francisco; a forma como se envolve nos temas sociais reveste-se, geralmente, de uma dececionante falta de espiritualidade. De tal forma que, por vezes, dá a ideia de estarmos perante a secularização da Santa Sé.  
   Posto isto, foi com grande satisfação que, através da comunicação social - CM de 23/11/2019 - constatei comungarmos das mesmas preocupações com certos efeitos da globalização.  

   De facto, a fascinante diversidade cultural que ainda subsiste, tende a atenuar-se, diluir-se, adivinhando-se um padrão comum num futuro não muito distante. Um cenário, em certa medida aterrador, se considerarmos a massificação desse padrão, desde o vestuário à cultura e à arte.  

   Este processo está em marcha e numa fase já bastante avançada em virtude dos espantosos progressos tecnológicos alcançados desde meados do século XX, em especial nas últimas décadas. Em boa verdade um processo que, pelos idos de quatrocentos, teve na expansão ultramarina lusa um forte contributo.  

   Se é iniludível o impacto económico da globalização, com a massificação do acesso às tecnologias de produção de todo o tipo de bens, desde os alimentares aos culturais e recreativos, passando pela mobilidade e comunicação virtual, também é verdade que a singularidade de cada pessoa, de cada comunidade, tende a esbater-se.  

   Uma das áreas onde mais se nota esta evolução é na música popular. Na Europa, por exemplo, a música tipicamente latina, tende a desaparecer evoluindo, em geral, para a de matriz anglo-saxónica. A ambiência poética e romântica, características da música francesa e italiana deu lugar a uma aberrante imitação de géneros derivados do rock and roll  

   Em Portugal e na Espanha, verificando-se em geral o mesmo tipo de transformação, têm-se mantido, com poucas alterações, os respetivos géneros tradicionais; o fado e o flamenco, cada vez mais enclausurados na categoria étnica - tal como a italiana tarantela, aliás. 

  Mas é perante o eminente declínio da fascinante música da américa latina, em especial, argentina, mexicana, colombiana, peruana, cubana, brasileira, etc., que mais forte se faz sentir a deceção do eminente empobrecimento cultural. A Milonga, a ranchera, a cumbia, a harpa, a salsa, o samba, o forró, etc., serão géneros recordados, sim, mas jamais vividos, e, por isso destituídos de genuinidade. 

   Estamos pois, “condenados” às escolas de arte, segundo Tolstoi, as maiores inimigas da dita, destituídas da compulsão da singularidade. A repetição mecânica dos velhos temas é uma frustração, apenas atenuada quando o intérprete supera o criador. 

   Mas quem, no seu perfeito juízo, pode advogar o regresso às contingências sociais que deram origem às formas de expressão que, hoje, melancolicamente, tanto nos empolgam? 

Peniche, 24 de Novembro de 2019
 
António Barreto  

(Georges Seurat, Angelica at the rock, 1878)