Desporto

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Aqui é o Paraíso: Hyock Kang e Philippe Grangereau (editora Ulisses)

Um testemunho em primeira pessoa, do modo de vida tenebroso imposto ao povo norte-coreano pela insanidade totalitária de uma elite que, armada até aos dentes, sujeita o povo a um discriminatório e assassino socialismo, perante a quase indiferença internacional.
 
O livro abre com uma citação de Alexandre Soljenitsyne, que nos remete para os primórdios do cristianismo: "Aquele a quem privardes de tudo não está mais em vosso poder. É outra vez completamente livre."
 
Todos os horrores convergem na violência da expressão: "...a desgraça dos outros, mesmo dos nossos, deixa-nos completamente indiferentes quando temos a barriga vazia. O estômago torna-se mil vezes mais importante que a consciência. Rouba-se sem remorsos, até se poderia matar. É isso ou a morte certa, o grande buraco negro escavado á pazada no buraco negro  da montanha."

Sociedade artificialmente estratificada, pena de morte irrevogável aos dissidentes, controlo total das comunidades, manipulação histórica e cultural, ausência de sentimento e culto religioso, xenofobia generalizada, trabalho infantil intensivo, serviço militar obrigatório de treze anos, culto da personalidade exacerbado, isolamento social, fome generalizada excetuando  os membros do partido, inacessibilidade a este da generalidade da população, campos de trabalho assassinos para os dissidentes e até para os autores de pequenos delitos, responsabilidade "criminal" coletiva até à terceira geração, execuções em público, restrição de circulação além do distrito de residência, enfim, total ausência de respeito pelo ser humano.

"Acabavam todos, como eu por sentir uma imensa cólera uma terrível humilhação perante a ideia de terem vivido numa impostura, a ideia de que a  maior parte das coisas que tinham aprendido no Norte não somente não lhes serviam para nada como os estorvava nas suas reflexões. Nada é mais degradante do que medir desse modo a amplitude de uma mentira total, englobando toda a nossa existência, forçando-nos a pôr tudo em causa. Uma vez na Coreia do Sul, toda essa experiência suscitou em mim uma revolta que se transformou em ódio por Kim Jong-il."

"Em Unsong dizia-se que um boi ou uma vaca valia mais que um ser humano, porque esse animal tem dez vezes mais energia que um homem"

"As execuções eram frequentes na nossa pequena cidade. Cinco ou seis por ano. Mas os habitantes nunca se cansavam delas....quando chegava a hora, o condenado era exibido pelas ruas antes de ser conduzido ao local de execução, onde o faziam sentar-se no chão, de cabeça baixa, para que toda a gente o pudesse ver. A multidão era seguidamente mantida à parte durante os preparativos da execução....trata-se de uma farda pardacenta, feita de uma só peça, de algodão macio muito grosso, não penteado mas simplesmente cardado, como o interior dos edredões em casa da minha avó. Desse modo, quando as balas são disparadas, o sangue não jorra, é absorvido por esse tecido especial, que se tinge então de vermelho....o prisioneiro é atado a um poste de madeira com duas cordas ao nível do peito e das pernas. Um militar ordena ao pelotão composto por três soldados: "sentido, apontar, fogo!". Uma primeira salva, disparada sobre o peito, corta a primeira corda. O corpo descai então para a frente. Uma segunda salva de três balas atinge o alto da cabeça, que rebenta literalmente. O cérebro espalha-se para dentro de um grande saco previsto para esse efeito e colocado aos pés do condenado....três outras balas são finalmente disparadas ao nível da corda que prende as pernas. O cadáver cai então para frente, o busto dentro do saco....os meus colegas adoravam este género de encenação. Diziam: "o condenado saúda-nos antes de morrer"....seguidamente, era abandonado num qualquer lugar da montanha, sem ser enterrado, para que os cães o devorassem."

O enforcamento era reservado aos nihilistas (aquele que recusa qualquer opressão social e enaltece a liberdade total)...."é  mais espetacular porque o supliciado é simplesmente alçado por uma corda num poste, como uma marioneta, e a sua agonia dura por vezes vários minutos."

É assim o socialismo na Coreia do Norte, colónia japonesa de 1910 a 1945, a que se seguiu a famosa guerra da Coreia até 1958, com a intervenção de Americanos e Chineses, culminando num impasse de que resultou a atual divisão. Com o atual regime, não admira pois a corrida ao armamento.