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sábado, 16 de abril de 2022

Inflação

 

Inflação

 (Considerações por um não economista) 

   A Inflação consiste no aumento geral de preços dos bens. Numa economia liberal - onde os preços são definidos pelo livre mercado -, a inflação estabelece-se automaticamente refletindo, a cada momento, o diferencial da evolução entre a oferta e a procura de bens e serviços; em linguagem matemática, a inflação varia proporcionalmente à relação entre as derivadas da procura e da oferta; em linguagem corrente, a inflação aumenta quando a procura aumenta mais do que a oferta e diminui no caso contrário.

   A inflação é um parâmetro importante na monitorização da evolução económica e é, por isso, objeto da atenção dos bancos centrais que, dotados de plenos poderes, procuram mantê-la em níveis considerados economicamente e socialmente sustentáveis - atualmente, em torno de 2 %, na Europa e nos EUA -, dispondo para o efeito, e em exclusivo, de poderosos instrumentos; definição das taxas de juro de financiamento bancário e regulação da quantidade de moeda em circulação - quantative easing.

   Os economistas dizem que a inflação é um imposto escondido; e têm razão, uma vez que o aumento de preços sem correspondência no aumento dos salários reduz o valor dos salários reais. A inflação é, afinal, um mecanismo automático de ajustamento económico.

   As causas da inflação são várias; conjunturais, estruturais, internas e externas. A enorme inflação atual é geral e resulta de uma sobreposição de causas externas, aparentemente conjunturais.

   A redução da oferta de gás natural e petróleo no mercado internacional, resultante das sanções económicas que os países Ocidentais aplicaram à República Federativa Russa, fez aumentar o preço do principal fator de produção, a energia, causa imediata do aumento geral dos preços.

   Esta é uma causa aparentemente conjuntural; em princípio cessará com o termo do conflito militar em curso na Ucrânia, no pressuposto de que o desenlace desta tragédia se traduza na mudança de regime político na Rússia para outro aceite pela comunidade internacional.

   No entanto, o aumento do custo da energia na Europa já se verificava devido à política ambiental em curso - causa estrutural -, que se traduz na redução da oferta decorrente do fecho das centrais e na tributação das emissões de carbono. De facto, as alternativas encontradas além de mais dispendiosas e insuficientes - fontes renováveis - são demasiado voláteis - fontes de origem externa.

   A crise energética sobrepôs-se a outras, decorrentes de dois anos de crise sanitária; desde logo a forte redução da oferta resultante da disrupção da atividade produtiva e das cadeias de distribuição, num contexto de explosão geral da procura que se verificou com o abrandamento da crise sanitária. A procura superou largamente a capacidade de oferta, pensando-se então que o equilíbrio seria restabelecido meses depois. Causa conjuntural.

  Há no entanto uma outra causa mais relevante que qualquer das anteriores; o enorme aumento da quantidade de moeda em circulação que ocorreu na economia mundial durante a crise sanitária. Perante a eminência de crises sociais dramáticas resultantes do colapso produtivo que se adivinhava os Governos decidiram subsidiar empresas e cidadãos recorrendo ao endividamento, respaldados pelos respetivos bancos centrais que para o efeito se dispuseram a fazer as emissões de moeda necessárias.

   O acréscimo de moeda injetado nas economias destinou-se a compensar a redução das respetivas atividades económicas, limitando a quebra dos correspondentes PIB. O acréscimo de moeda não teve, pois, contrapartida do lado da produção. Com a atenuação da crise sanitária e a recuperação económica subsequente para os níveis pré-crise, emergiu a inflação.

   O valor de uma moeda é definido pelo valor da respetiva economia, ou seja, pelo valor total de bens que a sua economia é capaz de produzir e transacionar. Para um mesmo produto - PIB - o valor unitário da moeda diminui sempre que aumenta a quantidade de moeda em circulação na respetiva economia. Foi o que sucedeu em quase todos os países - exceto na China, creio -, incluindo na Europa.

   Grosso modo, considerando apenas a EU, RU, EUA e Japão, cujo PIB agregado deverá situar-se próximo dos 50 biliões de dólares, calculando, em média, 15 % do PIB, o valor do acréscimo de moeda injetado nas economias respetivas - em geral situou-se entre os 10 %  - Portugal - e os 20% - Alemanha, EUA. Japão -, o aumento global de moeda terá sido algo como 7, 5 biliões de USD; o equivalente ao PIB agregado da Alemanha, França e Espanha.

   No caso de Portugal, as políticas económicas introduzidas pelos Governos, desde 2015, centradas no aumento da procura interna induzida pela reversão dos cortes salariais e das pensões, e no aumento administrativo dos salários acima da produtividade, geraram pressão inflacionista, a componente interna da inflação.

   Tendo em conta a marginalidade da economia lusa no âmbito da UE - cerca de 1,5 % do total -, onde vigora uma economia aberta plena, o impacto desta componente na inflação geral, a meu ver é desprezível. O mesmo não sucede na balança comercial de Portugal que voltou a ser deficitária depois de alguns anos de excedente - 2013, 2014 e 2015.

  “Em economia, o ajustamento ocorre sempre”. Não falha! O aumento da procura sem correspondência na oferta, gera inflação e consequente redução de salários.  Como referi, as causas da inflação atual são sobretudo externas, inevitáveis, e aparentemente conjunturais. A integração de Portugal na UE dilui os efeitos inflacionistas resultantes do aumento da procura pela tentadora - e demagógica - via administrativo dos aumentos salariais, sem contrapartida do lado da oferta.

   Porém, se quanto à inflação a economia portuguesa está relativamente protegida de irresponsabilidades internas, o mesmo não sucede no âmbito empresarial; sem capacidade de corresponder em matéria de produtividade, as empresas nacionais soçobram e são substituídas por concorrentes externos.

   Ao fecho das empresas sucede a escassez de empregos, a emigração da população ativa, a redução da taxa de reposição populacional - negativa em Portugal -, a desertificação do país, o crescimento do contingente público, o recurso precipitado à imigração e o agravamento da carga fiscal.

   A correção da inflação, inevitavelmente, passará por uma redução da atividade económica geral, até se estabelecer o novo equilíbrio nos valores considerados “economicamente saudáveis”, cerca de 2 %. Os instrumentos são os mesmos, taxas de juro e financiamento – compra de dívida -, mas em sentido inverso; aumento das taxas, restrições ao crédito e abandono progressivo da compra de dívida pelos bancos centrais.

A correção dos efeitos das várias crises, ocorridas e em curso, é, em si mesma, uma nova crise.

Não adianta escondê-lo.

Deposição de Cristo (Paolo Varonese, 1508/1558)


Peniche, 16 de Abril de 2022

António Barreto