Desporto

domingo, 19 de novembro de 2023

Um Banho de Benfiquismo

 

Um Banho de Benfiquismo



A ansiedade reinava nas hostes benfiquistas nas vésperas do jogo com o “grande rival”. A equipa da luz não apresentava consistência tática. As saídas de Grimaldo, Ramos e Vlachodimos deixaram a equipa sem ideias; perdera-se o sentido posicional, a articulação coletiva e a capacidade finalizadora. A falta de confiança traduzia-se na passividade geral e na previsibilidade, tornando a equipa vulnerável a qualquer outra, desde que organizada, dinâmica e agressiva.


Se nas competições internas as coisas não corriam mal de todo; ganhara-se a supertaça no confronto direto com o outro grande rival, o Porto e, apesar de tudo, o primeiro lugar - ocupado, precisamente pelo adversário do dia -, continuava acessível. Na Liga dos Campeões, contrastando com o desempenho na época anterior, os resultados eram catastróficos. A depressão geral era uma ameaça real.


A equipa técnica, liderada por Roger Schmidt, infrutiferamente, procurava soluções. O conservadorismo da época anterior dera lugar ao experimentalismo atual. Trubin, o novo titular da baliza, promissor no jogo aéreo, com os pés e nas saídas - lacunas de Vlachodimos -, suscitava ainda alguma reserva. Na esquerda adaptara-se o centro-campista Aursness preterindo os novos laterais Jurasek e Bernart. Na direita, as lesões do titular Bah, obrigavam também a soluções de recurso variáveis. No eixo do ataque nem Musa nem Cabral - o novo recruta -, faziam esquecer o eficaz Ramos. As saídas de Gilberto e Risic, pareciam, parecem, precipitadas.


Testou-se o sistema de três centrais, com a inclusão de Morato; a defesa ganhou músculo e altura, o meio-campo ficou mais denso melhorando o apoio aos avançados e colocando mais pressão nas defesas. Mas desposicionaram-se alguns elementos - casos de João Neves, deslocado para a esquerda, e, novamente, Aursness, desta vez para a direita, sem resultados convincentes.


Sem dinamismo nas alas, faltavam centros e cruzamentos, e sem eles, os pontas-de-lança tinham que recuar abandonando as zonas de finalização. Quando, nas raras incursões pelas laterais, surgia a oportunidade de cruzamento, raramente havia avançados na área, e quando os havia estavam em inferioridade numérica. Só por milagre, ou magia, poderia haver haver golos.


O adversário estava confiante, a insegurança das primeiras jornadas dissipara-se e o primeiro lugar reforçara a determinação da equipa e adeptos. Entraram fortes.bem entrosados, jogando um futebol apoiado, bem articulado, intenso, vertical e intencional. O Benfica voltou ao esquema anterior, o 4-4-2, com Morato à esquerda, Neves no meio e Aursness na direita.



Ante a coesão tática do adversário, o Benfica apresentou-se algo disperso, com demasiado espaço entre jogadores, algo passivo, algo nervoso, mas também com muito nervo, muita intensidade.


O Sporting pressionava alto, instalava-se no meio campo “vermelho” metendo muitos jogadores na zona de finalização. Temia o pior. Era preciso sacudir aquela pressão mas a equipa teimava nos passes laterais, apesar da proximidade dos adversários, insistindo, infrutiferamente, em construir jogo, calmamente, a partir da sua área. O menor desaire seria fatal.


Mas foram do Benfica as melhores oportunidades no primeiro tempo; uma bola na trave a remate indefensável de Rafa e outra no poste, por Di Maria. Com o final da primeira parte à vista e a equipa encarnada instalada no meio-campo adversário, foi o Sporting que marcou, numa bela jogada de contra-ataque, em que o extremo Morita fez magia, fintando com grande mestria o defesa Morato, endossando de seguida a bola ao avançado Gyokers que, num remate fulminante, bateu Trubin, fazendo a bola entrar mesmo rente ao poste.


Com este “banho gelado” chegou o intervalo, e o pessimismo instalou-se entre os adeptos encarnados face à previsível dificuldade de inversão dos acontecimentos, ante um rival, forte, coeso e ainda mais confiante.


Na segunda parte manteve-se o padrão de jogo com o Sporting decidido a “arrumar” a partida e o Benfica, inconformado, a tentar virar o resultado, mas sem chegar à área contrária com perigo, excetuando um remate fortíssimo de Di Maria a que Adan respondeu com soberba defesa.


A expulsão de Gonçalo Inácio alterou o jogo; o Sporting fechou-se, ainda mais, no seu meio-campo, os caminhos para a sua área tornaram-se mais escassos e tortuosos.


O jogo aproximava-se do seu termo, o rosto do Paulinho e colegas espelhava confiança; a vitória parecia segura e com ela o conforto da ampliação da vantagem pontual para segundo classificado, o Benfica. O sonho do título ganhava contornos reais.


Com o espetro da derrota e da contestação à vista Schmidt mexeu na equipa e alterou a tática, metendo mais avançados; Guedes, Tengstedt e Cabral juntaram-se a Rafa, Di Maria, Neves e Aursnes - rendendo João Mário, Musa e Florentino. A equipa subiu no terreno, aumentou a velocidade e a intensidade insistindo nos ataques pelos flancos e metendo, finalmente, três, quatro, e mais, jogadores na área.


Tudo ia rechaçando a densa defesa verde-branca; um após outro, centros e cruzamentos morriam nas suas cabeças, nos seus pés!

Até ao quarto minuto do tempo de compensação, quando a esperança vermelha já se desvanecia; num lance que pareceu ensaiado, Di Maria, de canto, colocou a bola, ao primeiro poste, na cabeça do possante Morato que a cabeceia para a zona de penálti.


Sem marcação direta, Neves resiste à tentação do remate de primeira e amortece o esférico para o remate frontal, de pé direito, à meia-volta, afastando-o da multidão à sua frente. E a rede tremeu, apesar do estiraço do Adan!


Uma explosão de alegria fez estremecer o estádio, Neves e colegas, eufóricos, correram a comemorar com os adeptos, aquele beijando demoradamente o amado emblema.


Ainda podemos ganhar”, pensei. António Silva pensou o mesmo e foi buscar os colegas que comemoravam junto à vedação do recinto.


E aconteceu mais um momento dos que fazem este desporto tão popular; dos que fizeram o fascínio histórico, invulgar, do Benfica.


Di Maria tem esse condão, essa alegria de jogar, esse misticismo que, por vezes, materializa a aspiração transcendental do comum dos mortais.


Recebeu a bola na direita a passe de Rafa, fletiu para dentro, para a zona onde o seu pé esquerdo se agiganta. Nuno foi atrás dele retirando-lhe a veleidade do remate, mas atrasou-se na inversão do movimento que o hábil campeão do mundo fez.


Calmamente, a bola, numa trajetória perfeita, chegou a Aursness, este, sem marcação próxima, cruzou-a em arco, para frente da baliza, onde uma bateria de três avançados a esperava.


Falhou Rafa o já célebre toque de calcanhar. Mas não falhou Tengstedt que, em grande estilo, de pé direito, a fazer lembrar o ausente Ramos, fez o desvio para a baliza. Passavam sete minutos dos noventa.


Nova explosão de alegria troou no estádio, logo abafada pelo “bandeirinha”, que assinalara fora-de-jogo. Era a vez do VAR entrar em ação, ele que, no decurso da partida, parecera distraído em duas ocasiões capitais, qualquer delas em prejuízo do Benfica.


Tiago Martins, o árbitro de má memória, o homem dos cinco cêntimos, iria decidir. - “Estamos tramados”, - pensei; - “aquele patife vai-nos tirar a vitória”.


Na minha memória estava ainda fresco o lance do golo anulado a Darwin por dois centímetros, precisamente naquela baliza, que teria dado a vitória ao Benfica sobre o Porto! Dois centímetros! Hoje, nada me espanta no futebol português. Tudo parece possível e justificável, sempre que o Benfica fica por baixo.


Enganei-me! O golo foi validado. Não houvera fora-de-jogo! - “Faltou-lhes a coragem”, - pensei.


Nova explosão de alegria ecoou em Lisboa, o Benfica, adormecido, inseguro, deprimido, dera lugar ao “velho”, ao “mítico” Benfica, inconformado, talentoso e lutador, tal como o sonharam os seus fundadores e de que se fez a sua história.




Peniche, 19 de Novembro de 2023

António Barreto

domingo, 12 de novembro de 2023

A Ética Republicana em Portugal (3)

 

A Ética Republicana em Portugal


Pela noite dentro a camioneta pára junto à porta de Machado Santos, na rua José Estêvão. D. Beatriz, a mulher do almirante, foi intimada a abri-la. Rebentando com a fechadura a tiro, os intrusos perguntaram-lhe pelo marido. Queriam levá-lo à presença de Procópio de Freitas que lhe queria falar.


No interior, de pistola em punho, António, o filho do almirante estava pronto a resistir. Este, confiante na sua patente e no prestígio que granjeara, dissuadiu-o. Nada demoveu os intrusos. Abel Olímpio o tenebroso cabo que chefiava a brigada homicida, manteve-se inflexível, ignorando o pedido de garantia de regresso em segurança do detido.


Idealista, insatisfeito e intransigente, Machado Santos, a quem os republicanas deviam a vitória no 5 de Outubro, era um homem marcado. Os democráticos não lhe perdoaram as críticas ao governo, o apoio ao ditador Pimenta de Castro, o envolvimento no 13 de Dezembro de 1916 ( Revolta de Tomar, contra a entrada da IGM), e o 5 de Dezembro de 1917 em que alinhara ao lado de Sidónio contra o governo de Afonso Costa.


Traidor para os democráticos é odiado marinheiros, que não lhe perdoaram a humilhação da revista militar na rotunda ao lado de Sidónio. Incorruptível, patriota, Machado Santos, quando governante, fora implacável com especuladores e açambarcadores.


A pensão que lhe fora atribuída pelo congresso e a inveja que suscitava tornaram-no alvo de sucessivas acusações avulso com o propósito de destruição da sua imagem pública. Chegara a hora do desejado desfecho, do assassínio físico.


O relógio de parede batia a uma e meia. Perante o desespero de D. Beatriz, o cínico Olímpio assegurava o regresso do detido em segurança após rápida visita ao Arsenal. Porém, ignorou o pedido de palavra de honra.


Vestido à civil, o herói do 5 de Outubro seguiu na camioneta com os seus algozes. Num side-car, os redatores do “Imprensa da Manhã” acompanhavam-nos, e confraternizavam alegremente com os assassinos, eufóricos com a oportunidade jornalística.


Desceram pela Almirante Reis e pararam no Intendente, por avaria. Augusto Gomes, empresário teatral, foi mandado parar, tendo-lhe sido requisitada a viatura para “transportar um cadáver ao necrotério”.


Ao ver Machado Santos, o empresário percebeu o que se passava. Pediu para não matarem o almirante.


Dos doze marinheiros da comitiva, oito “valentes” dispararam sobre o herói do 5 de Outubro.


Porém, não seria a última vítima mortal da “ética republicana”, uma ficção criada por quem tem a consciência pesada.


Créditos a “Nobre Povo; os anos da República”, de Jaime Nogueira Pinto



Machado Santos


Peniche, 12 de Novembro de 2023

António Barreto

domingo, 29 de outubro de 2023

Rainhas que eram Reis

 

Rainhas que eram Reis


   Mouzinho da Silveira, liberal, monárquico, eminente reformador do século XIX, a propósito da naturalização do marido de D. Maria II - Augusto de Beauharnais - discutida na Câmara do Congresso na sessão de 28.01.1836, fez esta curiosa intervenção:


   “Sr Presidente, parece-me que este artigo deve ser completamente eliminado, porquanto o príncipe, pelo facto de casar com a Rainha fica sendo puramente uma pessoa de direito público, e por direito público é que se devem estabelecer as prerrogativas correspondentes às mulheres com que casam. O marido da rainha não é senão a mulher do rei, e é este o espírito de todas as leis do nosso país, aonde a rainha é, às vezes, reinante - rei - e não se entendiam os monumentos porque todos os adjetivos eram como se fossem do género masculino - por exemplo, diziam à rainha é - sábio -, é - virtuoso -, e não - sábia - e - virtuosa - enfim a rainha é uma pessoa eminentemente diferente das outras; porque é a Rainha de Portugal, e o marido que casar com a rainha fica sendo a - mulher do rei - pelo menos é esta a figura que faz em direito civil, e isto não é preciso declarar-se, porque no direito público lá tem todas as vantagens que lhe são inerentes - e isto é tão certo, que quando ali fosse naturalizado, então também havia de ser consequentemente necessária a habilitação, porque na Carta que nós jurámos, se estabelece que nenhum estrangeiro possa ser cidadão português sem obter a carta de naturalização; e se ele tem necessidade…

(…) este artigo é inaplicável e deve ser eliminado; está é a minha opinião, pois isto não quer dizer senão que não carece ser naturalizado o marido da rainha ou a mulher do rei, como se quiser dizer.”


Mouzinho da Silveira 
Columbano Bordalo Pinheiro

Créditos: “Mouzinho da Silveira, Pensamento e Ação Política”

Peniche 29 de Outubro de 2023

António Barreto


sábado, 28 de outubro de 2023

Ética Republicana em Portugal (2)

 

Ética Republicana em Portugal (2)


Exultante o clarim da Guarda exibiu o sabre manchado do sangue de António Granjo, anunciando novas vítimas aos camaradas que impediam a saída do cadáver de Granjo para o Necrotério.


Com Abel Olímpio - o “Dente de Ouro” - e Manuel José Carlos no comando, a sinistra camioneta arrancou de novo, agora rumo a Santos.


O alvo era, agora, o Capitão de Fragata José Carlos da Maia, fundador da República e maçon - João Afonso, da loja Solidariedade de Lisboa.


Acusado de traição e cumplicidade no envio para África dos marinheiros rebeldes do 8 de Janeiro, Carlos da Maia fora deputado às Constituintes, governador de Macau e ministro da Marinha de Sidónio. E era era inocente.


Aresta Branco, um civil, era o Ministro da Marinha na época dos “crimes”. Carlos da Maia nem sequer fazia parte do Governo. A sede de vingança não compactuava com a verdade.


Constatada a ausência de Carlos da Maia do nº 13 das Janelas Verdes, os “justiceiros da república” arrancaram das mãos da ingénua Palmira Soares - criada da dona da casa que era também, madrinha de Berta Maia -, a nova morada do capitão-de-fragata, em Arroios, na Rua dos Açores nº 47, no 2º andar.


Maia, então com 43 nos, dizia à mulher - com quem casara no regresso de Macau e de quem tinha um filho, Francisco Manuel, de 6 meses - a sua pena por não terem casado mais cedo. Feliz, não suspeitava de que a sua vida estava a chegar ao fim.


Um ruído de botas e armas em atropelo fez-se ouvir na escada, dezena e meia de “valentes” entraram no apartamento, para, em nome da Junta Revolucionária levarem Carlos da Maia. Assim sentenciou o “Dente de Ouro”, afirmando não haver oficiais disponíveis para a detenção.


Berta Maia, chorou e suplicou, mostrando o filho, alguns marinheiros comoveram-se e queriam desisti mas o cabo não cedeu, mentindo duplamente ao afirmar ter sido deportado e que sua mãe morrera por via disso.


Berta, acusou-o de mentir e Maia, depois de sacudir o cabo quando este o tentara agarrar, decidiu acompanhá-lo para poupar a mulher, o filho e a criada, a enxovalhos. Num ato de complacência cínica, o “Dente de Ouro” convidou o capitão-de-fragata a despedir-se do filho.


Carlos da Maia, sem o supor, beija o seu menino pela última vez e entra na camioneta da morte sentando-se entre o motorista e Abel Olímpio.


- Cá está o barbas de chibo”. É preciso liquidar este bandido, foi ele quem deportou os marinheiros!”, foi gritando Olímpio para a turba à chegada ao Arsenal.


O condutor, militar, combatente, depois de protestar recusando-se a ser cúmplice dum assassínio, prosseguiu a marcha sob ameaça de morte.


No túnel do Arsenal, ao cruzar-se com a viatura da Cruz Vermelha onde seguia o seu diretor - Afonso Ornelas - e o corpo de António Granjo, a camioneta pára, descendo Carlos da Maia.


Perguntou-lhe o capitão-de-fragata Luís Ramos a razão da sua presença. Dizendo desconhecê-la, Carlos da Maia foi de imediato insultado por um marinheiro, que, ameaçador, avançou na sua direção ante o seu olhar de indignação.


Levando a mão ao bolso simulando sacar da arma - que não tinha -, Carlos da Maia viu precipitar-se sobre si um bando de marinheiros que, barbaramente o agrediram à coronhada.


Caindo de borco na sala do telefone ao tentar escapar, José Carlos da Maia foi abatido com um tiro na nuca.


Cortês dos Santos e Carvalho Crato, oficiais da Junta Revolucionária, chegaram e repreenderam os assassinos


Estava consumado mais um ato da tenebrosa “ética republicana”.


José Carlos da Maia

Créditos a “Nobre Povo, os Anos da República” - de Jaime Nogueira Pinto

Peniche, 28 de Outubro de 2023

António Barreto


domingo, 15 de outubro de 2023

A Ética Republicana em Portugal

 

A Ética Republicana em Portugal


“-Vocês não têm o direito de me matar!”


A 10 de Julho de 1921 os liberais ganharam as eleições; os democráticos sofreram a primeira derrota em dezasseis anos e Salazar foi eleito, pela primeira vez, pelos católicos.


Vivia-se em intensa turbulência social; escândalos bancários, greves e assaltos. Proliferavam boatos disseminados pela imprensa afeta à várias fações políticas.


Consumada a queda de Barros Queirós por envolvimento no escândalo do Crédit d’Anvers, António Granjo forma governo - o trigésimo primeiro da República - tentando conciliar os partidos eleitos; o liberal, o democrático, o monárquico e o católico.


Na disseminação dos rumores incendiários destacava-se o Imprensa da manhã; acusava o governo de planear o desarmamento da GNR e da Marinha, corporações afetas ao Partido Democrático.


Liberato Pinto, demitido da GNR por irregularidades e aguardando julgamento, sob pseudónimo, alimentava as notícias com “documentos confidenciais”.


António Granjo, Republicano da primeira hora, íntegro, frontal e leal, que se batera contra as forças de Paiva Couceiro durante as incursões monárquicas e nas trincheiras da Flandres, era acusado de conservador, de traidor, de se ter vendido aos barões da economia.


Tudo servia aos derrotados políticos para incendiar a opinião pública; a presença do agricultor Palha Blanco na tomada de posse do Ministro da Agricultura, Aboim Inglês, bastou para o acusar de ter-se vendido aos agrários.


Conspirava-se abertamente; Camilo de Oliveira - demitido da GNR - na Pastelaria Bijou, Procópio de Freitas - o “Pau Real” - na Marinha. António José de Almeida - Presidente da República - alertava a população para a escravatura como consequência da anarquia.


Magalhães Lima - grão-mestre da Maçonaria fundou o Movimento de Salvação Pública a que se juntaram Jaime Cortesão, Ramada Curto, Cunha leal, Leonardo Coimbra e José de Castro.


A Maçonaria - sempre a Maçonaria -, a 15 de Outubro, fez um aviso público a António Granjo afirmando que as “provocações” da GNR não defendiam o povo dos interesses dos “grandes exploradores”.


A 30 de Setembro eclode uma intentona, rapidamente controlada. Vários oficiais da Armada, incluindo Procópio de Freitas, foram presos e soltos a 5 de Outubro. Liberato Pinto fora, entretanto, condenado.


O Imprensa da Manhã, acusa Granjo de embirrar com jornalistas, republicanos - que odiava e perseguia - e marinheiros, esquecendo-se de que estes eram o melhor suporte da República.


A 19 de Outubro eclodiu a “esperada” revolução. A chefiá-la estava o coronel Manuel Maria Coelho, o capitão-tenente Procópio de Freitas, o ex-capitão da GNR Camilo de Oliveira e o Major Cortês dos Santos.


Apoiavam-se os conjurados nos subalternos, nos baixos escalões da Guarda e da Marinha; aqueles, insatisfeitos pelos rumores de desarmamento pelo Governo, estes, pelas humilhações sofridas após a derrota contra Sidónio. Era um movimento desgarrado, fragmentado, mas radicalizado pela propaganda mediática.


Às 5h e 30 da manhã, na Rotunda, a artilharia da Guarda deu as salvas de sinal seguidas pelas da Vasco da Gama, com que a Marinha assinalou a sua adesão à conjura.


António Granjo sem meios de resistência - a aviação da Amadora e a GNR recusaram-se a defender o Governo -, apresenta a demissão ao Presidente, que a aceita prontamente e declara finda a sua missão.


Perante os representantes civis e militares dos revoltosos - Jacinto Simões, Veiga Simões e Camilo de Oliveira - António José de Almeida recusa-se a reconhecer o governo revolucionário e resigna.


Já em casa Granjo foi visitado pelo vizinho Bernardino Simões, maçom, que o aconselha a refugiar-se e lhe ofere a sua casa para o efeito. Vira, na baixa, uma turba armada com más intenções.


Renitente António Granjo acaba por ceder e, acompanhado do amigo Simões, escapando à turba, foi refugiar-se em casa do “inimigo” Cunha Leal, que o recebeu de braços abertos.


A pronta denúncia de uma “zelosa” porteira conduziu o bando de revolucionário à casa de Leal, para levar Granjo. Aquele opôs-se com firmeza, mas nem a sua condição de capitão e deputado os demoveu.


Carvalho Santos e o capitão Agatão Lança, amigos de Leal, com conhecimentos na Junta revolucionária, viram frustrada a sua tentativa de intervenção desta em favor de Granjo.


Por esta altura uma multidão eufórica, e bem bebida, de revolucionários - guardas-republicanos, soldados, marinheiros e formigas -, comemorava a vitória, no Arsenal.


Pedia-se a cabeça de Granjo. Após alguma discussão saíu um grupo, comandado pelo guarda-marinha Benjamim Pereira, para efetuar a detenção do ex-Presidente. O “herói” da noite, o chefe efetivo do bando era o conhecido “dente de ouro”, o cabo Abel Olímpio.


Em casa de Cunha Leal, o bando, em nome da Junta, exigiu a entrega de Granjo para ser conduzido à fragata Vasco da Gama onde Procópio de Freitas o esperava. Bernardino Pereira - o guarda-marinha que na sequência da intentona de 30 de Setembro pedira a intervenção de Leal para não ser preso -, responsabilizou-se pela integridade física do detido.


Leal hesita mas aceita, exigindo acompanhar o “foragido”, temendo o pior. Já na rua, um dos exaltados revolucionários propôs aos camaradas “furar” Granjo ali mesmo. Optaram por embarcar e conduzir as vítimas ao Arsenal.


No Terreiro do Paço confrontaram-se com uma multidão armada de baionetas e pistolas que gritava pedindo a morte imediata do “malandro”. Perante a cobardia dos colegas o tenente Lopes Soares pôs-se ao lado dos dois prisioneiros, protegendo-os, e o valente Leal, enfrentava-os, referindo-lhes a participação de ambos na guerra contra os alemães.


Por toda a Europa Central, entre 1917 e 1919, tinham deflagrado conflitos idênticos. No verdadeiro espírito da luta de classes exaltava-se o terror como meio normal de persuasão dos inimigos de classe. O extermínio era o destino dos inimigos insubmissos.


Tinha sido assim na Rússia, na Alemanha, também na Itália e em Espanha onde tinham deflagrado guerras civis de baixa intensidade. O modelo era o mesmo em todo o lado; líderes da extrema-esquerda, intelectuais burgueses - Lenine, Trotsky, Liebnecket - seguidos por militares revoltados - subalternos ou soldados e marinheiros radicais - contra um corpo de oficiais burgueses de ascendência aristocrática.


A gente da rua - a “canalha” - fazia o trabalho sujo. Fora assim no 5 de Outubro e no 14 de Maio, na repressão aos monárquicos e aos padres e na vandalização dos jornais conservadores; mas também no 5 de Dezembro, contra Costa, e depois no assalto a Monsanto.


A comitiva parou no pátio do Arsenal onde, perante os holofotes dos navios de guerra, e os urros da multidão enfurecida, desceram e os prisioneiros foram separados. Leal, empurrado para a rua foi interpelado e atingido, de raspão no pescoço, pelo “valente” sentinela.


Valeu a Leal, mais uma vez, Benjamim Pereira, que, com outros marinheiros desarmaram o patife. Mesmo ferido, Leal foi à procura de Granjo, que, refugiado na casa da guarda, amarrotado, pisado, enxovalhado, ao vê-lo ferido ficou estarrecido.


Regressou então a turba enfurecida, separando os prisioneiros, determinada a impedir a condução de Leal ao Hospital. Desta vez foi o tenente Agatão Lança que os enfrentou e que, apesar das armas em riste, abriu passagem à força seguindo de automóvel para o hospital de São José.


Aqui, Cunha Leal pediu a Agatão para o deixar e ir salvar António Granjo.


No Alfeite, o ex-Presidente do Conselho António Granjo continuava no pequeno aposento interior do 1º andar da casa da guarda onde alguns oficiais faziam guarda na escada de acesso.


Afonso Macedo tentou parar a turba, furiosa, descontrolada, que vinha em busca de Granjo. Os amotinados responderam-lhe com tiros, um dos quais lhe passou rente à cabeça.


Afastando os oficiais que tentavam chamá-los à razão, os “corajosos republicanos seguiram em busca de Granjo, que se refugiara no quarto 3.


-Estavas aí? Oh…! Salta cá para fora!


- Vocês não têm direito de me matar!” respondeu o ex-Presidente numa última tentativa de os parar.


- Desce os degraus!”, gritaram-lhe. Resignado, António Granjo avançou destemido para a morte certa:


-Aqui me tendes. Matai-me. Matais um republicano.”

Atingido por uma saraivada de balas, já no chão, ainda foi desfigurado com uma coronhada no queixo desferida por um dos “valentes” republicanos.


O clarim da guarda, que chefiava a turba, enquanto a custo, retirava o sabre que espetara no peito do moribundo, exclamava, eufórico, com o sangue a correr em borbotões:


“-Vejam de que cor é o sangue do porco!”


Quando Agatão Lança, com Jacinto Simões, voltou ao Arsenal, tudo estava consumado:

-Um ainda o Sr tenente salvou, agora o outro...mataram-no!”


O nobre tenente regressou a São José onde deu a triste notícia a Cunha Leal:


“-Mataram o Granjo?” Perguntou o capitão.


“-Infelizmente…”


E ali choraram, abraçados, o homem bom que não tinham podido salvar.



A partir de; “Nobre Povo, Os Anos da República” de Jaime Nogueira Pinto.



António Joaquim Granjo


Peniche, 15 de Outubro de 2023

António Barreto


sábado, 7 de outubro de 2023

Em Frente Benfica

 

Em Frente Benfica


A equipa do Benfica - de futebol sénior A -, apesar de estar a praticar bom futebol ainda não atingiu o equilíbrio e o nível competitivo com que iniciou a época transata.


Tal deve-se ao apuramento direto para a Liga dos Campeões e à perda de dois jogadores estruturantes, Grimaldo e Gonçalo Ramos.


Devido aos jogos de apuramento para a fase de grupos da Liga dos Campeões e ao novo treinador, a equipa iniciou a época anterior a “cem à hora”; os índices físicos, técnicos, táticos e motivacionais estavam no máximo. Só na ponta final da época vacilou, consequência da longa época, em especial do desgaste provocado pela participação na liga milionária.


A preparação para a época corrente foi mais tardia, a equipa parece dar sinais de quebra física nas segundas metades das partidas. Por outro lado, quer o lado esquerdo da defesa, quer o eixo do ataque, ainda não funcionam com a eficácia precedente.


Há uma clara quebra de quantidade e qualidade dos centros e cruzamentos do lado esquerdo, sem os quais diminuem drasticamente os lances de finalização. Fica em cheque o avançado-centro - e a equipa - condenado a vaguear na frente sem bola ou a recuar para a obter e conduzir a finalização.


Trubin é, claramente, uma “mais-valia”, revelando-se excelente no jogo aéreo, no jogo de pés - coloca a bola a longa distância com precisão - nos tempos de saída e na execução das manchas. Os recentes jogos com o Porto e com o Inter demonstraram-no, tranquilizando equipa e adeptos.


Di Maria, Neres, Korkçu e Neves, em especial os dois primeiros, acrescentam criatividade, mobilidade e diversidade. O primeiro veio ainda reforçar o elo afetivo dos adeptos e a auto-estima e motivação dos colegas.


Tolerância zero, por parte das arbitragens e entidades desportivas, é, mais uma vez, o que a equipa, técnicos e dirigentes, têm por certo esta época, contrastando com a tolerância que tem sido dispensada aos adversários mais fortes.


Continua a verificar-se, claramente, falta de consideração institucional pelo clube e seus adeptos, nos âmbitos desportivo e governativo. Uma realidade que dura há décadas e que tem a ver com o preconceito, de alguns setores políticos influentes, relativamente ao clube.


Tal realidade extravasa para o exterior e reflete-se no habitual desacerto das arbitragens nos jogos internacionais. Verificou-se esta época nos jogos com o Inter e com o Salzburgo, e na época anterior com o primeiro, nos dois jogos.


Ainda tenho frescos na memória os casos das finais com o Sevilha e com o Chelsea, bem como os dos jogos com o Barcelona e com o Bayern, entre outros.


Os dirigentes do clube devem equacionar este tema e encontrar forma de o combater, tornando evidente ao público, em especial aos seus adeptos e simpatizantes, a segregação de que têm sido vítimas.


O estoicismo do silêncio, ao invés de moderar a hostilidade para com o clube e seus adeptos, encoraja-a. Das instituições públicas, desportivas e governativas, nada mais há a esperar.


                                                                      Elliott Erwitt


Peniche, 07 de Outubro de 2023

António Barreto

sábado, 23 de setembro de 2023

Os Puros e os Ímpios

 

 Puros e os Ímpios


O conceito de povo escolhido, povo eleito por Deus para salvação da humanidade, é geralmente atribuído aos Judeus. O seu passado de escravatura e perseguição, espécie de expiação santificadora, continua a sensibilizar o comum dos mortais.


Outros povos, como por exemplo, os eslavos e os germânicos,têm a mesma visão de si próprios – ver em Hannah Arendt em As origens do Totalitarismo. Por esse mundo fora não faltam casos semelhantes. Agostinho da Silva pensava algo parecido a respeito de Portugal e dos portugueses, o desígnio divino do quinto império, ideia, creio, com origem no pensamento do Padre António Vieira.


Em todas as épocas, em todas as geografias, em todos os regimes, com ou sem contornos celestiais, encontramos fenómenos derivados; gente, maioritária ou não, que se considera detentora da verdade e do dever, divino ou cívico, de a impor aos outros, pela persuasão da força, da astúcia ou da retórica.


A tentação dos poderes de cada momento é de impor aos “ignaros”, aos “súbditos”, aos “pobres de espírito” a sua visão da história, do mundo e da via para a “Terra Prometida”; algo que sempre sucederá num futuro longínquo, tão longínquo que nenhum dos contemporâneos o poderá testemunhar.


Tal, porém, não é exclusivo dos regimes totalitários revolucionários - Rússia e Cuba -, paradoxalmente também se verifica nos democráticos onde as leis, geralmente, acabam por refletir, não os interesses e preocupações do povo, mas os dos partidos maioritários, dos seus dirigentes, dos interesses económicos e sociais que gravitam à sua volta e os sustentam.


Pior ainda, boa parte dos partidos inspiram-se e vinculam-se a organizações internacionais externas adotando as respetivas ideologias e estratégias que procuram impor, gradualmente, às respetivas populações através da demagogia e do assistencialismo.


De facto, quer Hitler, quer Hugo Chávez ou Erdogan - e, em minha opinião, mais recentemente, Lula da Silva -, chegaram ao poder pela via democrática, tendo instituído - no caso do Brasil ainda no início - ditaduras que as respetivas populações, por si só, foram ou são incapazes de reverter.


O Nazismo, fundado no conceito da superioridade racial germânica, da sua raiz ariana, perdura ainda, na mente das gerações atuais, pela desumanidade que o caracterizou, pela ameaça real que representou para a Europa e para o Mundo, mas também por ser o mais conhecido das massas, graças à propaganda decorrente da vitória militar ocidental.


As comunidades judaicas foram as suas principais vítimas. Anna Arendt no seu livro “As Origens do Totalitarismo”, refere que, em caso de vitória alemã, outros vítimas se seguiriam, paulatinamente, gradualmente; os povos eslavos - povos de origem russa que compreendem hoje os países escandinavos, Polónia, Bulgária, Hungria, Eslovénia, Sérvia, Macedónia e Croácia -, e até os os cidadãos germânicos com doenças crónicas - a fazer lembrar a solução preconizada por Sócrates, na sua República, para os doentes incuráveis.


Parte desses planos relativa ao extermínio dos povos não germânicos, principalmente dos eslavos, pode ser encontrada no “Bréviaire de la Haine”, de Léon Poliakov, Paris, 1951, cap. 8. Um projeto de lei de saúde do Reich, escrito pelo próprio Hitler, mostra que a máquina de destruição Nazi não se teria detido nem mesmo diante do povo alemão. Neste projeto ele propõe “isolar” do resto da população todas as famílias que tenham casos de moléstias do coração ou do pulmão sendo que o próximo passo nesse programa era, naturalmente, a liquidação física. Este e vários outros projetos preparados para depois da vitória estão numa circular aos chefes distritais,,,.Neste contexto, há ainda planeada a promulgação de uma “legislação global quanto a estrangeiros”, por meio da qual a “autoridade institucional” da polícia promoverá o embarque para os campos de concentração de pessoas inocentes de quaisquer crimes, desde que consideradas de algum modo “estranhas”…. (anotações em “As Origens do Totalitarismo, de Anna Arendt).


Se, no caso do nazismo a seleção populacional radicava na pureza da raça, no caso soviético centrou-se na pureza ideológica e no culto do poder paternalista e totalitário. São conhecidas as sucessivas purgas com que Estaline, implacavelmente, aniquilou todos os pares e correligionários que, de alguma forma lhe poderiam disputar o poder.


...Segundo W. Krivitsky, cuja excelente fonte de informações conficenciais é a GPU: “Em lugar dos 171 milhões de habitantes estimados para 1937, apenas foram recenseados145 milhões; assim, desapareceram 30 milhões de pessoas na URSS.” Como se sabe, só a liquidação dos kulaks no início dos anos 30 havia custado perto de 8 milhões de vidas humana. (anotações em “As Origens do Totalitarismo”, de Anna Arendt).


Em todas as épocas, em todos as geografias, com mais ou menos violência não faltam culturas, ideologias, que dividem o mundo entre puros e impuros. Jesus, tanto quanto sei, foi o primeiro grande doutrinador a suprimir este conceito, a divisão das pessoas entre fiéis, blasfemos, gentios e iníquos, pregando a igualdade de todos os seres humanos perante Deus.


Porém, paradoxalmente, foi a sua própria Igreja, quem, durante séculos, desde tempos imemoriais, perseguiu, com violência extrema, os “impuros”; entre eles os cristãos que, de algum modo desrespeitavam os padrões definidos no Concílio de Niceia, de que a Santa Sé, foi zelosa guardiã.


Em Portugal todos nos lembramos da infame perseguição e expulsão dos Judeus e Cristãos-Novos, iniciada no século XV - A Santa Inquisição, fundada em 1184 só foi extinta em 1842. Mas também da feroz perseguição, nos séculos XVIII - Marquês de Pombal - XIX - regimes liberais - e XX - 1ª República - aos Jesuítas e aos eclesiásticos da Igreja Católica, regular e irregular.


Assim, o desaparecimento de arquivos, manuscritos, livros e instrumentos científicos, cuja existência e uso estão documentados, não terá ficado a dever-se só ao Terramoto ou à incúria, mas a uma estratégia deliberada do Marquês.

Mil e cem jesuítas são então expulsos do reino e mandados para os Estados papais. E aqueles que tinham particular influência na corte e na sociedade, metidos nas masmorras. Ou condenados à morte, como o padre Malagrida, queimado no Rossio em 1761.Os missionários do Brasil são trazidos para a metrópole, alguns morrem na viagem, outros vão também ficar a ferros.

O resto da Europa católica seguiu o exemplo português….Mais de cinco mil sacerdotes expulsos e embarcados à força para os Estados papais e duzentas e cinquenta casas, residências e colégios fechados, foi o balanço.


...Identificados com a reação e com as classes dominantes os religiosos eram os bodes expiatórios das revoluções. Na Comuna, em Março de 1871, vinte e quatro eclesiásticos, entre eles o arcebispo de Paris, monsenhor Darboy, foram sumariamente fuzilados.

...Muito do anticlericalismo e do anticatolicismo dos republicanos portugueses vem desta linhagem. A França era, e iria ser por muitos anos, a fonte da cultura política da esquerda Portuguesa.


...Em 28 de Maio de 1834, Joaquim António de Aguiar publicara um decreto em que extinguia em Portugal Continental e nos domínios portugueses todas as ordens religiosas, o que lhe valeu a alcunha de “Mata-frades”.

...Em 1910, quase um século depois, a situação repetia-se. Com a sua retórica humanitária, os republicanos queriam salvaguardar as aparências, mas Afonso Costa era decidido e despachado: manda fechar os conventos e arrolar-lhes os bens. Quanto aos Jesuítas, os inimigos de estimação, as suas casas e residências são invadidas por revolucionários civis, polícias e soldados, que prendem como criminosos os inacianos e os escoltam para Lisboa….A República não deixa os créditos da modernidade por mãos alheias: os padres são também objeto de testes antropométricos, de acordo com as regras de Lombroso, para comprovar cientificamente as suas “tendências criminosas inatas”.


...Para a laicização integral da vida pública e social, proibiram-se então os religiosos e sacerdotes de usar as suas vestes em público. “devendo o (infrator) ser preso pelas autoridades e podendo sê-lo por toda a pessoa do povo em flagrante delito”. Na mesma linha, foram retirados os crucifixos dos edifícios público, os nomes de santos dos quartéis e fortificações, abolido o juramento religioso, proibido o culto na capela da Universidade de Coimbra e fechados os cursos de Teologia e Direito Eclesiástico. E acabou-se, evidentemente, com a formação religiosa nas escolas. Escrevia então António José de Almeida:

A República libertou a criança portuguesa, subtraindo-a à influência jesuítica, mas precisa agora de a emancipar definitivamente, de todos os falsos dogmas, sejam os de moral ou de ciência…. A religião foi banida da escola. Quem quiser que a dê à criança no recato do lar, porque o Estado, respeitando a liberdade de todos, nada tem com isso.”


...O padre Fragues, confessor da rainha, morto a tiro e à coronhada na casa dos Lazaristas, fora uma vítima simbólica, na aurora da revolução. Nos primeiros dias, o poder republicano usara o pretexto de proteger os religiosos da fúria popular para os prender e expulsar do país. E não fora difícil: bastara ressuscitar a legislação antijesuítica e anticongregacionista, de Pombal, Joaquim António de Aguiar e Anselmo Brancamp. Foi o que fez Afonso Costa. Não era preciso inventar nada.


...António Macieira, digno continuador de Afonso Costa, prosseguiu com as deportações dos bispos, as sanções contra os párocos reacionários e o confisco dos bens da Igreja. Para demonstrar o apoio popular às medidas anti-religiosas, uma vasta frente de “organizações cívicas” - liderada pela Associação do Registo Civil, promove, na tarde de 14 de Janeiro de 1912, uma manifestação. A iniciativa contou com dezenas de agremiações, da filarmónica dos Alunos de Apolo à Liga das Mulheres Republicanas, da Carbonária às Associações de Logistas.

O espírito da convocatória estava todo na mensagem e nas palavras de ordem da manifestação: “Da subjugação completa do clericalismo depende o triunfo definitivo da República.”


...”O povo, que assiste à passagem do cortejo, aplaude” (em “Nobre Povo, os Anos da República” de Jaime Nogueira Pinto)


Não tenho ilusões quanto à moderação e tolerância atuais. É fácil descortinar os herdeiros políticos da ala extremista do Partido Democrático. O radicalismo anticatólico e marxista, continuam bem vivos nos alegados defensores da “igualdade” e das minorias, que, pacientemente, passo a passo, vão esgravatando, desestabilizando, desagregando, fomentando a desarticulação económica e social, dividindo a população, hostilizando os “talassas”, à espera do momento oportuno para a grande viragem, apoiados por estruturas do Estado controladas por correligionários infiltrado


Soldados dividindo as vestes de Jesus

Peniche, 23 de Setembro de 2023

António Barreto