Desporto

domingo, 30 de maio de 2021

Benfica 2020/2021 - Um olhar sobre a época (1)

 

   A aura de sucesso que acompanhava Jorge Jesus no seu regresso ao Benfica criou um clima de otimismo entre os adeptos para a nova época. Trunfo eleitoral de Filipe Vieira, o novo Treinador, apesar de alguns anticorpos internos - há, entre benfiquistas, quem não lhe perdoe a forma como saiu do clube - prometia uma equipa competitiva, a jogar o triplo, à qual todos os sonhos eram permitidos. Assim o entenderam a generalidade dos benfiquistas. Assim o temeram os adversários.

   O primeiro desaire ocorreu com a não qualificação para a Liga dos Campeões. O afastamento pelo modesto PAOK, com o contributo do ex-benfiquista Zivkovic, recém-chegado à equipa grega, afetou a moral dos jogadores e adeptos, provocando um rombo de monta na tesouraria do clube, que felizmente, ostentava, à época, uma robustez única entre clubes portugueses.

   Apesar disso a temporada teve um início prometedor, logo ameaçado no final de Setembro com a saída de Ruben Dias para o Manchester City. Uma oferta irrecusável privou o Benfica da “pedra de toque” da equipa. De facto, o jovem central, formado nas escolas do clube, cedo se distinguiu pela determinação e liderança que punha em campo, sendo visto pelos adeptos como o primeiro pilar da futura equipa de jogadores da casa. Com a sua saída desmoronava-se mais um projeto que, afinal, só existia no imaginário dos crédulos benfiquistas.

   A remodelação da linha defensiva ocorreu em plena competição, com Grimaldo e André Almeida lesionados e Ventonghen, Otamendi e Jardel sem ritmo competitivo. Por outro lado, Nuno Tavares revelava falhas táticas frequentes e o recém-chegado Gilberto dava os primeiros passos na adaptação à equipa. A estabilização do setor ocorreu, tardiamente, com a chegada de Lucas Veríssimo, um central sereno, taticamente evoluído e concentrado, com o regresso de Grimaldo e com a adaptação de Diogo Gonçalves a defesa-direito. Trabalho árduo que deveria ter ocorrida na pré-época.

   Apesar de tudo, com alguns erros defensivos infantis pelo caminho, a equipa teve um início de campeonato auspicioso, chegando a isolar-se, folgadamente, na liderança. Darwin revelava-se um avançado demolidor. Contudo, o jogo no Bessa, a 2 de Novembro, viria a revelar as fragilidades da equipa que nem uma arbitragem hostil disfarçou. Fragilidades transitadas da época anterior, que se traduziam, basicamente, em falta de criatividade e solidez no meio-campo, falta de intensidade, profundidade e criatividade nas alas, e instabilidade no capítulo da finalização.

   Apesar do desaire aguardava-se uma melhoria competitiva contínua resultante, sobretudo, da esperada evolução da consistência tática e da subida de forma dos reforços brasileiros. O empate no Dragão, revelando grande atitude geral, permitiu manter a diferença pontual para o clube do Porto, injetando nova confiança nas hostes encarnadas. A equipa parecia ter entrado numa fase de maior intensidade competitiva; parecia pronta para “voar”.

   E voou, mas baixinho! Desgraçadamente, de forma algo surpreendente, um surto infecioso abateu-se sobre as hostes vermelhas. Soube-se mais tarde que, entre jogadores e técnicos, cerca de cinquenta elementos foram infetados com o coronavírus SARS COV 2! Neste período jogou-se com atletas titulares fragilizados, outros menos rodados, alguns da equipa B, e sem treinos. Uma equipa errática, sem força, previsível, a perder pontos sucessivamente, sem complacência dos adversários, nem dos árbitros. Enquanto aqueles se negavam a aceitar os pedidos de adiamento, caso do “ingrato” Nacional, estes negavam-se a assinalar as faltas passíveis de grande penalidade favoráveis ao clube da Luz. Mais uma vez começaram a desenhar-se as habituais teorias da conspiração entre os adeptos do clube; onde teria ocorrido a contaminação? Teria alguma relação com o jogo no Dragão? Porque não eram assinalados os penaltis favoráveis ao clube? Seriam “ordens” da tutela desportiva? Haveria um entendimento para afastar o Benfica do título? E teria isso algo a ver com o estado financeiro caótico dos principais rivais? Haveria condicionantes de natureza política? Uma espiral de dúvidas com raiz na frustração pelos maus resultados e no ambiente geral francamente hostil ao clube no espaço público, pacientemente cultivado ao longo das últimas décadas pelos rivais e outros agentes.

   (Cont.)

Armando Barrios - 1990

Peniche, 30 de Maio de 2021

António Barreto

sábado, 29 de maio de 2021

A final da Taça 2020-2021

 

    Com uma derrota na Taça de Portugal terminou da pior forma, para o Benfica, a época 2020-2021. Uma vitória atenuaria os efeitos duma época desastrada projetando alguma esperança no futuro imediato da equipa. Os adeptos viam nesta final a possibilidade de consolidação da melhoria da qualidade de jogo da equipa, um primeiro passo na preparação da próxima época, ao nível da constituição do plantel e no restabelecimento da confiança do universo encarnado.

   O primeiro sinal adverso surgiu com a lesão, na última jornada da Liga, do central Lucas Veríssimo. De facto, o brasileiro trouxe à equipa a estabilidade defensiva perdida com a saída de Ruben Dias. Por outro lado, a semana que antecedeu a final foi marcada pela audição do Presidente do Benfica, a título pessoal, em sede de Comissão de Inquérito da Assembleia da República aos grandes devedores do Novo Banco. Uma coincidência que agravou o ambiente negativo junto dos adeptos encarnados e, creio, junto de toda a correspondente estrutura.

   Pelo contrário, as hostes adversárias exibiam confiança; Presidente, Treinador, jogadores e adeptos, publicamente, mostravam determinação inabalável na vitória. E, se é certo que tal faz parte dos habituais jogos mentais que visam desmoralizar o adversário, a verdade é que tal otimismo radicava no inegável valor da equipa, já demonstrado ao longo da época.

   Com um posicionamento e articulação irrepreensíveis, elevada intensidade e agressividade em todas as zonas do terreno, o Braga dificultou o processo de construção e desenvolvimento das jogadas ofensivas ao Benfica, subindo no terreno em rápidas transições, sempre com vários atacantes na zona de finalização.  E foi num desses lances que ocorreu a decisão polémica que viria a ser decisiva no desfecho do jogo. Talvez consequência da quebra de entrosamento defensivo provocado pela ausência de Lucas Veríssimo, o guarda-redes Helton tem uma saída extemporânea que provocou a sua expulsão em consequência da falta que cometeu sobre o avançado contrário à saída da sua área. Uma decisão drástica do árbitro que deixou indignadas as hostes encarnadas, por não ter recorrido ao VAR e por um histórico de decisões polémicas que protagonizou na Liga com custos na pontuação da equipa da Luz.

       Ao cair do pano da primeira parte, em mais um duplo erro defensivo da equipa do Benfica, o Braga adianta-se no marcador com um magnífico chapéu longo. Um banho de água fria no pior momento, para a equipa de Jorge Jesus, quando se esperava o intervalo para refrescamento das ideias táticas. Mais uma vez se verificou descoordenação defensiva, com Vertonghen a fazer um corte oportuno mas infeliz - para a zona frontal -, e Odisseias a sair sem possibilidade de disputar o lance.

   As alterações introduzidas na segunda parte pelo Benfica não mudaram o padrão de jogo. O meio-campo pertencia ao Braga que não permitia veleidades ao adversário, não hesitando os seus jogadores em recorrer à falta e ao antijogo sempre que necessário. Em inferioridade numérica, frente a uma equipa bem articulada e a uma arbitragem permissiva, os jogadores do Benfica, chegando quase sempre tarde aos lances, raramente construíram oportunidades de golo, apesar de o tentarem afincadamente. O tento da confirmação chegou com naturalidade já na ponta final, quando a equipa de Jorge Jesus arriscava tudo, arrumando as contas da Taça.  

   A vitória assenta bem à equipa de Marcelo Rebelo de Sousa, premiando a sua qualidade de jogo e determinação, apesar de se ter batido contra um adversário em inferioridade numérica a maior parte do tempo.

   Quanto ao Benfica, apesar da arbitragem adversa, revelou as debilidades conhecidas, nomeadamente, falta de coordenação defensiva, falta de criatividade e consistência no meio-campo, falta de intensidade nas alas, instabilidade na finalização e défice de confiança.

   Se é verdade que a estabilidade diretiva é necessária ao progresso dum clube, também é verdade que de nada serve quando tal não se traduz em estabilidade desportiva. É o caso do Benfica que, nos últimos anos, tem desbaratado recursos sem retorno desportivo. A conturbada vida profissional do seu Presidente acaba por ter reflexos negativos na gestão do clube e no ambiente geral que o rodeia, seja entre adeptos, seja na sociedade civil, municiando os adversários com argumentos pejorativos.


Marina - 1933 - Armando Barrios

Peniche, 29 de Maio de 2021

António Barreto

sábado, 15 de maio de 2021

“Os Grandes Devedores”

    As Comissões de Inquérito Parlamentar são necessárias para aprofundar e analisar assuntos de especial interesse público. Destinam-se a dotar os Grupos Parlamentares de matéria fidedigna para enriquecimento do debate político, elaboração de propostas de lei decorrentes dos casos, bem como identificar e encaminhar eventuais ilícitos para a esfera judicial.

   A sucessiva e aparente falta de resultados práticos, ao longo do tempo, induziu-me a concluir que, em Portugal, o seu préstimo se circunscreve, quase exclusivamente, a municiar o partido ou partidos de suporte do Governo do momento, de instrumentos de luta partidária. Outras vezes não passam de manobras de diversão destinadas a desviar as atenções do público de casos efetivamente graves da atualidade, potencialmente penalizadores da ação governativa.

   Um exemplo recente: Carlos Moedas foi anunciado candidato à Câmara Municipal de Lisboa. Pois constou há dias, a propósito de um assunto qualquer já com barbas e esquecido, a intenção de alguns Deputados da área da Governação o chamarem a depor numa Comissão de Inquérito Parlamentar nomeada para o efeito! O caso até pode ter relevância, mas o que parece é que se trata de antecipação da luta eleitoral com o objetivo de desgastar a imagem pública do opositor. Indigno!

   No caso da Comissão de Inquérito ao Novo Banco em curso, não sei quantas auditorias foram feitas, sei que várias, mas parece que nunca são suficientes. Desta vez o propósito, em minha opinião, é duplo; por um lado encontrar bodes expiatórios para o desastre da operação de venda do banco, e por outro fazer passar, sem alarido, uma lei de censura digna da que vigorava no Estado Novo.

   As vicissitudes que têm vindo a público relacionadas com Deputados; viagens fantasma, moradas falsas, faltas não registadas, duplo vínculo, levam-me a duvidar da autoridade moral de muitos Deputados para inquirir eventuais delitos de terceiros. No caso do Novo Banco, não deixa de ser caricato que, Deputados do partido do Governo ou dos partidos que o apoiam, ainda que indiretamente, envolvidos no desastroso contrato da venda do banco à Lone Star, responsabilizem outros, “grandes devedores”, pelos fracos resultados da gestão do banco.

   No caso concreto, atribuir a uma imparidade de cerca de 160 milhões de euros, salvo o erro, a causa da falência do banco quando o défice acumulado, por enquanto, é de cerca de 4 mil milhões de euros, é patético.

   O tom vexatório, ora jocoso ora intimidatório e agressivo, com que certos deputados interpelam os envolvidos, destina-se a condená-los e humilha-los na praça pública, antes mesmo de serem apuradas as respetivas responsabilidades. Um ato de exibicionismo público indigno de quem detém a responsabilidade da representação da soberania popular e que viola o direito à dignidade, constitucionalmente consagrado, de qualquer cidadão, até do Presidente do Benfica! E, se é verdade que qualquer reestruturação de dívida é consequência de incumprimento, também é verdade que os respetivos pressupostos radicam no reconhecimento de causas circunstanciais e da viabilidade económica do projeto subjacente mediante o desaparecimento de tais causas.    

   Porém, há uma virtude no atual inquérito; tem suscitado algum esclarecimento especializado que permite aos “leigos” na matéria, como eu, tirarem conclusões nada abonatórias para os Governos envolvidos no caso da resolução do BES e na venda do NB. Por ocasião da resolução do BES, disse-se, com exceção do PCP, que não traria custos para o contribuinte. Tem!  E avultados! Especialmente graves dada a grave crise que o país atravessa. O ressarcimento, a ocorrer, será a muito longo prazo.

   Quando se optou pela divisão do BES em “banco bom” e “banco mau”, solução geralmente considerada adequada, pensei, com “os meus botões”, que o que estava em causa era a identidade dos titulares dos ativos e não a qualidade dos mesmos. Hoje, esta ideia, face ao que se vai conhecendo, ganhou consistência, senão vejamos:

   O banco acumula prejuízos sistemáticos e com isso garante a injeção de capital do Fundo de Resolução financiado pelo Governo. Pergunto-me se a gerência do banco se destina a viabilizá-lo ou a garantir a efetivação do financiamento público, gerando défices sucessivos. Estou tentado a pensar que sim. Por outro lado, têm vindo a público vários casos de alienação de ativos em condições deploráveis. Noticiam-se perdas da ordem dos 90 % dos valores contratualizados, havendo indícios de que alguns ativos foram recomprados, a preço de saldo, por sócios ou amigos dos titulares das respetiva imparidades! Lamentável! Acresce, para cúmulo, que a Lone Star, segundo consta, se prepara para vender o Novo Banco, já saneado financeiramente, com ganhos substanciais! A ser verdade, é vergonhoso e deveria conduzir à severa punição dos responsáveis por tal desastre.

   Será o cidadão eleitor, que será fiscalmente penalizado, tão distraído que ainda irá premiar eleitoralmente os responsáveis por esta catástrofe? Eu não!

Amedeo Modigliani

Peniche, 15 de Maio de 2021

António Barreto