Desporto

sábado, 20 de setembro de 2014

Lusos paradoxos!

   Leio, que um estudante de 27 anos e um trabalhador da construção civil, de 46, morreram ontem colhidos brutalmente por dois touros durante a primeira largada noturna das festas em honra da Nª Srª da Boa Viagem, na Moita. Na largada, na qual participaram milhares de aficionados, ficaram ainda feridas três pessoas que receberam assistência no hospital do Barreiro. (CM 14.09.14)
 
   E mais, que em Samora Correia, um cavalo feriu nove pessoas numa procissão a 15 de Agosto. Uma criança ficou em estado grave. (ibidem)
 
   Ainda, que em Marvão, um homem de 52 anos, foi colhido por um touro numa largada a 14 de Junho e morreu. (ibidem)
 
   Também que, ainda na Moita, um turista inglês sofreu ferimentos graves após ter sido colhido por um touro em 2013 nas festas da Moita. (ibidem)
 
   Por último, que um representante da comissão de festas da Moita disse ter sido feito um grande investimento e que por isso, a festa iria continuar. (ibidem)
 
   As largadas de touros são uma velha tradição às quais vai quem quer apesar do risco de morte, que nem por isso parecem suscitar particulares preocupações por parte das autoridades competentes, que certamente não terão dispensado a taxazinha habitual.
 
   Recordo a profusão das pistas de skate a que qualquer criança iniciada tem acesso sem algum tipo de prevenção, com risco de acidentes que poderão ser graves. E mais carroceis, circos, teatros, sei lá que mais!
 
   O meu amigo Pierre (nome fictício) enfastiado com a correria da vida parisiense, fascinado com a simplicidade dos portugueses e a tranquilidade de Portugal, mudou-se com a sua mulher, portuguesa, para lusas paragens, determinado a disfrutar de uma vida despretensiosa e tranquila. Investiu as suas poupanças num ginásio espaçoso, equipado com aparelhos de qualidade, acessível, conquistando apreciável clientela que assessorava e vigiava elaborando planos de treino criteriosos adaptados a cada caso mediante sua considerável experiência e conhecimento.  Criaram-se amizades entre a comunidade de praticantes que, em geral, apenas pretendiam "endireitar o esqueleto" e pouco mais. A família de Pierre cresceu, com duas meninas que se fizeram adultas e tudo corria bem sem que se tivesse registado qualquer acidente no seu ginásio. Até que um dia os fiscais da ASAE lhe fecharam o estabelecimento a pretexto de irregularidade emergente de recente legislação, com aplicação da corresponde contra-ordenação, lançando no desespero uma família que tinha sido feliz e tinha contribuído para a felicidade da população local, no tempo em que escasseavam os equipamentos de ginásio.
 
Comecei então a reparar no surgimento de cadeias de ginásios de âmbito nacional e multinacional, em linha, aliás, com o processo de concentração e colonização tecnológica característica dos tempos atuais.

Face ao exposto, sou tentado a pensar que o desvelo da administração central com a segurança  parece ter mais em conta a preservação de certo capital que das pessoas, ao mesmo tempo não se dispensa de tutelar a vida quotidiana de cada um, até nos aspetos mais vulgares, incapaz de reconhecer o direito à liberdade dos cidadãos. E chamam paternalista ao regime de Salazar, quando nem nos deixam respirar.
 

Jesus versus Mourinho

      Não gosto do conceito que Mourinho tem do futebol, embora me agrade que tenha sucesso  graças sobretudo ao remanescente chauvinismozinho que por cá anda. Por outras palavras, agrada-me que um português tenha sucesso internacional ainda que  não admire o conteúdo do seu trabalho. Gosto do futebol espetáculo, do que é praticado pelas equipas que deixam jogar o adversário concedendo-lhe espaço e tempo, equipas que confiam em si próprias, de que é exemplo o Manchester United de Fergusson. Detesto o futebol compacto, físico, directo, que se desenrola em cinquenta metros de terreno, cujo primeiro movimento consiste em impedir a todo o custo o jogo do adversário e o segundo em marcar, seja como for, como é o caso das equipas de Mourinho. Este tem, quanto a mim, uma visão errónea do desporto que consiste na obcessão da vitória, sem olhar a meios, observável na incapacidade de reconhecer mérito ao adversário quando aquela não lhe é favorável. Na sua já longa carreira desportiva, são muitos os casos de intolerância aos adversários. De facto, tenho para mim que, Mourinho, pertence àquela categoria de pessoas que julga rebocar o mundo, entrando em estado de intensa ansiedade sempre que sente ameaçada a visão que tem de si próprio. 
     Talvez seja esta, afinal, a razão da referência que fez ao caso Talisca, relativizando o mérito do departamento técnico do Benfica, considerando-o um acaso resultante de alegadas dificuldades burocráticas no Reino Unido relativamente ao atleta em causa.  Pessoalmente, não acredito, porém, todos sabemos que o futebol português não tem como pedir meças ao inglês, cuja receita, com os direitos televisivos é só de mil milhões de euros esta época.  Fora tudo o resto. Mas também poderá ser motivada por "dor de cotovelo" por causa de Markovic ou por alguma encomenda dourada dos seus "velhos amigos" do passado, atónitos com o desempenho dos vermelhos, já por eles considerados moribundos.
      Mourinho tem formação superior, com um currículo notável é um dos melhores treinadores da atualidade e é frequentemente grosseiro com colegas e atletas. Jesus tem a escola da vida, dá pontapés na gramática e ombreia com os melhores na sua profissão, ao serviço de um clube com um orçamento cerca de vinte por cento do dos clubes que Mourinho tem representado. Este, preferiu o caminho fácil para o sucesso ao aderir ao sistema que tem feito de qualquer um campeão aquém e além fronteiras. Ao contrário, Jesus, com a suas limitações, incorrecções e erros, aderiu a um projeto, aceitando e enfrentando o risco do fracasso, dada a adversidade do ainda poderoso sistema vigente no desporto nacional. Escolheu o caminho mais difícil, levando a sua equipa a produzir um futebol que pela sua espetacularidade e determinação tem fascinado o mundo do futebol, apesar das vicissitudes cada vez mais perceptíveis no futebol europeu.
      Nobreza de carácter é não renunciar às origens humildes, aos seus, nem pretender ser outro com trejeitos pedantes de novo rico e pretensões pseudointelectuais. Pobreza de caráter é diminuir o mérito dos outros com alusões insultuosas que nada têm a ver com a substância do tema em causa. Se, um dia amadurecer, Mourinho, finalmente, irá compreender isto.