Desporto

sábado, 26 de novembro de 2022

A Liberdade de Ensino em Portugal

 

Cortes Constitucionais de 1822

 

    A liberdade de ensino é um dos campos de combate político mais intenso da democracia portuguesa. em que os partidos de esquerda defendem o controlo pleno do Estado de todo o processo, e os de direita propugnam pela liberdade de ensino. De um lado, concebendo o cidadão propriedade do Estado, impõe-se-lhe o estabelecimento de ensino, as matérias curriculares e a certificação da aprendizagem, incluindo conceitos de natureza ideológica que enformam o partido do poder. Do outro defende-se a liberdade de escolha do estabelecimento de ensino, em conformidade com as preferências de cada cidadão, com especial relevância da formação do espírito crítico, sem prejuízo da submissão à certificação pública final aplicável.

   Tendemos a pensar que vivemos tempos de esplendor tecnológico e social, resultado de uma dinâmica de progresso multidisciplinar contínuo, graças sobretudo à massificação e evolução do sistema de ensino e ao aperfeiçoamento dos regimes políticos democráticos.

  Porém, nem sempre é assim; deparamo-nos, por vezes, com temas atuais que foram estudados e discutidos, com excelência, em tempos remotos. Foi o que constatei ao embrenhar-me na leitura da “Discussão dos Artigos do Projeto da Constituição referentes ao Ensino”, relativos aos artigos 215 e 216, nas Cortes Constituintes, em 29 de Março de 1822, na sequência da revolução liberal de 1820

   Discutindo-se o sistema de ensino em Portugal - espantei-me ao verificar que eram as próprias populações a exigir escolas ao Estado, que as não conseguia satisfazer integralmente; a natureza do ensino público, as qualidades, dignidade e retribuição dos professores, o ensino privado e a liberdade de ensinar e de aprender.

   Chamou-me a atenção, no referido debate, a intervenção do Deputado pela Baía, Cipriano José Barata Almeida, firme defensor da independência do Brasil, que passo a reproduzir:

   - Sou de opinião que se suprima este artigo 216: porque convém que cada um ensine ou aprenda à sua vontade. Nós estamos acostumados a fazer monopólio de tudo, e por isso queremos fazer o mesmo com a cultura do espírito, ciências e belas letras, como se foram tábuas, marfim, pau-brasil, etc. A cultura do homem pede liberdade, e sem esta ele não pode ser feliz. É certamente tirania prender o desenvolvimento das faculdades intelectuais. Há porventura maior violência do que obrigar a tirar uma carta ou licença para poder ensinar? E se a não tira, tomar-se-lhe conta disso, suspender-se e oprimir-se? Para o bem comum é preciso que se não estabeleça monopólio da cultura do espírito. Por conseguinte deve ser determinado que cada um possa ensinar e aprender a seu arbítrio com quem quiser, sem que nenhuma autoridade lhe possa obstar: isto é necessário para que os corregedores, as câmaras, ou outra qualquer autoridade não estejam sempre embaraçando os professores com os seus exames, licenças e outras coisas semelhantes. Queremos nós pôr censura prévia no espírito humano quando a detestámos na tipografia? Longe de nós semelhante projeto.

   Quanto às ciências maiores, diz o artigo, que este importante objeto, será cometido a uma diretoria geral dos estudos: é preciso que também se não faça monopólio, nem haja diretorias para nenhuma ciência, mas que se facilitem as matemáticas, o direito, a medicina a quem quiser aprender, e com quem quiser, e em qualquer parte, com toda a liberdade; aliás tornaríamos, a pouco e pouco, para o antigo despotismo, para a ignorância e escravidão.

   Magnífico! O controlo dos espíritos dos cidadãos como via para a ascensão ao poder e sua manutenção, continua atualíssimo, e é demonstrativo da ausência de progresso, neste capítulo, em Portugal, apesar de decorridos duzentos anos, da ascensão da República e do advento da democracia em 75.

   Concluo que devemos olhar melhor para o passado para percebermos o presente e desbravarmos os caminhos do futuro com mais eficácia.




Peniche, 26 de Novembro de 2022

António Barreto