Desporto

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Não querem cortes? Ok, defendam aumento de impostos

Henrique Raposo

 
É a coisa mais cansativa do debate em Portugal: a falta de coerência, a falta de coragem para se assumir as consequências da escolha x ou y. As pessoas, organismos e partidos que estão a berrar contra os cortes propostos pelo FMI também gemem contra o aumento de impostos. Gritam contra tudo, querem tudo, querem uma coisa e o seu contrário, querem manter ou aumentar a despesa, mas, ora essa, são contra mais impostos. Vamos lá ver se nos entendemos: esta boa gente pode criticar à vontadinha os cortes, mas, depois da gritaria, tem de ser consequente. Caso contrário, esta turma indignada entra no terreno do populismo. O que é o populismo? É a aldrabice política que diz às pessoas aquilo que elas querem ouvir. E ainda por aí muita aldrabice travestida de "defesa da Constituição".
 
Se quiser ter um mínimo de coerência, a tribo do não-me-toques na despesa tem de responder a duas questões. Primeira: se grande parte da despesa do Estado é mantida pela dívida, como é que vamos manter essa despesa num cenário marcado pela escassez ou ausência de crédito para o Estado português? E imaginemos um cenário pós-troika: sem o professor alemão na sala, vamos voltar a emitir dívida como um bulímico? Vamos repetir a receita Sócrates, isto é, aumentar a dívida pública em 93%? E como é que se governa à esquerda sem um aumento da dívida, isto é, sem uma crescente dependência dos mercados? Até hoje ninguém respondeu a isto.
 
Segunda questão: é possível manter os níveis de despesa (que aumentam automaticamente devido aos direitos adquiridos) sem um aumento de impostos? Não, não é possível. Lamento, mas a matemática limita o livre-arbítrio nestas matérias chatinhas. Se quiser ser honesta intelectualmente, esta boa gente tem de defender um aumento massivo de impostos para a classe média. Sim, para toda a gente. Não me venham com a história dos ricos: se expropriássemos neste momento as maiores fortunas do país, ficaríamos com dinheiro para pagar, sei lá, o buraco das empresas de transportes públicos de Lisboa e Porto. E o resto? Quem pagava? Depardieu? Portanto, se não quer cortes, se acha que o Estado está ótimo, a tribo da gritaria só tem uma opção política respeitável: afirmar que um aumento brutal de impostos é um bem em si mesmo. Na política, o livre-arbítrio tem limites, porque as escolhas que fazemos têm sempre consequências, mesmo quando as pessoas recusam vê-las. Diz que é a vidinha.