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domingo, 31 de julho de 2022

Um Pouco de História (VI)

 

A República Romana


   O 6º período, conhecido como dos “Tiranos”, inicia-se em 671 (82 a. C) com a ditadura militar de Sila e durou quase um quarto de século. Até 683 com a fase da reação à ordem precedente instaurada por Cina e Mário, e daí até 694 na fase do ecletismo até ao primeiro triunvirato, donde emergiria César, o unificador do Império e precursor do fim da República, causa da sua morte.

   Sila era um jovem aristocrata decadente, um janota amaneirado, com um não-sei-quê repulsivo, empobrecido e sem ambições, que frequentava os salões, as tabernas e os prostíbulos de Roma. A sua fama de devasso tornava-o popular entre as mulheres e todos os jovens da moda o tinham por amigo. Vestia-se com elegância e requinte, culto, falava bem, incluindo o grego, alegrava o ambiente com pilhérias e anedotas, escrevia farsas e comédias para os teatrinhos dos salões elegantes, constando até que não cantava mal. Ria de tudo e todos, incluindo de si próprio. Não era um bravo, não tinha o ar sério e grave dos romanos, mas não era cobarde. Indolente, sem ambições nem ilusões, era um epicurista; deixava o tempo correr, divertindo-se. Sem religião, respeitava e seguia os cultos por costume aristocrático.

   Sila era neto de Públio Cornélio Rufino, cônsul em 464 (287 a. C) e 477 (276 a. C) na guerra de Pirro. Sem outros ascendentes nobres, vivia na pobreza até a fortuna lhe bater à porta quando a cortesã Nicópolis o nomeou herdeiro cujos bens, com a fortuna da sogra, o enriqueceram.

   Aos 31 anos Sila foi, por rotina, nomeado, questor do exército que Mário comandava em África contra Jogurta, o Rei da Numídia que desafiava o domínio de Roma. Mário, plebeu romano sério e grave, tratava Sila com desdém, considerando-o um gréculo sem atributos militares.

   Enganou-se. Tomado de brios, Sila aprimorou-se na destreza das armas e na astúcia tática, tendo-se destacado na captura do rei africano. Contrariado por ter de partilhar o mérito com o janota helenizado, Mário passou a odiá-lo. Contudo, a guerra dos Cimbros - povos germânicos que deixaram as margens do Báltico em busca de paragens mais prósperas a sul e ocidente - aumentaram a reputação militar de Sila.

   Em 661 (92 a. C), Sila foi eleito pretor espantando os romanos com a exuberância das festas que deu, abrilhantada pelos cem leões oferecidos pelo Rei da Mauritânia, seu aliado contra Jucurta. Por acaso e fortuna, foi enviado para a Ásia combater o “hércules” Mitridates, o inconformado, astuto e implacável Rei do Ponto, apostado em banir o domínio romano na região e expandir o seu reino.

   Durante a campanha ocorreu em Roma a revolta popular liderada por Mário e Cina, que derrubou o regime dos optimates - aristocratas membros do senado, fonte de todo o poder – tendo sido instituída a democracia popular. Na implacável chacina que se seguiu foram mortos selvaticamente todos os nobres que não conseguiram fugir, banidos da cidadania romana todos os que fugiram e confiscadas as propriedades de uns e outros.

   Sila foi banido, teve, os seus bens arrasados ou confiscados e a sua mulher e filhos foram obrigados a fugir de Roma para junto de si na Grécia. Todos os nobres que escaparam à matança se acolheram à sua proteção, instigando-o à vingança. Um novo exército, comandado por Mário Valério Flaco foi enviado pelos populares para derrotar Sila, que temiam, e Mitridates. Isto contribuiu para enfurecer e exacerbar a crueldade General, cuja natureza era destituída de transcendência e humanidade.

     Dissimulando a sua fúria com astúcia, sedução, força e sorte, Sila venceu todos os opositores na Ásia regressando a Roma como vencedor, determinado a derrubar do regime. Às portas da cidade eterna, negociou apoios, arregimentou militares inimigos, venceu os restantes e fez-se nomear pelo Senado, Governador com poderes absolutos, um Monarca, obtendo a legitimação espúria da Tirania. Por ironia a oligarquia ajudara a ascender ao poder o homem que a trairia.

   Enquanto formava o seu projeto de governo Sila deu largas à sua vingança decidido a extirpar as raízes democráticas do regime deposto. Baniu como inimigos da República todos os democratas. Instituiu o prémio de doze mil dinheiros pelo assassínio de cada banido e a pena de morte a quem o socorresse, confiscando as respetivas propriedades em benefício do erário público.

   Os bens dos mortos na guerra foram atribuídos à República. A matança era indiscriminada e indeterminada, metade dos cidadãos estava autorizada a eliminar a outra metade. Choviam as denúncias, saldavam-se as dívidas matando os credores, ocupava-se uma propriedade matando o respetivo proprietário, enriquecia-se com o ofício de matar.

   O terror era de al ordem que o próprio Sila viu-se forçado a elaborar diariamente listas das vítimas. Perante os apavorados senadores o cinismo de Sila não tinha limites, afirmando que ia matando à medida que se ia lembrando. Na antiguidade não havia lugar aos sentimentos caridosos, humanitários, e muito menos à piedade. O morticínio durou seis meses, de Dezembro de 672 (81 a. C) a Junho de 673 (80 a. C).

   Em matéria de reformas Sila manteve o foro romano a todos os aliados italianos, retirou o direito de sufrágio aos Libertos reduzindo a importância dos comícios do proletariado romano. Puniu as cidades, que tinham tomado o partido do inimigo, com multas e confisco de terras, distribuindo umas pelos soldados - fundando novas cidades -, outras ao culto, e outras ainda a quem entendeu, apanágio dos “bons príncipes”.

    Criou as fundações de um exército permanente ao militarizar as colónias com o propósito de apoiarem o governo da República. Fundou a guarda do Senado constituída por dez mil Libertos cornélios a que dera alforria.

   Aboliu as distribuições de trigo e as arrematações dos dízimos da Ásia, mina dos cavaleiros, reduzindo aqueles a prestações fixas. Acabou com a Ordem Equestre retirando-lhe o privilégio de Júri, que voltou ao Senado, e o lugar no protocolo das festas públicas.

   Concentrou no Senado todos os poderes, Legislativo, executivo e Judicial, completou o seu quadro recorrendo a eleições extraordinárias, e definiu o ingresso nele de todos os pretores e cônsules após dois anos do exercício dos respetivos cargos, acabando com as nomeações.

   Os Comícios, nominalmente soberanos, viram a sua autoridade prática anulada. O direito de veto dos Tribunos foi condicionado a sanção prévia do senado, ficando ainda aqueles, impedidos de exercer qualquer outro cargo. Separou os poderes políticos dos militares e criou os princípios do municipalismo ao limitar a área metropolitana da Itália.

   O ambiente de terror impedira qualquer oposição. O regime antidemocrático assim instituído sustentado no poder militar de Sila, ruiria logo que este abandonasse o poder e a geração dos seus soldados deixasse o ativo. O génio de Sila não chegava para criar a dinâmica de continuidade após o seu abandono.

   Retirou-se para Cuma em 675 (78 a. C.), enfastiado pelo poder, depois de se ter feito eleger Cônsul e bajular o “criançola” Pompeu. Tinha 59 anos e dedicava-se à pesca, à caça e à escrita das suas Memórias, entre uma corte de amantes, atores, bufões e dançarinas.

   Morreu subitamente ao assistir ao estrangulamento dum magistrado que condenara à morte, acusado de ladrão.

   Em Roma, foram magníficas as exéquias concentrando todos os veteranos da guerra da Ásia.

            


       Jugurta         
                                                                                                                                                             

Peniche, 31 de Julho de 2022

António Barreto