Desporto

domingo, 26 de setembro de 2021

"Duas Palavras Sobre Jorge Sampaio"

 

Respeito quem, obedecendo a imperativo de consciência, tem a capacidade de dissidir das ideias ou poderes dominantes. Geralmente gera desconforto, e até represálias, aos respetivos autores, mesmo em regimes democráticos, onde a liberdade de expressão é um dos pilares vitais. Jorge Sampaio teve a coragem de o fazer num tempo em que tal poderia implicar, não apenas desconforto social, mas tortura e morte. Por isso o respeito.

   Dito isto, confesso que não tenho grande consideração por pessoas cultas que defendem o socialismo. Além de gerador de pobreza, como a história demonstra à saciedade, o socialismo assenta na total submissão do cidadão ao Estado, por sua vez controlado e ocupado pelo partido. A liberdade é o maior bem a que o ser humano aspira. Ao impor ao cidadão a sua visão de felicidade, o socialismo, retira-lhe o seu bem mais precioso, a liberdade.

   Contudo, o vínculo democrático de Jorge Sampaio é inegável; na Faculdade de Direito de Lisboa, onde se licenciou em 1961, exerceu intensa atividade política de oposição à ditadura, primeiro enquanto Presidente da respetiva Associação Académica, depois como Secretário-Geral da Reunião Inter Associações Académicas (RIA) - em 1961-1962 - coprotagonizando a contestação estudantil que se manteve até ao 25 de Abril. Enquanto Advogado, teve ação de relevo na defesa de Presos políticos no Tribunal Plenário de Lisboa. Nas eleições de 1969 foi candidato à Assembleia Nacional pelo CDE (Comissão Democrática Eleitoral). Posteriormente manteve intensa atividade política e intelectual de oposição à ditadura, integrando vários movimentos de resistência, defendendo uma alternativa democrática de matriz socialista.

   Impulsionador do MES (Movimento de Esquerda Socialista), agremiação de intelectuais de esquerda de formação marxista, desvinculou-se em pleno congresso fundador ao perceber a natureza radical do movimento. Já em pleno PREC (Período Revolucionário em Curso), apoiou Grupo dos Nove do MFA, que se opôs à deriva totalitária, a que foi posto termo no 25 de Novembro de 1975. Estes factos, por si só, comprovam, em contextos diferentes, a cultura democrática de Jorge Sampaio.

   Posto isto, há rumores de queixas de vítimas dos excessos praticados no PREC, caso de Artur Agostinho, preso em Caxias, a quem Jorge Sampaio terá recusado defesa judicial, alegando insuficiente conhecimento do prisioneiro, apesar de ter sido seu patrono anteriormente, em vários casos de pequena monta. A ser verdade, não é bonito.

   Por outro lado, que saiba, não se terá oposto à tragédia que foi a descolonização, sendo por isso, quanto a mim, cúmplice do genocídio de que os portugueses, pretos e brancos, civis e militares, foram vítimas no decurso do processo, em todas as ex-colónias.

   Mais recentemente, considero-o, em parte, responsável pelos danos causados ao país pelo governo de José Sócrates. Ao dissolver a Assembleia da República, pondo fim ao governo errático de Santana Lopes, atirou o país para os braços do seu partido, que se revelou incapaz de o preparar para as crises que já se vislumbravam no horizonte.

   Parece-me também que Jorge Sampaio foi o precursor da “geringonça” - que, alegremente, conduz o país para a ruina económica e anarquia social - quando se aliou à esquerda radical na Câmara Municipal de Lisboa.

   Recordo ainda, quando, nos primórdios do Governo de Durão Barroso, perante a avalanche reformadora deste, Jorge Sampaio, então Presidente da República, recorreu ao caso dos toiros de morte de Barrancos para a travar. E conseguiu.

   Finalmente, ficou-me na memória a resposta que deu a um jornalista que o interpelava acerca das soluções para a crise. Respondeu Sampaio, refletindo uma característica eminentemente socialista: “ os empresários têm que trabalhar mais”! Lembro-me de ter pensado, “se quiserem!”. E logo depois: “mas como podem os empresários trabalhar mais se já trabalham 12, 14 e 16 horas diárias, muitos sem fins-de-semana nem férias? Trabalhar melhor, sim, seria possível, sem a crescente asfixia do Estado”. Mais tarde percebi; os governos socialistas, não se preocupam em criar as condições para o desenvolvimento da Sociedade Civil, consumidores e empresas, para que esta crie mais empregos e riqueza: aumenta o contingente do funcionalismo público e apresenta a fatura às empresas e cidadãos, agravando os impostos, criando outros, tal como novas e intermináveis taxas, e fazendo uso de uma infinidade de artifícios, diretos e indiretos, sempre por “boas e indiscutíveis causas”, onerosos para cidadãos e empresas. A fórmula do empobrecimento!

   E é isto que se me oferece dizer quanto a Jorge Sampaio; enquanto homem e político, respeito a sua dimensão humanista e democrática mas, enquanto político, reprovo o seu envolvimento num caminho em que não acredito.


Peniche, 26 de Setembro de 2021

António Barreto