Desporto

sábado, 15 de agosto de 2015

Os sócios do Benfica

   Cerca de noventa e cinco mil foi a redução do número de sócios do Benfica revelada pela recontagem estatutária agora concluída, cifrando-se em cerca de cento e cinquenta e seis mil o nº de sócios de actuais. Uma hecatombe, considerando o objectivo dos trezentos mil associados definido pela actual Direcção. Só a análise detalhada permitirá esclarecer as causas desta evolução, e para isso, são necessários dados estatísticos a que só a estrutura do Benfica tem acesso. Espero que alguém no clube faça esse trabalho. Nada nos impede porém de fazer um pequeno exercício especulativo sobre o assunto.

   Assim, desde logo, as causas naturais; a lei da vida impõe-se e a compensação deste factor faz-se pela abordagem às novas gerações  com projectos de envolvimento sócio-desportivo que complementem e enriqueçam o seu quotidiano, estruturando uma forma de estar civicamente exemplar. A actual Direcção tem feito um trabalho extraordinário nesta área, talvez mesmo sem paralelo em Portugal; nas modalidades, proliferam os desportos juvenis, a par de inúmeras actividades abertas aos sócios e ao público em geral. Um caminho a manter na perspectiva da diversificação e da qualidade, sem comprometer a sustentabilidade.

   O maior impacto talvez venha da tremenda crise económica e política que o país atravessa. O nível de insegurança que se abateu sobre as famílias, resultante da revolução económica e política em curso, a incerteza quanto ao futuro da maioria da população e a redução de rendimentos de quase todos, implica a contenção de gastos secundários, como é o caso das quotas dos clubes. Não passou a haver menos benfiquistas mas são menos os que podem pagar as quotas. Pois reduzam-se as quotas a metade e simplifique-se o método de pagamento; para o mesmo nível de receita é preferível ter o dobro dos sócios. E os benefícios indirectos serão alavancados desportiva e financeiramente. O mesmo para os bilhetes.

  E o desempenho desportivo? terá tido algum efeito nesta contracção?, teve com certeza...nos dois sentidos. Têm sido muitos anos de enxovalhos dentro dos relvados, que se traduziram num longo deserto de títulos e nas consequentes guerras internas que poderão ter levado ao afastamento de muitos benfiquistas. No entanto, o foco deve incidir nos últimos cinco anos, período em que se verificou a alteração. E o que aconteceu nos últimos cinco anos?...Jorge Jesus!, aconteceu Jorge Jesus! O ano do seu ingresso no Benfica, imediatamente anterior ao da penúltima contagem, foi avassaladoramente empolgante; com um plantel de luxo e a motivação em alta causada pela célebre declaração pública de pôr a equipa a jogar o dobro, o Benfica arrasou quase tudo e todos. É possível que o entusiasmo tenha provocado uma adesão maciça de benfiquistas esperançados numa viragem de ciclo. O ano seguinte foi decepcionante; pela saída de jogadores nucleares, pelo assédio a mais de meia-equipa, pela aposta prematura de Jorge Jesus em Roberto e pela quebra de motivação dos jogadores relacionada com novas exigências salariais de Jorge Jesus, na sequência do aliciamento de que foi alvo por parte de Pinto da Costa, soube-se depois. Esse campeonato e os dois seguintes "foram à viola", culminando com o descalabro do antepenúltimo, em que o Benfica tudo perdeu no último instante; foi demasiado violento! temi a debandada e...pode ter sido a debandada; a definitiva descrença para muitos. Julgo que as super-estruturas do futebol também o perceberam e temeram o descalabro de todo o futebol nacional, que, sem os benfiquistas, não tem viabilidade. Talvez tenha sido essa a razão da menor hostilidade das arbitragens  relativamente ao clube da Luz nos dois campeonatos seguintes; talvez tenha sido essa a razão de Jesus não ter sido despedido; talvez Jesus não tenha querido sair pela porta pequena comprometendo o resto da sua carreira desportiva. Talvez. O que é certo é que os dois anos seguintes não foram suficientes para recuperar os associados dissidentes apesar dos sucessos internos! A verdade é que as vitórias internas, sendo indispensáveis, não são suficientes para restaurar o fascínio dos Benfiquistas. Jesus falhou rotundamente neste capítulo apesar das oportunidades. 
  
   O efeito Treinador também não deve ser afastado; Jorge Jesus dividiu os benfiquistas; pela sua teimosia, pelo seu mau relacionamento com históricos do clube, pela falta de cordialidade com os adversários,  por nunca se ter demarcado publicamente de Pinto da Costa, por não ter apostado na formação, por falta de capacidade nos momentos decisivos como os das finais europeias. Havia quem o considerasse o Fergusson do Benfica, mas também havia, e há, quem o tenha considerado um "submarino" no clube. A não ser que tenha ocorrido algo de muito grave ainda desconhecido, os acontecimentos recentes dão força à última tese, parecendo claro que andou pelo menos cerca de meia época a treinar um clube, comprometido com outro. Há quem não tenha digerido certos lances capitais e suspeite que Treinador, e, pelo menos, um atleta, tenham falhado intencionalmente em momentos capitais. Nunca o saberemos. A ser verdade valeria irradiação do futebol! Para além do que foi dito anteriormente, sublinhe-se ainda que, no ano do descalabro, andou-se cerca de toda a segunda volta em suspenso quanto à renovação do Treinador. E isso afectou todo o grupo de trabalho e os adeptos. Talvez então Jesus tivesse outro compromisso em carteira, como referiu recentemente. Neste capítulo, cabe ponderar um velho e mau hábito do Presidente dos encarnados em privilegiar as amizades em matéria profissional e não discriminar preferências clubistas. Em matéria de trabalho e negócios as amizades só atrapalham, como mais uma vez ficou demonstrado. O Presidente do Benfica não deveria ter-se deixado pressionar. É um mau precedente. Avalia-se, não serve...rua...cordialmente! E a rua teria sido no segundo ano quando Jorge Jesus encostou o Presidente do Benfica à "parede"! Nesse instante, perdeu-se a magia! Quanto à cor clubista, sabíamos que Jesus é sportinguista, acreditámos que poderia tornar-se benfiquista! Erro crasso!, falhou a avaliação do carácter; é possível, mas só nalguns casos! Mais grave; há quem afirme que talvez haja mais submarinos no Benfica!, gente com outra filiação clubista que nunca se sabe a quem servem!, não sei; mas sei que tal política é imprudente e também sei que benfiquismo sem competência não serve. Uma opção a rever. E a reter; que Jorge Jesus dividiu os benfiquistas, mesmo nos melhores momentos.

   Outro factor a ter em conta é a rotação alucinante de jogadores!, não há coração que aguente!, outrora, os adeptos afeiçoavam-se aos jogadores dos seus clubes que constituíam autênticos porta-estandarte, anos a fio, cimentando a união do respectivo universo clubista. Uma realidade completamente ultrapassada nos dias de hoje. Não há tempo para afectos; os jogadores são adquiridos, primordialmente, para servir financeiramente os clubes e servir-se deles financeiramente. Assim que dão nas vistas são repassados de imediato! Witsel, Ramirez, Matic, David Luiz...criaram tremendas expectativas de crescimento competitivo...hoje são uma boa recordação...apenas. Os adeptos afastam-se, põem o coração ao  largo...e isso afecta a adesão afectiva ao clube, cada vez mais industrializado e cada vez menos clube. Não sei como se combate isto!, parece uma inevitabilidade dos tempos modernos; subordinação quase total dos clubes aos jogadores, com crescente endividamento daqueles até ao inevitável colapso. Nem os tubarões escapam! UE, UEFA e FIFA a tudo assistem, implementando hipocritamente regras de fair-play que nada parecem resolver. No caso do Benfica, parece-me que a divisão da massa salarial por menor número de atletas, 45 a 50, associada ao recurso a mais atletas da formação e à estabilização de um núcleo estruturante da equipa, poderá atenuar o problema, mas nunca resolvê-lo. A abertura do capital da SAD a investidores estrangeiros poderá ser outra via, mas...quem quererá investir significativamente num campeonato carente de competitividade e credibilidade como o português? Nem esta é a via da actual Direcção embora os adeptos dêem prioridade às vitórias e não à origem do capital. O exemplo vem do Reino Unido. Só a argúcia e a capacidade dos dirigentes poderá atenuar esta turbulência....

   O efeito Presidente também não deve ser descartado. Luis Filipe Vieira ficará na história do clube em lugar de destaque; como uma obra notável ao nível das infraestruturas, na área organizacional e no crescimento económico.  Apesar dos recentes sucessos internos, subsiste ainda um défice de títulos que só será ultrapassado quando o Benfica vencer a Liga dos Campeões ao rival mais difícil, como fez no passado! Falta ambição ao Presidente do Benfica!, e a ousadia é a mãe de todas as vitórias!, foi comovente assistir ao empenho de Filipe Vieira na venda do Kit Sócio, mas é inegável alguma falta de carisma e de oportunidade na intervenção externa em momentos cruciais. Adeptos, funcionários e atletas sentem-no e reflectem-no. Por exemplo; foi feito um trabalho extraordinário com a Benfica TV que permitiu "escaqueirar" durante algum tempo o principal suporte do portismo, mas já se assumiu disponibilidade de adesão à centralização dos direitos desportivos, que, com Proença  na Liga e o quase monopólio das infraestruturas de transmissões na Sport TV, mais uma vez, parecem destinados ao Oliveira...afinal, "uma boa pessoa", como ainda há pouco tempo referiu Vilarinho. Ora os adeptos não percebem isto e desconfiam. Tal como desconfiam ao ter conhecimento que há gente de outros clubes em lugares chave como o da prospecção. E não gostam que se teime em denegrir Vale a Azevedo porque não esquecem a sua coragem na defesa do Benfica contra os Pintos, os Oliveiras, os Salgados, e até os Sócrates!, nem esquecem que, apesar de tudo, tinha um projecto mais sóbrio para o clube, com menor endividamento, abortado por efeito de uma falsa promessa de Vilarinho, que, curiosamente, considera Joaquim Oliveira"uma boa pessoa"! Nem aceitam a política de passividade perante os permanentes enxovalhos de Pinto da Costa e agora de Bruno Carvalho! É a capacidade de responder na mesma moeda que inibe os nossos inimigos de nos fazer mal, nunca a de dar a outra face. Nem aceitam a actual condição de subserviência da BTV, salvo excepções, recheada de yes-man!, sabemos que muitos adeptos, sócios ou não, praticam o irracional destrutivismo, mas nenhuma entidade sobrevive sem crítica interna e isso não está espelhado na BTV. E os adeptos desconfiam!

   Muitos outros factores poderiam ser aduzidos; como o efeito estádio, ou a partida de Eusébio, Coluna e outras glórias do passado, mas subsiste ainda outro da maior relevância; o da Comunicação Social!, Julgo que todos os órgãos, com uma ou outra excepção, são hostis ao Benfica; DN, JN, Público, O Jogo, Sport TV, TSF, afetos ao Porto; CM, Record, o I, O Sol, afetos ao Sporting; RTP, TVI e SIC, habitualmente hostis ao Benfica. Parece que o antibenfiquismo é uma regra implícita da ordem actual, havendo não poucos casos de segregação e violência, e isso, por si só, é dissuasor de novas adesões.

   A solução está na união, na competência e na imaginação; em aceitar e enfrentar a luta sem tréguas, tomando a iniciativa na inovação, mas não deixando desaforos e enxovalhos sem resposta sem cair na tentação das peixeiradas, em estabelecer alianças profícuas e leais e afastar os oportunistas ou infiltrados.

   Teremos de novo uma forte equipa e temos um Treinador com credenciais e ambição, falta-nos a centelha da motivação para nos tornarmos imparáveis mais uma vez. Poderá regressar amanhã.

Em frente Benfica!