Desporto

domingo, 28 de outubro de 2018

O 25 de Abril Visto da História (notas P6)


 
O 25 de Abril Visto da História
(Livraria Bertrand)
Diálogo entre José António Saraiva e Vicente Jorge Silva em 1976 sobre a atualidade política, em vésperas as primeiras eleições presidenciais
 

 
….O voto PS, se o voto tem alguma coisa a ver com a prática política dos partidos, então não deixará de ser entendido, prioritariamente, como um voto anti-PCP. …(JAS)

   Foram, pois, os excessos cometidos pelo PCP no período que ficou conhecido por PREC - com a ocupação do aparelho estatal, o domínio dos quarteis, os saneamentos nas empresas, as violações da propriedade privada, as ocupações dos principais jornais - com a “curiosa” participação de José Saramago -, as prisões arbitrárias dos seus aliados do COPCON, a agitação social marginal da sua excrescência sindical, a Intersindical, etc. - que suscitaram o afrontamento do marginalizado PS que lhe viria a granjear confortável maioria nas eleições para a Assembleia Constituinte, seu principal capital político até aos dias de hoje. A ironia atual reside cedência do PS ao PCP pela imperiosa necessidade daquele ascender à governação.

…Torna-se claro que muitos dos atuais dirigentes socialistas são “velhos republicanos”. Entre o PS de hoje e o Partido Republicano de então existem, de resto, aproximações que, podendo não passar de coincidências, não deixam de ser curiosas. …(JAS)

   É certo que até Mário Soares invocou a herança de Afonso Costa sendo recorrente, entre socialistas, as referências à famigerada e duvidosa “ética republicana”. Por outro lado, as ligações à maçonaria de notáveis do atual PS - Vasco da Gama Fernandes, João Soares, António Arnault, José Magalhães, entre outros - também ajudam a consolidar esta tese. (AB)

…durante a I República o desajustamento entre o Estado e a estrutura da sociedade portuguesa terá sido o maior que alguma vez se verificou em Portugal. Veja-se, apenas, o anticlericalismo radical dos políticos republicanos - um fenómeno tão artificial quanto é certo….que o país continuava a ser, na sua grande maioria, um país católico….Por outras palavras, em que medida é que o “espírito do 25 de Abril” correspondeu a um ajustamento do Estado à sociedade Portuguesa. …..se, entre 1910 e 1926 a sobreposição entre a República e o Estado foi uma situação artificial, então é perfeitamente natural que certas lutas que foram da República mantenham ainda hoje uma certa atualidade. (JAS)

   Não há dúvida que o anticlericalismo está bem patente no atual PS, bem como nos restantes partidos de esquerda, não tão radical como então, mas sistemático e persistente. Donde - até pela predominância da doutrina de esquerda no articulado da Constituição - a consagração do Estado Laico, aceitando-se pela defesa do princípio da não discriminação religiosa, não deixa de ser uma afronta à cultura popular dominante, hoje, paradoxalmente, em risco de sujeição à intolerância do islamismo.

…Os mais destacados dirigentes do Partido Socialista português são normalmente oriundos das classes médias e exercem, por outro lado, atividades sem ligação direta, a maior parte das vezes, ao setor produtivo….(VJS)

   Esta característica não é exclusiva do Partido Socialista; ela está presente em quase todos os partidos, grandes ou pequenos. A pequena e média burguesia ou a administração pública são as fontes donde tem brotado o caudal humano político em Portugal. Só o Partido Comunista, nos primórdios, integrava quadros oriundos do operariado ou do campesinato. Quanto a mim, há uma explicação para isto; o povo, operários e camponeses, antes de mais, têm que garantir a sua sobrevivência, o que lhes ocupa todo o tempo disponível. Há poucas décadas atrás muito pouca gente tinha salário; o ganha-pão tinha que ser “arrancado” à terra e ao mar em cada dia por todos os membros da família, desde tenra idade. (AB)
(foto: Peniche, na Praia do Quebrado)
Peniche, 27 de Outubro de 2018
António J.R.Barreto

O 25 de Abril visto da História (notas P5)



 O 25 de Abril Visto da História
(Livraria Bertrand)
Diálogo entre José António Saraiva e Vicente Jorge Silva em 1976 sobre a atualidade política, em vésperas as primeiras eleições presidenciais

….constata-se claramente que grande número de partidos que enquadraram politicamente o Boom neocapitalista na Europa do pós-guerra se mostram hoje incapazes de responder, por um lado à dinâmica “integracionista”, e por outro, ao repto de uma esquerda que se adaptou ao terreno da democracia burguesa e aposta a sua cartada no jogo eleitoral….(VJS)

   Em linha com AJS; parece que os socialistas modernos se caracterizam pela falsa adesão às democracias, com o propósito de, pela gradual e sistemática via reformista, atingir os objetivos da sua ideologia, garantindo a adesão do eleitorado graças à prática, insustentável embora, da redistribuição. (AB)

…..O poder operário, se existe - e existe - é, repita-se, nos países ocidentais industrializados – onde o operariado, de facto, tem já nas suas mãos (e não nas polícias do Estado) uma parte do poder…… (JAS)

   Talvez seja esta a justificação do célebre “quanto pior melhor” atribuído ao tradicional comportamento político do PCP; o atraso económico garante-lhe maior audiência junto do eleitorado. “Com efeito, o estalinismo impõe-se como o reverso da medalha do salazarismo, enquanto totalitarismos de sinal diferente - e que reciprocamente se justificam – e enquanto expressões de atraso económico-social e político”. (AB/VJS)

…Na verdade, enquanto nos países onde o movimento social é forte, os partidos aparecem sobretudo como emanações do corpo social, como expressão das tensões existentes no seu interior, em Portugal, os grandes partidos surgem menos como “expressões orgânicas” do movimento social - que é débil - do que como figurinos importados do estrangeiro…(JAS)

   É esta uma incontestável realidade; só agora - em 2018 -, graças aos efeitos da crise económica de 2008 e da consequente radicalização dos tradicionais partidos, a sociedade revela sinais de criar a sua genuína dinâmica política emergindo vários novos partidos e movimentos; é o caso do Democracia 21, do Partido Liberal, do Partido Nacional Renovador, do Partido Aliança, do Movimento Por Uma Democracia de Qualidade, do Movimento Não nos Calamos, do Movimento Chega, e outros. O domínio do aparelho estatal pelos “velhos” partidos e os constrangimentos da “engenharia” constitucional na esfera partidária, porém, eventualmente, inviabilizarão a sua ascensão. Tal, a verificar-se, constituirá a derradeira condenação à morte desta 2ª, ou 3ª, República.

….O PS, que até certa altura tinha vindo a atuar com muita cautela, evitando a todo o custo a marginalização - recorde-se o seu apoio à nomeação de Vasco Gonçalves para o cargo de primeiro-ministro …em prejuízo de Firmino Miguel, o candidato de Spínola - toma agora ele próprio a iniciativa de se demarcar em relação do Poder constituído, passando mesmo a afrontá-lo diretamente…. (JAS)

   Fica pois assente a atenuação da responsabilidade de Spínola na desastrosa nomeação de Vasco Gonçalves para o primeiro-ministro do primeiro Governo pré-constitucional, que revolucionaria a estrutura económica e patrimonial do país conforme o modelo estalinista, ainda hoje não totalmente erradicado. Pelo contrário, confirma-se o alinhamento inicial do Partido Socialista com o Partido Comunista, tornando-o corresponsável pelo descalabro revolucionário. Por outro lado, a posterior dissidência do Partido Socialista teria tido mais a ver com a marginalização a que fora votado pelo PCP, que assumira o controlo do processo, do que por “amor à genuína democracia liberal. (AB)
(Praia de Peniche de Cima)
Peniche, 26 de Outubro de 2018
António J. R. Barreto

O 25 de Abril Visto da História (notas P4)



O 25 de Abril Visto da História
(Livraria Bertrand)
Diálogo entre José António Saraiva e Vicente Jorge Silva em 1976 sobre a atualidade política, em vésperas as primeiras eleições presidenciais

…Quando Portugal dispõe, na América, de uma das maiores e mais ricas colónias do mundo - o Brasil - são empresários portugueses que controlam, cá dentro, a maior indústria portuguesa do tempo: os vinhos do Porto. …(JAS)

   É verdade. Foi pela 2ª metado do século XVIII, por ocasião da pré-revolução industrial em que a Inglaterra protagonizava um tremendo desenvolvimento da indústria da tecelagem, com envolvimento da sociedade civil e da Coroa – surgiram então as primeiras PPP na construção e desenvolvimento da rede viária e fluvial para escoamento da produção do carvão e dos têxteis, culminando na mecanização das máquinas de tecer com máquina a vapor, com a constituição das primeiras fábricas e consequente migração dos camponeses para as cidades – que a transformaria no maior produtor mundial. Foi neste contexto que Portugal – através do Marquês de Pombal que haveria de criar a primeira região produtora demarcada do mundo – do Douro, que acabaria por resultar no “Massacre dos Taberneiros”-, estabeleceu um contrato de comércio com a Inglaterra mediante o qual Portugal lhes compraria todos os têxteis de que necessitasse e lhes venderia todo o vinho que produzisse, em regime de exclusividade. O célebre economista David Ricardo haveria de defender os benefícios mútuos deste contrato calculando a razão de troca em 3 para 5; por cada unidade investida, Portugal ganharia três e a Inglaterra cinco. Aqui reside a desvantagem lusa, que haveria de conduzir ao empobrecimento do país ao excluir economias que possibilitariam melhores condições de comercialização. A verdade é que, por esta época, a Inglaterra já era o principal beneficiário do comércio do império colonial português; pelos fretes das mercadorias e policiamento das frotas, bem como pelos serviços de seguros das mercadorias, limitando-se Portugal a cobrar os direitos alfandegários e as taxas portuárias, sem intervenção direta na exploração colonial. Após a vitória sobre a célebre Armada Invencível, com a destruição e afundamento de numerosas naus portuguesas, A Inglaterra dominou os oceanos até à I GM, sendo então superada pelos EUA no domínio marítimo.

…Significativamente, há hoje quem defenda que Portugal morreu (deixou de ser viável) como país independente, na medida em que, como disseste, deixou de dispor de “válvulas de escape” – situa-se neste campo, por exemplo a União Ibérica, mas não só…..(JAS)

….Neste momento, na Europa, parece de facto em vias de constituição uma nova força – que seria formada por partidos comunistas, socialistas e mesmo sociais-democratas, quer de Leste quer de Oeste cujo combate se travaria em duas frentes: por um lado contra o conservadorismo de Moscovo e o seu papel de “Estado-guia”; por outro, contra a hegemonia americana na Europa e os partidos conservadores do Ocidente (como as Democracias Cristãs, os Conservadores ou os Liberais)….(JAS)

   Esta previsão deve ter-se, pelo menos em grande parte, concretizado, considerando o asfixiante centralismo que a União Europeia impõe aos Estados membros, transformando os seus governos em meros agentes executivos das suas intermináveis diretivas, sobrepondo estes à sociedade Civil, condicionando a liberdade económica ao “planeamento central” conforme a visão do mundo da elite constituinte do Conselho Europeu, imiscuindo-se, cada vez mais, em cada detalhe da vida dos cidadãos. Uma clara herança do extinto totalitarismo soviético, que, sobretudo a partir de 1989, deverá ter espalhado na Europa, algumas “metástases”.
Peniche, 25 de Outubro de 2018
António J. R. Barreto

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

O 25 de Abril Visto da História (notas P3)



O 25 de Abril Visto da História
(Livraria Bertrand)
Diálogo entre José António Saraiva e Vicente Jorge Silva em 1976 sobre a atualidade política, em vésperas as primeiras eleições presidenciais


….Quando a burguesia portuguesa aposta no 5 de Outubro, quando acredita que a posse da máquina do Estado, a possibilidade de fazer decretos, lhe garante a possibilidade de resolver problemas que não foi capaz de resolver de outro modo, de maneira orgânica, transformando as relações produtivas na base da sociedade e roendo nesse processo os alicerces do mundo feudal, a burguesia portuguesa, dizia, acredita numa miragem. Com efeito, a posse do Estado é apenas a posse da arma legal – e a arma legal só tem utilidade quando corresponde ao ajustamento da lei a uma realidade que já existe.

   Não me parece; a lei pode mudar a realidade, e, muitas vezes, muda. Não mudará as estruturas profundas do indivíduo nem de toda a sociedade; mas define e incentiva uma tendência que acabará por ocorrer, dependendo da relação de forças que entretanto se verifique, tratando-se de democracias. (nota AB).

…Depois do 25 de Abril vamos assistir a um processo muito semelhante ao que se observa durante a I República - e que constituiria uma nova expressão da incapacidade dos diferentes partidos políticos para assegurarem por si próprios a gestão da sociedade civil. ….Regressam em cheio os velhos mitos da burguesia republicana – os partidos lançam-se, outra vez, na conquista do Estado, acreditando que isso lhes venha a permitir a construção de um país à medida dos seus programas. E a conquista do Estado passa, primeiro, pela obtenção de apoios militares.

   A este respeito, a penetração que o partido comunista e a extrema esquerda conseguem a certa altura no interior das Forças Armadas, e em particular do MFA, é um exemplo significativo. ...refira-se a Assembleia de Tancos - cujas conclusões foram (a enorme distância) mais decisivas que as de qualquer outra assembleia política civil…. (JAS)

…O advento da burguesia na História é marcado pelo surgimento de uma nova realidade: o internacionalismo. A problemática ganha uma nova “dimensão”. Os problemas deixam de ser locais, regionais ou mesmo nacionais para passarem a fazer parte de um todo que já tem pouco a ver com as nacionalidades. Este fenómeno é particularmente sensível na Europa industrializada e burguesa – onde o problema das fronteiras nacionais tem já pouco ou nenhum significado. …(JAS)

   Uma perspetiva pouco percetível à época, à grande maioria da população, mas hoje bem evidente. Não sei se a origem desse internacionalismo é exclusivamente burguesa, julgo que há, também, um internacionalismo ideológico simultâneo; uma nova dicotomia em disputa pelo controlo global, geradora de revivalismos nacionalistas, desde logo na maior economia mundial, mas também em alguns países europeus, nomeadamente do leste.

…Proletariado e burguesia são duas faces de uma mesma realidade – de um mesmo mundo. E só no momento em que a burguesia, como classe dominante, conquista o Poder, é que o proletariado tem a oportunidade histórica de se definir – por oposição a ela e ao seu símbolo, o Estado -, organizadamente, enquanto classe. Até lá, proletariado e burguesia estão condenados a lutar lado a lado pela subversão das estruturas tradicionais. …(JAS)

   Esta espécie de profecia não se concretizou, creio que pela asfixia da sociedade civil provocada pelo exacerbado centralismo estatal; a transformação das estruturas económicas tradicionais está a ser impostas pela União europeia e as sociais, atualmente, pelo governo de formação marxista, conjunturalmente comprometido com o pós-modernismo.
 
Peniche, 24 de Outubro de 2018
António J..R. Barreto

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

O 25 de Abril Visto da História (notas: P2)


O 25 de Abril Visto da História
(Livraria Bertrand)
Diálogo entre José António Saraiva e Vicente Jorge Silva em 1976 sobre a atualidade política, em vésperas as primeiras eleições presidenciais
 
….Será curioso observar, a propósito, o que se passa durante a guerra civil de 1832-1834, quando a burguesia portuguesa, desempregada depois da independência do Brasil, se põe a reboque das forças liberais - de um exército de políticos, exilados – não para fazer prevalecer na sociedade portuguesa a sua ordem, a ordem burguesa, mas para desapossar o clero e a nobreza das suas terras e para se meter depois, ela própria, nas terras do clero e da nobreza, conservando praticamente intactos os privilégios que antes essas duas classes usufruíam, prolongando a sociedade feudal. ....(JAS)

…..gostaria de recordar o que me disse um dia um reconhecido historiador: que Salazar tinha deixado o Portugal em condições ótimas para o estabelecimento de um “regime socialista” ( e socialista, neste caso, entre aspas, evidentemente). …(JAS)

….Aí tu tocas num aspeto muito importante: Portugal é um país onde nunca se verifica um livre jogo de forças, onde tudo se resolve através de leis, de decretos. … (JAS)

…Apenas um setor se mantém aparentemente invulnerável ao regresso ao salazarismo: o Ensino. …(VJS)

…A burguesia em Portugal, satisfaz-se com a pilhagem colonial – e com o seu negócio. Não se forma em Portugal uma burguesia industrial. .. (JAS)

….Não se coloniza o Império – conserva-se o Império. Não se exploram os recursos do Império – mantém-se o Império. O Império é “terra sagrada”, é Pátria - e como tal, inalienável. …Com Portugal passa-se exatamente o contrário: a possibilidade do regime e do Império sobreviverem reside em não desenvolver, em paralisar.”… (JAS) 

   Aqui, JAS revela surpreendente ignorância; na sequência da 1ª GM, Portugal ficou obrigado pela comunidade internacional a intensificar o desenvolvimento das suas colónias. A partir do início dos anos sessenta – em particular no consulado marcelista e em colaboração com a CEE - e até ao 25/04/74, o crescimento económico - agrícola e pescas, industrial - bebidas, minérios, petróleo - e comercial, com o acesso direto a financiamento europeu e americano - sobretudo de Angola e de Moçambique, foi simplesmente espantoso, impressionante - os dados estão acessíveis -, e esta, sim, terá sido, quanto a mim, a principal causa do empenho internacional no movimento independentista, suportado politicamente pelo reconhecimento do “direito dos povos à autodeterminação”, na sequência dos acordos pós-guerra - 2ª GM. (nota AB).

“…Não é por acaso que setores oposicionistas identificados hoje com o Partido Socialista acorrem a apoiar vivamente as teses neocolonialistas, ditas “federalistas”, que Spínola começa a defender quando era ainda governador da Guiné. …(VJS)

….Uma das teclas em que bate constantemente a propaganda da República é a da incapacidade do aparelho monárquico para garantir a integridade nacional, para manter as colónias – donde a necessidade imperiosa de o derrubar. Ora não deixa de ser curioso estabelecer um paralelo entre uma primeira República que surge no palco do país a defender Portugal da perda à vista das colónias e uma segunda República que, precisamente ao contrário, aparece a afirmar a necessidade de Portugal oferecer às colónias a possibilidade de se autodeterminarem. ….(JAS)

   Mudança, afinal, consequência da nova ordem mundial, adotada no pós 2ª GM e bandeira do PCP e, mais tarde, de Mário Soares e do Partido Socialista. (nota AB)
 
Peniche, 22 de Outubro de 2018
Antonio J.R. Barreto

O 25 de Abril visto da História (notas P1)



O 25 de Abril Visto da História
(Livraria Bertrand)
Diálogo entre José António Saraiva e Vicente Jorge Silva em 1976 sobre a atualidade política, em vésperas as primeiras eleições presidenciais
(notas)
 

     Duas das mais prestigiadas figuras do jornalismo nacional contemporâneo, observadores privilegiados do processo dito revolucionário do 25 de Abril de 1974, analistas sagazes de considerável cultura histórica, em vésperas das primeiras eleições presidenciais, revisitam a História à luz dos acontecimentos políticos da época.

    Refere-se, por exemplo, a tradicional fragilidade orgânica da sociedade civil como causa do protagonismo militar nas mudanças de regime em Portugal, como o que acabara de ocorrer; o vazio de poder que se verificou na sequência da destituição do antigo regime, período designado por PREC; a incipiência das estruturas dos novos partidos políticos, PS, PPD e CDS contrastando com a do PCP, robustecida por décadas de luta clandestina antissalazarista - desde 1926; da falta de aderência de todos à realidade social do país, ao qual impuseram modelos externos a que se vincularam; da preponderância do tacticismo político em prejuízo da coerência ideológica; da submissão de todos ao tradicional poder das armas; das vicissitudes e equívocos de alguns dos principais protagonistas do momento histórico; da correlação entre os destinos políticos das ex-colónias e de Portugal europeu, etc..

   Uma das curiosidades interessantes reside na referência ao desacordo de Ramalho Eanes na decisão de reabilitação do PCP, na sequência do 25 de Novembro de 1975, cujo defensor ativo teria sido Melo Antunes. Outra, na constatação de que a formação do atual BE parece ter origem nas que apoiaram a candidatura de Otelo às presidenciais de 1976, como a UDP a FSP e o MES (sendo que grande parte dos membros deste grupo constituem, hoje, a ala esquerda do PS).

   “…Sartre, escreveu algures, escandalosamente, que “nunca fomos tão livres como durante a ocupação alemã”. Talvez se pudesse acrescentar que a esquerda portuguesa nunca foi tão livre, ideologicamente, como durante os cinquenta anos de salazarismo….(VJS)

….O salazarismo emerge como alternativa histórica a esta dupla incapacidade - da burguesia republicana, primeiro, do Exército, depois -…. (VJS)

…O apelo a Deus - o apelo à ideologia - é sempre, evidentemente, um sintoma de incapacidade para resolver um problema. O reconhecimento de uma impotência para ultrapassar uma crise….(JAS)

…Temos assim que países como a URSS, a China ou Moçambique são hoje casos típicos de sociedades ideológicas; aí, onde os programas de desenvolvimento são fabricados em gabinete e impostos de cima para baixo, é condição prévia a existência de um Estado forte – que justifica o seu papel fortemente repressivo em função de uma “cartilha sagrada” existindo acima da própria sociedade e fora de qualquer discussão, e de um partido único que a pratica e impõe ao conjunto do corpo social… Trata-se de reduzir as tensões sociais (leia-se: a dinâmica social), ao zero absoluto – para construir depois sobre o vazio, o Estado absoluto, omnisciente e omnipresente. Aí, tudo se torna oficial. …(JAS)

…A sociedade burguesa é uma sociedade que destrói o espírito religioso porque assenta exclusivamente sobre condições materiais. …. (JAS)

(Foto: Praia de Peniche de cima) 
Peniche,21 de Outubro de 2018
António J.R Barreto

O clube "maldito"

      Quando vi pela TV a sessão na Assembleia da República acerca da violência no futebol, apesar de me ter parecido uma rábula "mal amanhada", acreditei que era verdade; perante a escalada de violência verbal, concertada, planeada, a que se assistia desde o início da época por parte de alguns dirigentes visando desacreditar o principal rival dos seus clubes, pensei que os mais altos dignitários do futebol e da Nação, dirigentes da FPF e deputados, tinham resolvido meter ordem no setor, criando instrumentos dissuasores de tais comportamentos. Enganei-me. Factos posteriores mostraram que se tratava, efetivamente, de mais uma rábula. Uma rábula para sustentar os violentíssimos ataques institucionais ao tal clube que tanto incomodava os rivais: o Benfica. É verdade. E sem pudor. Lembrei-me do episódio da bárbara agressão de um agente da autoridade a um adepto benfiquista perante pai e filhos, junto ao estádio de Guimarães, onde se desenrolava a partida que faria do seu clube virtual campeão. As agressões, excessivas, indiciavam uma qualquer patologia do agente. Provavelmente. Seguiram-se os trâmites legais, com avanços e recuos; inquéritos,  acusação, julgamento, condenação e punição. Assunto encerrado. Julgava eu. Enganei-me; esse episódio é uma metáfora da forma como a administração pública vê a sua relação com o Benfica. A bateria de sanções, desportivas e judiciais que se abateu sobre o clube encarnado recentemente prova-o à saciedade.
 
   Isto conduz-nos aos primórdios do 25 de Abril de 74 e à narrativa "antifascista" que, desde então, constitui um instrumento de combate politico, mas também económico e...desportivo. Quem viveu esse tempo, sabe o que foram os saneamentos; nas escolas, nas universidades, nas empresas; as ocupações selvagens de propriedades, casas e quintas. Uma época de excessos onde o romantismo se misturava com a violência e o oportunismo frutificava rumo ao futuro, que é hoje. O 25 de Novembro veio pôr alguma ordem no  país proporcionando a realização de eleições para a Assembleia Constituinte, que elaborou a constituição que, com alterações entretanto introduzidas, tem regido o regime em vigor.  Mas a narrativa do "fascismo" permanece. E a generalidade das elites políticas não sabem lidar com ela. Na realidade, têm pavor dela. E é este o contexto adverso com que o Benfica tem que lidar desde então tornando bem mais difícil e ingrata a sua tarefa. A ponto de muitos benfiquistas refrearem o seu fervor clubista para não "ofenderem"  os adeptos rivais.
 
   Construiu-se e alimenta-se a retórica  de que o Benfica foi o clube do regime de Salazar, apesar de todos saberem que tal não corresponde à verdade. A História demonstra que o Benfica nunca foi subserviente ao Estado Novo, ao contrário dos seus principais rivais. Deixo isso para os historiadores, mas basta observarmos que a ascensão de Salazar se iniciou em 1926 e que o Estado Novo foi instituído com a constituição de 1933. Ora o domínio do Benfica no futebol iniciou-se a partir de meados dos anos 50 até meados doa anos 80. Portanto, entre 1926 e 1955, quem prevalecia no futebol nacional era, salvo o erro, o Sporting! O que sucedeu foi que, o Benfica, nos anos 60, alcançou projeção mundial, com uma equipa plurirracial e pluricontinental e isso era do interesse de Salazar, pois simbolizava o tipo de sociedade com que sonhava; uma sociedade plurirracial de sucesso. E foi nessa medida que, involuntariamente, o Benfica serviu os interesses do Estado Novo; tornando-se uma das melhores equipas da história do futebol. E é isso que não lhe perdoam.  
 
      Ainda recentemente, Pinto da Costa, designou por "Liga Salazar" a mais recente ganha pelo Benfica. Um insulto soez ao rival, mas, sobretudo, à tutela desportiva e, em última instância, às instituições da República. Que saiba, ninguém, em nome de qualquer daquelas instituições, protestou. Diz o bom povo que "quem cala consente". Um sinal de fraqueza.
 
   E é aqui que se estabelece uma diferença vital entre o atual Porto e o Benfica; aquele, tem dimensão política, o Benfica não; aquele, faz parte duma estratégia de poder político local  e este ocupa-se exclusivamente de desporto. O Porto emerge como uma superestrutura de certas elites económicas e políticas da cidade, cabendo-lhe o papel de desafiador do centralismo lisboeta projetado no Benfica. Ao desafio desportivo  sucede o desafio policial e judicial; os superdragões praticam, incólumes, há décadas, atos censuráveis, com o propósito secundário de ostentar a não obediência às leis da República.  "Aqui mandamos nós", é a mensagem. O mais grave é que tal comportamento aparece publicamente respaldado nas forças de segurança, nas magistraturas judiciais e nos tribunais. Este é o caminho que vem sendo trilhado desde os anos oitenta, com a cumplicidade das forças políticas que preconizam a regionalização nos seus programas. Um erro grave; misturar política com desporto, só prejudica o debate. Os méritos da regionalização ficam prejudicados pelo envolvimento de figuras sinistras e pela restrição à cidade do Porto, afastando grande parte dos cidadãos. Não é a Cidade do Porto que carece da regionalização, é o país.
 
   Esta realidade tem desequilibrado a relação de forças institucional entre os dois clubes e assim permanecerá até que os dirigentes do clube encarnado tenham o engenho de fazer valer o seu poder social perante os agentes políticos do pais.
 
   Proibidos estatutariamente de desenvolver atividade política, os clubes têm todo o direito de questionar os vários atores da vida pública acerca dos seus projetos para o desporto, cotejá-los com as suas próprias ideias e informar os seus adeptos dos casos de conformidade ou desconformidade.
 
   Mais, os dirigentes do Benfica têm hoje fundamento para questionar publicamente os órgãos de soberania bem como os diretórios partidários acerca das suas intenções relativamente ao clube. É tempo de dizerem se continuam dispostos a ser cúmplices da perseguição a que o clube tem sido sujeito cuja intensificação tem acompanhado o seu sucesso desportivo. Os adeptos do Benfica querem saber em que regime vivemos.
 
Peniche, 21 de Agosto de 2018
António J. R. Barreto