Desporto

sábado, 28 de janeiro de 2023

Memórias de Bordo

 

Memórias de Bordo

O fim de uma era (6)

 

   Ficámos por Kaoshiung umas duas semanas; cidade tranquila, asseada, de amplos espaços, luminosa, de gente cordial, com enorme profusão de bicicletas.

Nas horas de ponta a via principal enchia-se com gente de bicicleta, aí uns dez metros de largura por cerca de 20 de profundidade. Nunca vira tal!

   Na primeira noite descobrimos um parque de diversões, tipo “Feira Popular”. Demos por lá uma volta, em grupo. Havia uma máquina de medir a intensidade dos socos; o campeão foi o Brito, com noventa e tal quilos.

Eu entretive-me com uma máquina de aviões de guerra. Parecia que pilotava um deles, em combate; fazia explodir os aviões inimigos com rajadas de metralhadora. Era uma sensação ótima. Fiquei tão entusiasmado que me custou sair de lá.

   Outra noite fomos ao bowling, eu e o Airoso. Num 1º ou 2º andar; tinha uma boa dúzia de pistas, de madeira castanha clara, envernizada, cada uma limitada por duas pequenas valas em meia cana, encastradas, onde repousavam umas bolas negras com orifício. Ao fundo umas 25 “garrafinhas” brancas, dispostas em triângulo, com o vértice do lado da pista. Nunca vira uma.

   Duas raparigas viram-nos indecisos e, em bom inglês, explicaram-nos o que fazer. Pagámos no balcão, levantámos a chave de uma das pistas, calçámos as sapatilhas, que retirámos do cacifo próximo, e lá fomos jogar.

   As jovens chinesas jogavam numa pista ao lado; acompanharam-nos, explicando-nos o processo; como segurar a bola e derrubar as “garrafas”.

 Era preciso acertar na “garrafa” do vértice; esta, ao cair, derrubaria as restantes. - E quem volta a pôr as garrafas de pé? - Perguntei, intrigado. - É a máquina; põe as garrafas e devolve a bola. Respondeu uma delas. - Fantástico!- Pensei, admirado.

   Ao fim de algumas atabalhoadas tentativas - o raio da bola teimava em fugir para os lados -, começámos a acertar com aquilo. Elas, ali ao lado, assistiam, rindo-se e aplaudindo; uma delas de camisola justa, branca, com relevos longitudinais, gordinha, a outra, de blusa avermelhada mais magra.

   Não sei de quem foi a iniciativa, julgo que delas, formámos duas equipas e ficámos a jogar na mesma pista. Essa noite e nas seguintes. Habituámo-nos àquilo; o ambiente era agradável, com música, e a companhia também.

   Demos um passeio, de camioneta pelas redondezas. Tenho uma vaga ideia de uma estrada na encosta de uma colina, com um rio por baixo, terra avermelhada e umas manchas verdes aqui e ali.

   A comida chinesa não era recomendável; mais tarde perceberíamos porquê. No hotel indicaram-nos um restaurante com comida para europeus. Lá fomos e, apesar dos talheres disponibilizados, lá aprendemos a comer, atabalhoadamente no meu caso, com os tais pauzinhos.

   Numa manhã ensolarada, eu e o Basso decidimo-nos por um passeio, errático, pela cidade. Passámos por um mercado ao ar livre. Tinham-nos dito para termos cuidado, que era chocante. Aproximámo-nos, ficando-nos pela periferia.

   Nas muitas barracas abertas viam-se gaiolas de madeira ou ferro, com animais dentro; os répteis abundavam, vivos, nas gaiolas, ou mortos, pendurados dos barrotes das coberturas; cobras, lagartos, aracnídeos, etc. Gente deambulava pelo interior. “Raspámo-nos” dali mais que depressa.

   Mais à frente cruzámo-nos com duas raparigas. Não sei bem como foi mas convidámo-las a vir connosco. Não falavam inglês; riam-se muito e diziam, repetidamente, “papasan”.

Nós olhávamos um para o outro perguntando-nos o significado daquilo. Não conhecíamos o termo. Elas foram caminhando, fazendo-nos sinal. Fomos atrás delas, aí uns cinquenta metros, até uma casa junto a um largo amplo, ajardinado. Apontaram-nos um sujeito, europeu, ainda novo, bem-parecido, algo bexigoso, sentado à entrada, no interior, e disseram: “papasan”.

Olhámo-nos, eu e o Basso, percebemos tudo, mas não nos desmanchámos. Dissemos ao “papasan” que queríamos levar as raparigas a passear. - Just for walking? - Yes, just for walking. - Respondemos, meio preocupados, mas fazendo um esforço para não desatarmos a rir.

O “papasan”, depois de meditar um pouco disse: - Four dollars; but nothing else! OK? Just for walking!- Ok, just for walking. – Respondemos, entregando os quatro dólares cada um, meio arrependidos, e prosseguindo o passeio com as miúdas.

   Tudo correu como combinado, durante, talvez, duas horas. Entregámos as miúdas, sentámo-nos no lancil do passeio e fartámo-nos de rir. É que nós só queríamos, mesmo, passear.



(Continua)

 

  Peniche, 28 de Janeiro de 2023

António Barreto

Competitividade, Produtividade, Razão de Troca e Liberdade

 

4-Produtividade e Razão de Troca

 

    A quarta Revolução Industrial está condenada ao fracasso. Ao contrário das anteriores, propulsionadas pela expansão dos mercados internacionais, esta está a ser imposta por via administrativa; é como forçar um rio a escoar fora do seu leito natural. Escoará, sim, mas com elevados custos.

   Produtividade e Competitividade devem ser associados à Razão de Troca, para que não suceda algo semelhante ao que decorreu do Tratado de Methuen - também designado por “Tratado de Panos e Vinhos”, tão elogiado por David Ricardo por ser benéfico para ambas as partes. Era, sim, mas enquanto a Inglaterra garantia a produtividade de 1/5, a de Portugal ficava-se por 1/3. Portugal progredia mas empobrecia face à Inglaterra.

   Julgo que este fenómeno se verifica atualmente. Os constrangimentos normativos da UE à produção industrial e às transações internacionais, associados aos atavismos económico-ideológicos dos governos nacionais, cada vez mais viciados na dívida, nas transferências comunitárias, nos maus investimentos ou na ausência deles, priorizando a despesa pública, são garantia de fracasso.

   Haverá uns fenómenos transitórios de aparente desafogo, haverá alguns grupos de privilegiados, normalmente associados a corporações com poder disruptivo, ou a partidos, mas o país como um todo, inevitavelmente, ir-se-á atrasando face aos seus congéneres.

   Gostaria de dizer aos governos, de Portugal e da Comissão Europeia que nos deixem viver! Preparem os caminhos, abram todas as portas, informem, formem, financiem, mostrem que são confiáveis, que estão com as populações, não tenham medo da nossa liberdade.

   Cada um caminhará pelo seu próprio pé, conforme o seu tempo, o seu ritmo, fazendo o que sabe, por todo o país, por toda a Europa, realizando os seus sonhos, diminutos ou grandiosos, sendo feliz, cada um à sua maneira, o mercado fará o resto, selecionando os que forem, efetivamente melhores; quem tiver unhas que toque guitarra”.




Peniche, 25 de Janeiro de 2023

António Barreto