Desporto

domingo, 31 de julho de 2022

Um Pouco de História (VI)

 

A República Romana


   O 6º período, conhecido como dos “Tiranos”, inicia-se em 671 (82 a. C) com a ditadura militar de Sila e durou quase um quarto de século. Até 683 com a fase da reação à ordem precedente instaurada por Cina e Mário, e daí até 694 na fase do ecletismo até ao primeiro triunvirato, donde emergiria César, o unificador do Império e precursor do fim da República, causa da sua morte.

   Sila era um jovem aristocrata decadente, um janota amaneirado, com um não-sei-quê repulsivo, empobrecido e sem ambições, que frequentava os salões, as tabernas e os prostíbulos de Roma. A sua fama de devasso tornava-o popular entre as mulheres e todos os jovens da moda o tinham por amigo. Vestia-se com elegância e requinte, culto, falava bem, incluindo o grego, alegrava o ambiente com pilhérias e anedotas, escrevia farsas e comédias para os teatrinhos dos salões elegantes, constando até que não cantava mal. Ria de tudo e todos, incluindo de si próprio. Não era um bravo, não tinha o ar sério e grave dos romanos, mas não era cobarde. Indolente, sem ambições nem ilusões, era um epicurista; deixava o tempo correr, divertindo-se. Sem religião, respeitava e seguia os cultos por costume aristocrático.

   Sila era neto de Públio Cornélio Rufino, cônsul em 464 (287 a. C) e 477 (276 a. C) na guerra de Pirro. Sem outros ascendentes nobres, vivia na pobreza até a fortuna lhe bater à porta quando a cortesã Nicópolis o nomeou herdeiro cujos bens, com a fortuna da sogra, o enriqueceram.

   Aos 31 anos Sila foi, por rotina, nomeado, questor do exército que Mário comandava em África contra Jogurta, o Rei da Numídia que desafiava o domínio de Roma. Mário, plebeu romano sério e grave, tratava Sila com desdém, considerando-o um gréculo sem atributos militares.

   Enganou-se. Tomado de brios, Sila aprimorou-se na destreza das armas e na astúcia tática, tendo-se destacado na captura do rei africano. Contrariado por ter de partilhar o mérito com o janota helenizado, Mário passou a odiá-lo. Contudo, a guerra dos Cimbros - povos germânicos que deixaram as margens do Báltico em busca de paragens mais prósperas a sul e ocidente - aumentaram a reputação militar de Sila.

   Em 661 (92 a. C), Sila foi eleito pretor espantando os romanos com a exuberância das festas que deu, abrilhantada pelos cem leões oferecidos pelo Rei da Mauritânia, seu aliado contra Jucurta. Por acaso e fortuna, foi enviado para a Ásia combater o “hércules” Mitridates, o inconformado, astuto e implacável Rei do Ponto, apostado em banir o domínio romano na região e expandir o seu reino.

   Durante a campanha ocorreu em Roma a revolta popular liderada por Mário e Cina, que derrubou o regime dos optimates - aristocratas membros do senado, fonte de todo o poder – tendo sido instituída a democracia popular. Na implacável chacina que se seguiu foram mortos selvaticamente todos os nobres que não conseguiram fugir, banidos da cidadania romana todos os que fugiram e confiscadas as propriedades de uns e outros.

   Sila foi banido, teve, os seus bens arrasados ou confiscados e a sua mulher e filhos foram obrigados a fugir de Roma para junto de si na Grécia. Todos os nobres que escaparam à matança se acolheram à sua proteção, instigando-o à vingança. Um novo exército, comandado por Mário Valério Flaco foi enviado pelos populares para derrotar Sila, que temiam, e Mitridates. Isto contribuiu para enfurecer e exacerbar a crueldade General, cuja natureza era destituída de transcendência e humanidade.

     Dissimulando a sua fúria com astúcia, sedução, força e sorte, Sila venceu todos os opositores na Ásia regressando a Roma como vencedor, determinado a derrubar do regime. Às portas da cidade eterna, negociou apoios, arregimentou militares inimigos, venceu os restantes e fez-se nomear pelo Senado, Governador com poderes absolutos, um Monarca, obtendo a legitimação espúria da Tirania. Por ironia a oligarquia ajudara a ascender ao poder o homem que a trairia.

   Enquanto formava o seu projeto de governo Sila deu largas à sua vingança decidido a extirpar as raízes democráticas do regime deposto. Baniu como inimigos da República todos os democratas. Instituiu o prémio de doze mil dinheiros pelo assassínio de cada banido e a pena de morte a quem o socorresse, confiscando as respetivas propriedades em benefício do erário público.

   Os bens dos mortos na guerra foram atribuídos à República. A matança era indiscriminada e indeterminada, metade dos cidadãos estava autorizada a eliminar a outra metade. Choviam as denúncias, saldavam-se as dívidas matando os credores, ocupava-se uma propriedade matando o respetivo proprietário, enriquecia-se com o ofício de matar.

   O terror era de al ordem que o próprio Sila viu-se forçado a elaborar diariamente listas das vítimas. Perante os apavorados senadores o cinismo de Sila não tinha limites, afirmando que ia matando à medida que se ia lembrando. Na antiguidade não havia lugar aos sentimentos caridosos, humanitários, e muito menos à piedade. O morticínio durou seis meses, de Dezembro de 672 (81 a. C) a Junho de 673 (80 a. C).

   Em matéria de reformas Sila manteve o foro romano a todos os aliados italianos, retirou o direito de sufrágio aos Libertos reduzindo a importância dos comícios do proletariado romano. Puniu as cidades, que tinham tomado o partido do inimigo, com multas e confisco de terras, distribuindo umas pelos soldados - fundando novas cidades -, outras ao culto, e outras ainda a quem entendeu, apanágio dos “bons príncipes”.

    Criou as fundações de um exército permanente ao militarizar as colónias com o propósito de apoiarem o governo da República. Fundou a guarda do Senado constituída por dez mil Libertos cornélios a que dera alforria.

   Aboliu as distribuições de trigo e as arrematações dos dízimos da Ásia, mina dos cavaleiros, reduzindo aqueles a prestações fixas. Acabou com a Ordem Equestre retirando-lhe o privilégio de Júri, que voltou ao Senado, e o lugar no protocolo das festas públicas.

   Concentrou no Senado todos os poderes, Legislativo, executivo e Judicial, completou o seu quadro recorrendo a eleições extraordinárias, e definiu o ingresso nele de todos os pretores e cônsules após dois anos do exercício dos respetivos cargos, acabando com as nomeações.

   Os Comícios, nominalmente soberanos, viram a sua autoridade prática anulada. O direito de veto dos Tribunos foi condicionado a sanção prévia do senado, ficando ainda aqueles, impedidos de exercer qualquer outro cargo. Separou os poderes políticos dos militares e criou os princípios do municipalismo ao limitar a área metropolitana da Itália.

   O ambiente de terror impedira qualquer oposição. O regime antidemocrático assim instituído sustentado no poder militar de Sila, ruiria logo que este abandonasse o poder e a geração dos seus soldados deixasse o ativo. O génio de Sila não chegava para criar a dinâmica de continuidade após o seu abandono.

   Retirou-se para Cuma em 675 (78 a. C.), enfastiado pelo poder, depois de se ter feito eleger Cônsul e bajular o “criançola” Pompeu. Tinha 59 anos e dedicava-se à pesca, à caça e à escrita das suas Memórias, entre uma corte de amantes, atores, bufões e dançarinas.

   Morreu subitamente ao assistir ao estrangulamento dum magistrado que condenara à morte, acusado de ladrão.

   Em Roma, foram magníficas as exéquias concentrando todos os veteranos da guerra da Ásia.

            


       Jugurta         
                                                                                                                                                             

Peniche, 31 de Julho de 2022

António Barreto

sábado, 30 de julho de 2022

As 35 horas

 

PREC – Curiosidades

As 35 horas

   A lei das 35 horas retomada em 2015, contrapartida do PS ao apoio do PCP e do BE para formar governo, é uma velha reivindicação sindical que remonta aos tempos do PREC e do 1º Governo Provisório de que Cunhal fazia parte. Vejamos o que este pensava do assunto em 17 de Junho de 1974 e publicado em “O Século” em 20 de Junho:

   “São por vezes apresentadas reivindicações que, na atual situação económica e social, não podem manifestamente ser satisfeitas. É impossível sem uma grave perturbação na estabilidade económica alcançar ao mesmo tempo consideráveis aumentos de salários, diminuição do número de horas semanais, aumento de férias pagas, etc. O PCP alerta para o perigo de reivindicações irrealistas e chama particularmente a atenção para as exigências de súbita e radical diminuição da semana de trabalho, que em alguns casos que em alguns casos desceria a níveis não praticados mesmo nos países desenvolvidos. Semanas de 35/36 horas não correspondem ao nível do atual desenvolvimento económico. As reivindicações irrealistas conduzem a um beco sem saída, à perturbação do equilíbrio económico, ou ao aumento dos preços e ao agravamento da inflação, que anulam os aumentos de salários alcançados.”

   Quem recorda esta surpreendente sensatez de Álvaro Cunhal? O que mudou entretanto para justificar as 35 horas semanais da função pública? A economia nacional é mais próspera? Sim em termos absolutos, mas não relativamente aos nossos parceiros europeus! De facto a economia nacional ocupa os últimos lugares; o PIB per capita em paridades do poder de compra, em 2021, situou-se 26 % abaixo da média da comunidade europeia, o 7º mais baixo da EU, segundo dados do Eurostat (Jornal Eco, Mariana Espírito Santo, 23 de Março de 2022).

    Este episódio é mais uma demonstração de que a democracia portuguesa se movimenta de acordo com a lógica de poder partidário e não com a do interesse nacional, constituindo causa primordial da decadência e inevitável falência das democracias.


Foto de Eduardo Gageiro

Peniche, 30 de Julho de 2022

António Barreto

domingo, 17 de julho de 2022

Uma Viagem Atribulada

 

Uma viagem atribulada

 

  Enchi-me de coragem e exclamei - Vou a Vigo! Preparei o calhambeque, vi o mapa do percurso, defini a hora de saída e “arranquei” no dia seguinte. A extensão da viagem preocupava-me mas os assuntos que lá tinha justificavam o desconforto.

   Seis horas, radio a tocar, arzinho fresco nas ventas para desencorajar o sono, pé na tábua afinado para os 120 a 140 km/h, ele aí vai em expedição rumo a “terras de Espanha”.

   - Trá, lará, rebéu, béu, béu - ia trauteando o que o rádio debitava. - Quatro horas! Com esta zoada…ainda me dá o sono!...Bela autoestrada!... Afinal nem todo o dinheiro foi mal gasto!…Ainda dizem mal do homem!...Ui! O Dragão ali mesmo por bombordo! Deixa-me cá olhar para o outro lado antes que me dê um treco! Hum…, tá jeitoso o Estádio!... Ah, já passou; agora Braga.

   À entrada de Braga, subitamente descobri que estava numa estrada nacional! Eh, pá; que foi isto? Agora vai ser assim? Vinha tão bem! Vai ser bonito! - Volta p´ráqui, volta p’ráli, milagre! Subitamente encontrei-me de novo na autoestrada em direção de Vigo! - Como é que fiz isto? Não interessa, siga! Está quase!

   Chagado a Vigo - por volta das dez, o drama de chegar ao destino - não tinha GPS; pergunta a este, pergunta aquele, ao fim de muitas voltas e reviravoltas lá cheguei onde queria.

   - Bom dia, Pepe. - Olha o António! fixeste boa biaxe? Miguel, aqui o António! - O Miguel é o filho do Pepe; na Galiza acho que são todos Pepe - cumprimentámo-nos e fomos tratar dos assuntos pendentes. Almoço bem caprichado num pequeno restaurante ali perto.

     Enquanto dava ao dente e conversávamos sobre banalidade, ia pensando: - Eles são como nós! Galegos e portugueses são o mesmo povo! O mesmo tipo físico, idiomas muito idênticos - percebe-se tudo, um ou outro termo diferente -, gente simples, despretensiosa e trabalhadora…até tocam gaita-de-foles, como os minhotos - o famoso ninário, como lhe chamávamos na minha rua: - “É malta, vem aí o “ninário”; clamava o Zé Pratas, correndo esbaforido a dar a novidade!

 - Não admira, os entrelaçamentos das populações, na época, eram correntes, sobretudo entre a nobreza de corte e de província. O Condado Portucalense, em plena Reconquista, esteve subordinado ao Reino da Galiza - de 1095 a 1139, salvo o erro, sob o reinado de Raimundo, primo do nosso D. Afonso. O acordo estabelecido entre eles, fundamentando a recusa de D. Afonso ao convite de alguns nobres galegos para reclamar o respetivo reino, veio a culminar no Tratado de Zamora, início do processo de independência de Portugal.

   - E se Portugal e a Galiza fossem o mesmo país? Se o povo é o mesmo! - Ia pensando, recordando-me da “minha” velha teoria segundo a qual o plano da D. Tereza consistiria na constituição dum reino único independente de Castela. Um reino em cuja cortena nobreza portuguesa não teria lugar e por isso se opôs através de D. Afonso. - Ganharíamos massa crítica, seríamos mais fortes, economicamente e socialmente! Que pena! - Pensei.

   - Quantos estaleiros há em Vigo, Pepe? - Seis. - Seis? Só em Vigo? Em Portugal, os poucos que resistiram estavam em agonia. - Bamos ver a Feira, António? Vamos! - Uma feira alimentar anual que há na cidade, com razoável dimensão. E fomos.

   Terminada a visita entrámos num cafezito para a despedida. Logo que entrámos, deparei-me com um par de “meloazinhas” insinuantes cirandando por detrás do balcão. Pensei logo ficar para o dia seguinte. - ; não dá! Ala para Peniche e deixa-te de m----s! Pepe, como faço para apanhar a autoestrada para Portugal? - Xá Bais? Chega aqui! - Disse o Pepe junto à porta. - Táx a ber aquela abenida? É a abenida Ricardo Mellia - Um herói local como vi mais tarde.

- Bás por aqui, biras ali, xegues in frente até lá ó fundo, táx a perxeber? - Estou, disse, pouco convicto, reparando nos bês. – Depoix biras á esquerda e num tem nada que xaber; é xempre in frente até Portugal! - OK. - Respondi, meio confuso. - Adeus Pepe, obrigado, Lá te espero em Peniche! – Quando quixeres vem cá paxar uns dias, boa biaxe. – Despediu-se o Pepe.

   E lá fui, ainda a pensar nas “meloas”. - Ora…Ricardo Mellia…é aqui….Sempre em frente, ok - e as meloas sempre na cabeça -, agora à esquerda…já está…e sempre em frente outra vês!... Portugal, aí vou eu - as “meloas” é que era! - Rádio a tocar, fresquinho nas ventas, pé na tábua, ele aí vai rumo ao paraíso lusitano.

   - “Ai que lindeza tamanha, meu chão, meu monte meu vale, de folhas flores frutas de oiro….”, ia trauteando o poema de José Régio, imortalizado pela Amália. Passado cerca de meia hora, comecei a estranhar: - Não me lembro de ter visto isto!...é a primeira vez que aqui venho…tudo isto é estranho. Siga. - Portagem espanhola. - Siga! - Outra portagem espanhola; - eh lá! Outra? Os espanholitos não brincam! É sempre a abrir! Afinal é como lá, ou pior. - Já noite, cada vez mais desconfiado, resolvi sair na primeira oportunidade, para conferir o rumo.

   Assim fiz; casario por estibordo quatro ou cinco metros abaixo; apanhei a saída e aproximei-me da única luz visível, um café. - Tou safo, pensei, não avistando vivalma nas proximidades. - Franqueada a porta, lá ao fundo uma grande bandeira de Portugal fixada na parede! - Eh, pá, tou em casa! - Dirigi-me à primeira pessoas que avistei; - Viva! Pode indicar-me o caminho para Portugal? - Venha aqui; - respondeu, solícito, um sujeito, ainda novo, em bom português. - Está a ver ali ao fundo? Vai por aqui, sempre em frente, lá ao fundo vira à esquerda, entra na autoestrada e depois é sempre em frente! - Disse, apontando com o braço. - Ah, pensei aliviado, afinal vou bem. Obrigado.

   E lá fui mais descansado. Rádio a tocar - o melhor amigo do itinerante - e lá vai o Tóno Barreto rumo a Portugal. - Eh, pá, que bela música! Trá, lará, larilolé…uma placa!...ora…Santiago! Santiago? Santiago de Compostela! Ai aqueles f….da p…a que me enganaram! E agora? Agora? Agora estou f….o! É sempre em frente até Santiago e dar a volta na primeira possibilidade. Assim fiz, vociferando impropérios enquanto contornava a primeira rotunda logo à entrada da cidade.

   Valeu-me que tinha atestado o depósito em Vigo e ia bem abastecido de l’argent, senão ficava na estrada que nem um cão! Finalmente na autoestrada, agora sim, tinha a certeza que ia para Portugal. - Mais duas horas de viagem! - Exclamei furioso! - Vou chegar tardíssimo! Cheguei a Peniche sem incidentes, aí pela meia-noite.

Posto isto, o conselho que dou aos meus amigos quando viajarem sozinhos longos percursos é para terem cuidado com as “meloas” que possam encontrar pelo caminho, sobretudo se forem fresquinhas.


Nathalie Wood

Peniche, 17 de Julho de 2022

António Barreto

segunda-feira, 4 de julho de 2022

Um Pouco de História (5)

 

O Império Romano (cont.)

 

   O 5º Período ocorre nos dois quarteis centrais do século VII da Era Romana - 620 a 671: 133 a 82 a.C. - começa com a revolução agrária de Tibério Semprónio Graco - 162 a 133 a.C. - e termina com a morte de Lúcio Cornélio Cina - 135 a 84 a.C.

   Este período caracteriza-se por uma sucessão de graves conflitos sociais, cujas causas são em tudo semelhantes às que na Europa, nos séculos XVII e XVIII - inerentes ao absolutismo monárquico, ao regime de colonização em vigor e ao industrialismo do século XIX -, criaram uma nobilitas poderosa e um Capitalismo opressor, gerador das revoluções sociais dos séculos XVIII XIX e XX. 

   Tiberius Sempronius Gracchus, Tribuno da plebe, eleito pelos Semprónios, com seu irmão Caio Graco, elaborou um conjunto de propostas de leis agrárias que consistiam na distribuição pelos pobres, das terras dos Patrícios que excedessem as 500 jujera - cerca de 125 hectares. Tal suscitou grande contestação por parte dos optimates - Cônsules conservadores -, mesmo após o acréscimo de 250 jujera por filho.

   Visava com isso corrigir a injustiça que decorria da perda, por insolvência, das pequenas propriedades dos camponeses durante as longas campanhas militares em que participavam, atirando-os, e às suas famílias, para a indigência. Arruinados, desapossados das suas terras, os legionários eram excluídos do serviço militar. Estas eram adquiridas pelos Patrícios que, desta forma, constituíam grandes latifúndios.

   Por outro lado, as legiões romanas foram enfraquecendo devido à diminuição de efetivos. A distribuição de terras aos pobres em lotes de 30 jujera, tornava-os autossuficientes e elegíveis para o pagamento de impostos e para o serviço militar, resolvendo dois dos graves problemas da época.

   Acusado de querer tornar-se rei por, contrariamente à tradição, se candidatar ao cargo pelo segundo ano consecutivo, Tibério Graco acabou espancado até à morte pelos seus pares em plena assembleia da plebe.

   Este episódio levantou um problema político que perdura até hoje, que reside no vínculo do representante do povo; deverá o Tribuno (deputado) defender os interesses de quem representa ou defender os seus pontos de vista pessoais?  

    Lucius Cornelius Cinna, conhecido por Cina, foi um político da gente Cornélia, eleito cônsul quatro vezes seguidas, de 87 a 84 a.C. O período do seu consulado ficou conhecido como Regnum Cinnanum, e caraterizou-se pelo controlo das instituições romanas pela facção dos populares, que liderava. Foi pai, ou avô, da esposa de Júlio César, Cornélia Cilina.

   Aliado de Caio Mário - exilado em África onde aguardava oportunidade de retaliar contra Sula, seu inimigo e defensor dos interesses da ala conservadora do Senado, os Optimates -, Cina instituiu uma autocracia, rompendo com a tradição democrática ao fazer do alargamento da cidadania romana a todos os italianos, a sua causa. Acabou morto pelos seus próprios soldados, ao que consta, devido a equívocos de comando e desinteresse dos soldados na campanha militar em curso por não haver saque.

   Foi nesta época que, pela primeira vez, apareceram os povos germânicos, Cimbros e Teutões, prenunciando a ruina que se abateria sobre o Império seis séculos depois. Estas tribos provenientes da Jutlândia - atual Dinamarca continental - migraram para a Gália onde foram derrotadas por Caio Mário..

   A ameaça constituída pelos bárbaros introduziu uma alteração importante na formação das Legiões, que passaram a recorrer ao voluntariado, induzindo uma rotura entre o corpo militar e a população camponesa, e consequentemente, uma mudança de vínculo.

   Enquanto os milicianos lutavam para defender a suas terras e famílias, os voluntários lutavam por um salário. A nova classe dos soldados passou a ter papel decisivo nas revoluções sociais, do Socialismo contra o Capitalismo, da Democracia contra a Plutocracia oligárquica.

   Fundada a igualdade civil e Política com as Leis Licínias, a sociedade romana chegara ao momento, definido por Aristóteles, em que só o equilíbrio na distribuição da riqueza permitiria alcançar a paz social. O estado de opulência absoluta desafiava a cobiça dos pobres, apesar de sua drástica redução.

   É exatamente neste ponto que se encontram a sociedades europeias - do primeiro quartel do século XX; regimes de capitalismo plutocrático num ambiente de igualdade civil e política. A diferença reside em que, na sociedade romana, o capitalismo instalou-se depois de obtida a igualdade civil e política e na Europa foi ao contrário; o capitalismo instalou-se nas monarquias aristocráticas em resultado do expansionismo marítimo e só três séculos depois, com a Revolução Francesa, se instituíram os regimes democráticos.

  Em tudo o mais a dinâmica das revoluções é a mesma; as plebes proletárias, conscientes de que a igualdade política sem equiponderação da riqueza é uma ficção, revoltaram-se contra a plutocracia reinante, quer em Roma, em 671 da Era Romana - 82 a.C -, quer em Paris em 1848.

  Do ponto de vista da representação política constata-se uma certa semelhança na sociedade romana da época e na europeia atual - do primeiro quartel do século XX. Se em Roma o processo eleitoral se restringia aos eleitores da cidade, em detrimento dos habitantes no restante território sob sua jurisdição, também nas sociedades modernas europeias são as plutocracias oligárquicas das capitais que determinam as ações dos respetivos Governos A diferença é que estas não estão estatutariamente consagradas, contrariamente ao que sucedia em Roma. O atual modelo aritmético-geográfico de representação adotado em 1793 em França e depois na Europa, é, afinal, uma imitação dos comícios de tribo dos romanos.

                              


    Caio Mário, líder dos populares e aliado de ocasião de Cina, nas ruínas de Cartago durante seu exílio na África romana depois da Primeira Guerra Civil de Sula.

Créditos a:

História da República Romana, de Oliveira Martins

Wikipédia, relativamente a Tibério Graco e Cina.

Peniche, 4 de Julho de 2022

António Barreto

sábado, 2 de julho de 2022

O "Canacho"

 O “Canacho”

 

        Entre os meus melhores amigos de infância contavam-se os “Vilões”; o Tó - o mais velho, “mau como as cobras”, o João - meu amigo dileto e companheiro de carteira na escola primária, homem bom - e o Manel, pequenote - ainda não alinhava nas nossas brincadeiras de rua.

   Moravam também na Rua do Pinhal, numa casa da Ti Bragila, mãe do amigo e colega Gil Saraiva, que todos admirávamos - já adulto, tinha uma pressão de ar e quando chegava de viagem íamos todos atrás dele vê-lo à “caça” dos passaritos pelos pinhais do Sotto Mayor e do Faustino, era o nosso “herói”; educado, cordial, respeitava-nos, enaltecendo-nos.

    Os nossos pais eram muito amigos, o pai deles era o ti Bagueira, homem bom, sempre atencioso connosco. Andavam ambos na chalandra, salvo-o-erro da “Estrela da Madrugada”, onde era mestre o ti Manel Vidas aqui de Peniche, e vizinho - certa vez, ao largo da Figueira, durante a manobra da rede, caíram ao mar, mas safaram-se; o meu pai nadava bem e o ti Bagueira, que nadava pouco, agarrou-se à única boia disponível.

   Quando, numa manhã de primavera, apareceram na nossa rua, cada um com a sua bicicleta nova, quase iguais, de guarda-lamas e quadros em dourado matizado e guiador lançado para os lados, suscitaram a admiração geral da criançada, que nunca vira bicicletas tão bonitas! De modo que, instigado pelos meus queridos primos Tó Fernando e Quim João, que me sentaram no selim e deram o impulso inicial, lá dei umas pedaladas mal dadas que me custaram uma palhaça e os joelhos esfolados; não andara antes de bicicleta. Nem sequer chegava aos pedais! Desequilibrei-me e "catrapumba", parti-me todo! Feliz, não dei parte de fraco; afinal, a bicicleta do meu pai era a mais linda de toda a rua!

     Um dia, a mãe dos “Vilões”, senhora forte e sempre sorridente, nossa amiga, disse à minha mãe que me tinha visto, à noitinha, pela rua acima, estranhamente a falar alto sozinho e a esbracejar. A minha mãe ficou preocupada pensando que me estava a passar dos “carretos”; "Ai que o meu filho está a ficar tolinho"! Exclamou!

   Quando me perguntou o que andara a fazer expliquei-lhe que vinha da casa do Manuel dos Santos - nosso querido amigo -, onde estudáramos os pontos cardeais. E então, de regresso a casa, eu repetia alto a lição para ver se não me esquecia: - Norte, Sul, Este, Oeste. Ia dizendo, uma e outra vez, fazendo gestos com os braços indicando as respetivas direções. A minha mãe, aliviada, fartou-se de rir. Gostava de ver a minha mãe rir, o que raramente acontecia.

 O Tó "Vilão" era bem mais velho. Tinha uma habilidade invulgar para trabalhos manuais, adorava as traineiras - a “Calma” a “Sarda”, a “São Domingos”, a “Estrela D’Alva”, etc. -, as suas formas sinuosas, em especial as proas. Esculpia-as à navalha em troncos de palmeira secos. Ficavam lindas! Todos andávamos à procura de palmeiras velhas para ele fazer barquinhos.

 Um dia, ouvi-o cantar baixinho: “As ondas do mar são brancas, são brancas e amarelas, coitadinho do “canacho” p’ra morrer debaixo delas”. Eu era pequeno, gostava da canção mas não percebia o que aquilo queria dizer; “Canacho? Seria algum tipo de canário ou outro pássaro?” “Uma ave marinha?”. Pensava. O Tó "Vilão" gostava muito de passarada; serenos, pios, pintassilgos, pintarroxos, etc. Imaginava o “canacho” amarelo, aflito, a bater as asas frente às ondas do mar encanecidas. Perguntar, não perguntei; o Tó "Vilão" era ruim, mais velho, maior e tinha cara de mau!

    O tempo foi passando e, de vez em quando, lembrava-me daquilo! A melodia era bonita, mas…”canacho”? Um dia, não sei, um ou dois anos mais tarde, talvez três anos, fez-se-me luz! "Canacho...canacho!!!" ia pensando...” mas que raio quereria ele dizer"…quem nasce...quem nasce...canacho...!"; seria isto? era isto! O Tó Vilão pronunciara mal as palavras, “engolira” algumas letras; queria dizer "quem nasce" e não "canacho", como soava! E a canção ficava: "As ondas do mar são brancas, são brancas e amarelas, coitadinho de quem nasce, p’ra morrer, debaixo delas”.

   O caso mudava de figura! O que estaria, então, a apoquentar o "ruim" do Tó "Vilão", que se fechara a ponto de eu ter medo de o importunar com perguntas?

          Ficou-me para a vida e ainda hoje me sensibilizo ao pensar nisto. Talvez tenha, na ocasião, acontecido algo que me tenha escapado e afligia o Tó "Vilão".

   Afinal, estes singelos versos resumem a abnegação do homem do mar, do povo, sempre com a morte por perto, a lutar por uma vida digna.

        Vem tudo isto a propósito da morte dum pescador, que não conhecia pessoalmente, mas era irmão dum colega de todos os dias, que, aqui em Peniche, acaba de ocorrer. É triste ver um homem chorar.

 Durante a faina, foi à proa fazer qualquer coisa, caiu ao mar e, apesar de resgatado e assistido pelos camaradas, acabou por falecer. Paz à sua alma.

 "As ondas do mar são brancas, são brancas e amarelas, coitadinho de quem nasce, p’ra morrer...debaixo delas."

O Lugre é o Santa Isabel onde o Zé Barreto, meu pai, nos anos 50 foi tripulante e lá passou uns maus bocados, tal como os seus camaradas.

Argus navegando à vela.


 Peniche, 28 de Julho de 2022

 António Barreto

A dimensão social do Benfica

 

O Benfica extra futebol:

A AJUDAR QUEM MAIS PRECISA

Nesta edição da News Benfica fazemos um balanço intercalar da atividade da Fundação Benfica em 2022.

1

Este ano será o maior de sempre em número de beneficiários da Fundação Benfica. No primeiro semestre de 2022, as pessoas ajudadas ultrapassam já as 57 600, uma quantidade próxima do máximo de 64 728 registado em 2019.

Os beneficiários em Portugal totalizam 27 634, os restantes distribuem-se pela Ucrânia e pelos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa.

2

A atividade da Fundação Benfica incide em três grandes áreas: Projetos Educativos; Desporto Inclusivo; Benfica Faz Bem. O conflito no leste europeu motivou ainda a campanha "Juntos pela Ucrânia", com enorme adesão e contributo.

3

No que respeita aos Projetos Educativos, são cinco as iniciativas. A "Para ti se não faltares" tem cinco projetos ativos e dois a ativar, havendo presentemente 335 beneficiários. A "Community Champions League" auxilia 144 pessoas. A "Hat-trick: Treinar, Jogar e Vencer" intervém junto de 62 jovens. A "KidFun – Educação para valores" envolve 157 escolas em 50 municípios e é dirigida a 21 184 crianças. E a "Show Racism the Red Card" incidiu sobre 4148 alunos de 46 escolas em 9 municípios.

4

No Desporto Inclusivo, houve um total 1185 beneficiários no primeiro semestre do ano. No "Walking Football" foram 1060, enquanto no Desporto Adaptado foram 100 e no "Welcome Through Football" 25.

5

No âmbito do "Benfica Faz Bem", além das crianças que viram realizados os seus sonhos de conhecer e conviver com elementos do plantel da nossa equipa de futebol, realizaram-se ações no Dia Mundial da Criança e na Semana da Criança no Hospital de Santa Maria. Assinalam-se também as múltiplas ações e convites (visitas ao estádio e jogos) e a doação de bens ao AMINGA, um projeto solidário empreendido pelo casal João "Betinho" Gomes e Sofia Ramalho, respetivamente basquetebolista e ex-basquetebolista do Sport Lisboa e Benfica, e as irmãs de Betinho, Fauzinda e Elizabete, também desportistas, ligadas ao voleibol e andebol.

6

Foi extraordinária a mobilização em torno da campanha "Juntos pela Ucrânia", que contou com 120 pontos de recolha nacional (75 Casas do Benfica; 20 Escolas de Futebol Benfica; 5 Lojas Oficiais e 20 IPSS) e dezenas de voluntários, resultando na doação de cerca de 125 toneladas de alimentos e bens de primeira necessidade ao povo ucraniano, estimando-se em cerca de trinta mil os beneficiários.

Verificou-se ainda o acolhimento de ucranianos das Escolas de Futebol Benfica localizadas em Kharkiv e Kiev, apoiando-se dez famílias provenientes destas cidades e a inserção de jovens em treinos das Escolas de Futebol Benfica e nas piscinas do Complexo Desportivo do Estádio da Luz, além de 17 adultos beneficiários de um Curso Certificado de Língua Portuguesa totalmente gratuito.

A Fundação Benfica e todos os que participam nas diversas iniciativas merecem o nosso enorme apreço e gratidão. Muito obrigado!

In Newsleter do Benfica

Gimnáguia 2022

Peniche, 1 de Julho de 2022

António Barreto