Desporto

domingo, 7 de dezembro de 2014

Malomil: O Parisiense.

Malomil: O Parisiense.:             Para quem passou a infância a procurar as parisiennes de Kiraz nas páginas...

Jaime Neves; o último guerreiro do império (1)

      O homem do 25 de Novembro nasceu em 24 de Março de 1936 na freguesia de São Dinis, Vila Real, terra de Diogo Cão e passou a infância e parte da adolescência na terra de sua mãe, São Martinho de Anta, a mesma de Miguel Torga, concelho de Sabrosa. Filho de polícia, com mãe doméstica, o jovem Neves, com acesso a sapatos, fato e gravata, na sua pequena aldeia  pertencia "aos de cima"; e aos "do meio" em Vila Real onde completou a primária e fez o secundário. Extrovertido, dançarino, pragmático, aluno mediano, benfiquista por acaso depois convicto, Jaime Neves declina a medicina e abraça a carreira militar frequentando o curso de 53/57 da Escola do Exército da Amadora - mais tarde Academia Militar -, onde foi "camarada", entre outros, de Alpoim Calvão - só no 1º ano -, Melo Antunes - Pré-intelectual já devoto das teorias marxistas -, Ramalho Eanes - "irmão" afetivo que viria a considerar, a par de Passos Ramos - covardemente assassinado pelo PAIGC no tristemente célebre "Massacre dos Majores" -, o melhor oficial do exército português  -, Pato Anselmo - protagonista do 25 de Abril, do lado errado, mais tarde tradutor no Benfica de Mortimore -, Loureiro dos Santos - craque em Artilharia com doutoramento no Brasil -, Garcia dos Santos - arquiteto das comunicações no 25/04 com quem se virá a incompatibilizar no pós 25/11 -, Almeida Bruno - o militar mais condecorado que viria a candidatar-se à Presidência do Benfica -, Tomé Pinto - Único general com a Cruz de Guerra, alegadamente envolvido na questão das armas do PS que levou o valente e honrado Edmundo Pedro à prisão, por ocasião do 25/11. Neves destaca-se no tiro, especialmente o instintivo, em orientação e navegação terrestre. Descontraído e boémio, Neves cria empatia com os seus "camaradas", "ganhando" a sua primeira acunha - "Rufino" -, ao tentar meter conversa inocente com umas miúdas no elétrico. Célebre ficou o "castigo" que impunha aos caloiros, que consistia em fazê-los decorar e cantar o hino de Vila-Real. Foi na Academia Militar, como membro de uma geração "charneira",  que Neves cimentou os valores patrióticos, da "glória" da guerra na perspetiva da Ilíada, da camaradagem e o sentimento de casta, que o levaram a adotar o exército como a "sua família", sobretudo após o falecimento de sua mãe.

      Alferes a partir de 4 de Agosto de 1957, Jaime Neves iniciou uma longa a notável carreira militar tendo granjeado o respeito dos soldados, a admiração dos seus pares e a distinção das altas patentes militares e do Estado, consubstanciada nas várias promoções por mérito em combate e em múltiplas condecorações, entre as quais a mais valiosa, de Grande-Oficial com palma da Ordem Militar da Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito, atribuída por Mário Soares.

      É o elegante e imperial Pátria que o leva à cidade da Beira em Moçambique, donde segue para Tete, que o marcará para sempre, e onde dá instrução militar a nativos. Aqui se depara, se dececiona e ofende com o estado primitivo dos negros e a desumanidade com que são tratados, chegando a insurgir-se contra o Administrador da zona, tomando então conhecimento à guisa de "justificação" de que a escravatura já existia em África muito antes dos Portugueses lá chegarem (como se as humilhações a que os nativos eram submetidos tivessem desculpa!).

   Em Março de 1958, Neves segue para o Estado Português da Índia como comandante de um pelotão de macuas, ascendendo à patente de Tenente em 1959. É aqui que mais sente a "paixão imperial", o peso da grande História de Portugal, na "Roma do Oriente"; onde tem uma vida tranquila e desafogada e se depara com uma arquitetura tipicamente colonial, de fortes, igrejas e moradias avarandadas, com um povo católico e hospitaleiro apesar de pobre que fala razoavelmente o português e onde as crianças são persuadidas a comer a sopa sob ameaça do iminente castigo do português. Em Goa arranca um dente a frio no odontologista local e provoca uma cena pugilato com o Chefe de Estado Maior de Goa em defesa de uma donzela que  lhe parecia estar a ser incomodada por este. Em Maio de 1960, Neves regressa a Moçambique, à cidade da Beira.

      Aqui toma conhecimento da morte de sua mãe - que falecera de doença cardíaca quando ele partira para Goa. Sentindo-se desamparado assume plenamente a vida militar; a aceitação libertadora da inevitabilidade da morte. É também nesta cidade que se apercebe da influência da África do Sul em Moçambique, não só entre a população negra mas também na população branca incluindo alguns militares, para sua deceção. 
 
      Regressa à metrópole em 1961, a Chaves onde pela primeira vez dá instrução a soldados brancos, à Companhia de Caçadores Especiais 365 que, inesperadamente, virá a comandar em Angola. Aqui se consolida a amizade com Eanes iniciada na Índia, ambos protagonizando animadas e semi-inocentes conquistas amorosas condenadas ao esquecimento. Apesar de oficiais subalternos - Tenentes -, ambos são já respeitados entre soldados, pares e patentes superiores. Para além do por todos reconhecido rigor, seriedade e competência, Eanes revela em momentos privados, entre camaradas, uma faceta informal e até divertida pouco conhecida da generalidade dos Portugueses; reconhecendo a desanimadora "cara de pau"  que Neves denuncia, Eanes confessa, com alegado pesar não dispor alternativa. De outra feita, levando a camaradagem a sério mas não a si próprio, como lhe chegara aconselhar Torga, declara-se em público a uma moçoila, por tal lhe ter calhado em sorte entre camaradas, acabando em grande embaraço em consequência da inesperada anuência! Uma amizade autêntica, fraterna, que dura até ao final do primeiro mandato da presidência de Ramalho Eanes.

Créditos: Jaime Neves, Homem de Guerra e Boémio, por Rui de Azevedo Teixeira, Bertrand

(Continua)