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sábado, 18 de junho de 2022

Um Pouco de História (4)

 

Um Pouco de História (IV)

 

     "É este o terceiro período, que vai desde o fim do V século até o meado do VI - 490-553 (263-200 a.C.).É durante este período que as guerras púnicas lançam a república numa vida nova. Aníbal acorda os sentimentos particularistas dos italianos, e as sedições internas, combinadamente com os resultados das vitórias sobre os inimigos externos, trazem consigo a paralisia do movimento de assimilação nacional.

   

Era fatal que Roma se chocasse com Cartago e a vencesse; mas essa oportunidade excelente importava, importou, gravíssimas consequências. A assimilação dos povos italianos na nação latina ou romana, assimilação que procedia gradualmente como todas as coisas naturais orgânicas, paralisando, desorientou a política romana cuja originalidade, e cuja força portanto, estavam na ideia nacional. Ofuscada esta, a república teve de imitar o tipo cartaginês, o próprio tipo dos vencidos, petrificando numa oligarquia que desorganiza a ordem social interna e domina tirânica ou imperialmente sobre províncias sem outro nexo com a Itália metropolitana além o da dependência e do imposto. Nos impérios antigos governava um homem; em Cartago imperador era uma cidade; em Roma foi uma nação embrionária, entregue também às mãos de uma oligarquia aristocrática.

   Um tal facto impediu que a nação, fundada já como ideia e como sentimento, viesse a encontrar a consagração necessária de instituições adequadas; e daí se seguiu a ruína inevitável da república, a sua dissolução num Império, e o abortamento do plano tão extraordinariamente iniciado; porque só nos tempos modernos as nações puderam achar instituições representativas mais ou menos adequadas no congresso dos procuradores das cidades, as cortes medievais.

   Todavia ainda neste acidente a história romana, desencaminhada do seu desenvolvimento próprio pelas condições do local em que se deu, é um paradigma das histórias de muitos povos; e entre esses, do povo hispano-português, cuja evolução foi também sufocada pelo imperialismo que, achando no ouro ultramarino um apoio, reagiu no nosso XVI século contra o movimento normal orgânico dos concelhos, fazendo abortar o fomento da vida local democrática. Os conflitos entre as duas evoluções, a interna ou orgânica e a externa ou expansiva, são de todos os tempos. A conquista do mundo mediterrâneo pelos romanos é como a descoberta das Índias e das Américas: as consequências e os resultados imediatos sobre o organismo nacional são idênticos. Ao mesmo tempo que se paralisa a evolução nacional, perverte-se a economia social; o poder petrificado torna-se pessoal - oligarquia em Roma, absolutismo monárquico nos tempos modernos; a ponderação da riqueza na mediania da vida agrícola desaparece perante o grande comércio; forma-se um Capitalismo mais gravemente opressor do que o poder político, e com o Capitalismo aparece sistematizada a exploração da maioria dos homens - escravos na Antiguidade e na Renascença, proletários hoje em dia.

   O velho que n’Os Lusíadas condena a viagem de Vasco da Gama no ato da partida das naus, parece uma evocação de Catão, o Censor, condenando pela boca da Roma antiga o desvairamento da nova república imperial cipiónica."

História da República Romana

Oliveira Martins

    
                              Aníbal cruzando os Alpes, detalhe de um afresco de 1510, 
                                                   nos Museus Capitolinos, Roma   

Buarcos, 18 de Junho de 2022

António Barreto