Desporto

domingo, 13 de dezembro de 2020

USA - Eleições 2020 (V)

 Economia

  A análise económica do mandato da administração Trump deve dividir-se em dois períodos, o pré-covid - de 2016 até março de 2020 - e o pós-covid - ainda em curso.

A derrocada económica, vaticinada pelos detratores de D. Trump, resultante da sua ascensão à presidência dos EUA, não só não se verificou, como manteve ou superou os indicadores do mandato anterior, no primeiro período. No segundo período verificou-se o maior colapso económico dos últimos 80 anos, nos EUA.

Vejamos o que nos diz a análise da BBC Brasil realizado em 27 de Setembro de 2020, a partir dos relatórios do Escritório de Análise Económica dos EUA:

   O crescimento económico médio anual dos primeiros três anos do mandato de D. Trump foi de 2,5 % contra 2,3 % dos últimos três anos do mandato anterior, sendo que, neste, em meados de 2014 se verificou um crescimento de 5,5 %. Em abril, maio e Junho verificou-se uma contração superior a 30 %; três vezes superior à que se verificou em 1958! Se tal ocorreu apesar da recusa de D. Trump em adotar o confinamento geral, não custa supor que teria sido bem pior se tivesse feito o contrário. Contudo, a recuperação económica tem ocorrido com grande rapidez, estimando-se, no final do ano, uma retração do PIB próxima dos 3 %! Cerca de 1/3 da que se verifica, em média, na Europa, para o ano em curso. Certo também é que, nos últimos 50 anos, houve períodos de maior crescimento do que o que ocorreu na fase pré-covid.

   Quanto aos mercados financeiros, nomeadamente S&P 500, apesar da queda abruta do início de 2020, apresenta uma valorização de cerca de 14 % neste ano até à data e um total de 83 % desde 2016. Já o desempenho do Nasdaq é bem superior, cum uma valorização em 2020 e atá à data de cerca de 30 % e de 171 % desde 2016! Um desempenho sem paralelo na Europa, com todas as bolsas negativas em 2020, enquanto a oriente os índices são os índices chineses que mais se aproximam: Nikkei (13,1 % ytd), CSI 300 (24,1 % ytd), Kospi (24,2 % ytd), Sensex (9,3 % ytd), e BIST 30 (5,3 % ytd). Tal desempenho revela que os mercados confiam nas ideias de D. Trump.

   Relativamente à taxa de desemprego, de 3, 5 % antes da pandemia, era a mais baixa dos últimos 50 anos. Mas é verdade que nos últimos três anos de mandato de Obama foram criados 7 milhões de postos de trabalhos enquanto nos primeiros 3 anos do mandato de Obama foram criados “apenas” 6,4 milhões. Com a pandemia a taxa de desemprego disparou para 14,7 % em abril - a mais alta desde a Grande Depressão de 1930 - tendo sido destruídos, num só mês, cerca de 20 milhões de postos de trabalho, anulando uma década de criação de emprego. Em agosto porém, a taxa de desemprego já estava em 8,4 %, confirmando a rapidez da recuperação económica.

   Os salários médios por hora no mandato de D. Trump mantiveram a tendência de subida iniciada no primeiro mandato de Obama, com uma média anual de 2,1 % naquele e de 2,4 % deste. O efeito da pandemia provocou um aumento abruto dos salários devido ao desemprego dos trabalhadores de baixas qualificações, voltando a baixar logo que se iniciou a recuperação económica, com o regresso daqueles ao trabalho.

   Apesar de ter sido em 1966 sob o mandato de Lyndon B. Johnson que se verificou a maior redução de pobres num só ano - 4,7 milhões de pessoas -, contra 4,2 milhões em 2019, é verdade que foi no mandato de D. Trump que se atingiu o mais baixo índice de pobreza dos últimos 50 anos, 10,5 %, desconhecendo-se ainda a evolução resultante da crise pandémica. Sucede porém que se verifica grande assimetria étnica no que diz respeito à população pobre, com cerca de 18,8 % para americanos negros e de 7,3 % para americanos brancos não latinos.

Conclusão

    Donald Trump é um outsider, um corpo estranho na cena política, rejeitado até por alguns setores do seu próprio partido. Oriundo do mundo empresarial representa uma reação inorgânica da sociedade civil contra o status quo partidário vigente. É visto como uma ameaça pelo espetro político estabelecido, sobretudo pelo setor progressista, este divorciado do país profundo. Apesar do seu estilo algo patético, por vezes grotesco, com uma linguagem imprudente, direta às vezes incendiária, D. Trump tem uma ideia para o país assente nos valores tradicionais, na família, na moral cristã, na segurança, no trabalho e na Pátria. Relativiza a vertente imperialista dos EUA iniciada em 1945, privilegia o comércio internacional baseado no equilíbrio das trocas, defende maior cooperação ativa dos aliados militares naturais, abomina as dinâmicas políticas e económicas prevalecentes assentes na teoria do Aquecimento Global, empenha-se na causa ambiental privilegiando o gás natural e de xisto, denuncia e combate frontalmente os promotores do terrorismo global. A apoiá-lo tem uma vasta população que já não se sente representada pelos partidos tradicionais. As notícias de fraude eleitoral no processo ainda em curso, a confirmarem-se, significarão, o início do último estertor das democracias representativas multipartidárias e o advento de novas ditaduras ou de regimes democráticos de representação direta alcançáveis a partir dos meios proporcionados pelas novas tecnologias tal como revelam alguns estudos do MIT (Massachusetts, Institute Technology).


Fim.

 Peniche, 8 de Dezembro de 2020

António Barreto

sábado, 12 de dezembro de 2020

USA - Eleições 2020 (V)

 Sistema de saúde

   Crítico da política de saúde do seu antecessor, D. Trump introduziu-lhe, gradualmente, algumas alterações. Nem Obama tinha instituído um sistema de saúde público e universal, nem D. Trump reverteu todas as alterações introduzidas no seu mandato. O sistema de saúde americano, ineficiente, dispendioso e insuficiente, é complexo; não há um sistema público universal, nunca houve, apesar de algumas tentativas, nomeadamente no mandato de Roosevelt - de 1933 a 1945 -, inviabilizadas pelos partidos democrata e republicano. O sistema de saúde americano é eminentemente privado, consistindo na contratualização particular de planos de saúde. Contudo tem uma dimensão pública através dos programas designados por Medicare e Medicaid. O plano Medicare, criado em 1966 e financiado pelo governo federal, destina-se a cidadãos com mais de 65 anos, que tenham descontado para o sistema de previdência durante a sua vida ativa, e pessoas incapacitadas para o trabalho, com serviços diferenciados em função do perfil de cada cidadão. O plano Medicaid destina-se a pessoas de qualquer idade em condição de carência de recursos sendo financiado pelo Governo Federal e pelos Estados, que pagam diretamente aos prestadores dos serviços os atos médicos correspondentes. Neste sistema, os Estados têm plena autonomia para definir modelos próprios, havendo, por todo o território, clínicas e hospitais públicos e privados. A contratação de seguros de saúde privados é efetuada maioritariamente no âmbito empresarial, já que, grande parte dos cidadãos não têm recursos disponíveis para o fazer. Em 2007, 46 milhões de pessoas não tinham seguros de saúde; graças ao plano Obamacare esse número foi reduzindo gradualmente até atingir os 28 milhões em 2016. O drama são os elevados custos envolvidos que podem levar à ruina de quem não tenha contratos de seguro nem seja abrangido por um dos sistemas públicos já referidos - o tratamento de uma perna partida pode atingir os $7500,00, enquanto a diária num hospital é de $10000,00 aproximadamente.

   Tendo, em 2009, ascendido a $676 bilhões os encargos públicos com os planos Medicare e Medicaid, previa-se a duplicação dos mesmos no ano 2000. O plano Patient Protection and Affordable Care Act (PPACA ou, em português, “Lei de Proteção e Cuidados Acessível ao Paciente”), conhecido popularmente como Obamacare, instituído em março de 2010, tinha por objetivo primordial reduzir os custos públicos com a saúde, impondo a todos os americanos a obrigatoriedade de contratualização de planos de seguro privados. Alargou-se o plano Medicaid a mais 15 milhões de cidadãos subsidiando os correspondentes encargos a todas as pessoas com rendimentos anuais até 4 vezes o salário de pobreza aplicável. Aos jovens até aos 26 anos foi garantido acesso aos planos de saúde dos respetivos pais. Todas as empresas com mais de 50 trabalhadores foram obrigadas a contratualizar seguros de saúde para os respetivos trabalhadores. A todas as outras que fizessem o mesmo foram oferecidos benefícios fiscais. Em 2014 foi atribuída uma taxa anual de $95,00 aplicável a todas as pessoas que não tivessem seguro de saúde, agravada para $696 em 2016. Simultaneamente legislou-se impedindo os abusos das seguradoras, nomeadamente de rejeição da contratualização com pessoas com doenças crónicas, ou da cessação do respetivo seguro em caso de contração de doença. Finalmente foi criado um portal público, o Healthcare, que garante a qualquer cidadão a contratualização de um plano de seguro nunca superior a 9,5 % do respetivo rendimento mensal.

   As críticas apontadas ao Obamacare, nomeadamente pelo partido Republicano, traduzem-se na discordância da obrigatoriedade de contratualização universal de planos de seguro, na comparticipação das despesas pelos cidadãos e nas restrições da cobertura impostas pelas companhias seguradoras. Como consequência boa parte dos cidadãos acaba por não ativar os seguros para evitar o agravamento dos correspondentes encargos, inviabilizando o pretendido efeito de prevenção.

   Ao assumir a Presidência em 2017, D. Trump criou o Trumpcare, acabando, em finais de 2017, com a multa por falta de plano de saúde, assim como com a obrigatoriedade de aquisição de seguros por parte das empresas para os seus trabalhadores. Contudo, manteve em vigor o Obamacare, incluindo o Healthcare e o acesso aos planos de saúde dos pais, de pessoas até 26 anos. Por esta ocasião estava ainda na agenda a permissão às seguradoras da flexibilização das condições contratuais.

   Há, nos Estados Unidos, um consenso geral acerca da necessidade de melhorar o sistema de saúde, extremamente dispendioso e ineficiente - com um encargo de cerca de $6000,00 per capita - mas um profundo desacordo quanto à forma de o fazer, por razões eminentemente culturais, em que uma parte da comunidade política, de matriz conservadora, defende o não envolvimento do Estado nesta matéria.

Geopolítica

 O temor inicial segundo o qual o ar truculento e fanfarrão de D. Trump iria provocar uma guerra em larga escala, não se concretizou. O recurso à guerra é um estratagema que alguns líderes mundiais têm usado para atenuar a crítica interna, unindo os cidadãos em torno de uma ameaça, supostamente comum. Tal sucedeu com alguns dos seus antecessores, desde Obama aos Bush. Mas também na Europa, como é o caso, mais recente, do envolvimento da França e Inglaterra na guerra da Síria, pelas mãos de Hollande e de David Cameron. A administração Trump não só não envolveu os americanos em nenhum novo conflito militar como acabou por retirar as suas tropas da Síria apesar da inegável importância estratégica deste país na região. Aliada histórica da Rússia e do Irão, plataforma de expansão do islamismo xiita e do controle de largas reservas de petróleo, o regime totalitário de Bashar al-Assad é um permanente foco desestabilizador na região, em especial no Líbano, um país outrora democrático e próspero e hoje pouco mais que um país falhado. Na guerra do Afeganistão, iniciada em 2001 por George W Bush, em retaliação pelo atentado de 11 de Setembro, nem Obama nem Trump lograram conseguir a retirada total das tropas americanas - Obama iniciou o processo de redução de tropas desde 150 mil até 8,5 mil homens - apesar de tal constar nos correspondentes programas eleitorais. Pelo contrário, D. Trump, ainda reforçou o contingente americano com mais 3 mil soldados; contudo, em 2018, este, assinou um acordo de paz com os Talibans. A guerra prossegue nos dias de hoje no Afeganistão, um país à beira da indigência - 169º no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).

   No caso da Coreia do Norte, apesar do desdém com que têm sido consideradas as iniciativas políticas de D. Trump pelos seus detratores, a realidade é que este conseguiu sentar à mesa das negociações Kim Jong-un, primeiro com os EUA depois com a Coreia do Sul. Algo que nenhum outro esteve sequer perto de conseguir e que atenuou drasticamente a ameaça permanente da eminência de um conflito nuclear em larga escala. Uma tremenda vitória da administração Trump. Esta, por outro lado, não hesitou em manter-se fiel ao Governo de Israel, reconhecendo a sua nova Capital, Jerusalém. Tal não obviou a improvável adesão ao seu Acordo de Paz para a região, do Bahrein, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita. Algo cuja relevância só de má-fé pode ser negada. Relativamente ao Irão, descrente da sua boa-fé no acordo de desagregação do seu plano nuclear, denunciou-o frontalmente, retirando-se do processo de acompanhamento. O futuro dirá da bondade desta estratégia. Por mim, confio menos na da EU, que parece estar amedrontada, a ser enganada e chantageada. D. Trump demonstrou, neste caso, que não é cobarde, nem irresponsável, uma vez que não tomou qualquer iniciativa militar além de dissuasora. Relativamente à UE, a política da administração Trump pautou-se pela crispação, com a exigência de maior envolvimento daquela nas despesas militares da OTAN, mas também devido às diferenças de abordagem das questões iraniana, da imigração e do Brexit. Sendo a Europa e os EUA aliados militares naturais, a concorrência no plano económico é fonte permanente duma certa hostilidade entre ambos, seja com D. Trump, com Obama ou com Biden. A invasão migratória que tem ocorrido na Europa e que ameaça desagrega-la foi espoletada pela guerra da Síria, iniciada pela Administração Obama e alimentada pela Rússia, esta interessada em retaliar pelo boicote económico imposto por Angela Merkel.



Peniche 8 de Dezembro de 2020

António Barreto

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

USA - Eleições 2020 (IV)

 As políticas

   D. Trump definiu-se como conservador, nacionalista, defensor da família tradicional, dos valores cristãos, do liberalismo económico e do mercantilismo.

Imperialismo

   Anti-globalista defende o mercantilismo, o comércio internacional com regulação. É interessante verificar como muitos dos que censuram o imperialismo americano passaram a acusar D. Trump de, com o seu nacionalismo, deixar os seus aliados externos sem referências abrindo espaço geoestratégico ao avanço de potências não democráticas; a russa e a chinesa. É certo que a abertura económica é fonte de progresso e tem contribuído decisivamente para a erradicação da pobreza no mundo. Mas também é verdade que o desequilíbrio da razão de troca agrava a desigualdade entre países pobres e ricos, perpetuando a dependência daqueles relativamente a estes. Desse mal ainda padece Portugal por, no século XVIII ter feito um acordo de comércio com o Reino Unido - o Tratado de Methuen assinado em de 27 de Dezembro de 1703 também conhecido por tratado de panos e vinhos -, mediante o qual Portugal prometeu comprar os tecidos ao Reino Unido (RU) - o maior produtor mundial de tecidos da época – e, este, os vinhos a Portugal. David Ricardo, o lendário economista da época, demonstrou então como ambas as partes ganhavam com o negócio; simplesmente a razão de troca era desfavorável a Portugal - de 1 para 3 -, enquanto a do RU era de 1 para 5! O resultado traduziu-se no empobrecimento relativo de Portugal e no atraso da sua industrialização, de que ainda hoje padecemos. Também não deve perder-se de vista que alguns historiadores consideram a política económica nacionalista de Roosevelt uma das causas da 2ª GM, por impossibilitar à Alemanha os recursos de que necessitava para pagar as astronómicas indemnizações de guerra que lhe foram impostas no Tratado de Versaillhes em 28 de Junho de 1919. Tudo ponderado, considerando ainda o agravamento da dívida externa - atualmente cerca de 100 % do PIB - e do défice orçamental - atualmente, cerca de 5 % do PIB - dos EUA em razão da crise de 2008 e da política de desagravamento fiscal de D. Trump, não é destituído de senso que a sua administração procure inclinar a balança externa a seu favor atuando nas pautas alfandegárias e cambiais relativamente aos principais parceiros, em especial a China. Trata-se, afinal e sobretudo, de travar a desindustrialização do país e consequente desemprego que se tem verificado nas últimas décadas devido à deslocalização empresarial. A sabedoria reside na capacidade de encontrar o equilíbrio de interesses. A tudo isto acresce a perceção geral de que a globalização é um veículo político e económico para a instauração dum governo mundial gizado e controlado pela ONU graças à maioria socialista dos seus membros controlados pela China. Um propósito cujos contornos ganham nitidez a partir das repetidas e explícitas declarações do socialista António Guterres concordantes com a conhecida aspiração imperialista da 2ª Internacional e do Império do Meio.

Aquecimento Global

   Crítico do Acordo de Paris, D. Trump deu prioridade à energia de origem fóssil em detrimento da renovável, propondo-se atingir os objetivos de redução de emissões de CO2 por outras vias. Sustenta-se no parecer científico, historicamente comprovado, segundo o qual as alterações climáticas são naturais e que o impacto do aumento da concentração de CO2 na temperatura ambiente, sendo marginal, é, sobretudo, consequência do aumento de temperatura dos oceanos e não causa do mesmo. Este tema engloba quatro questões; a energética, a económica, a política e a geoestratégica. Com a implementação da tecnologia do fracionamento - desenvolvida nos EUA - na prospeção e exploração do petróleo e gás - natural e de xisto -, os EUA, que são os maiores consumidores mundiais de petróleo, passaram, também, a ser os maiores produtores mundiais, com baixos custos de produção unitários. De importadores de produtos petrolíferos passaram a exportadores dos mesmos. Esta alteração retirou à OPEP o poder de controlo das economias ocidentais através do controlo do principal fator de produção; a energia. Deve-se à evolução tecnológica dos EUA - ocorrida sob a presidência de Obama - os baixos preços do petróleo nos mercados internacionais - uma grande ajuda para países energeticamente dependentes como Portugal. A vertente geoestratégica está ainda bem patente relativamente à União Europeia (UE) uma vez que esta aposta, determinadamente, nas energias renováveis, sujeitando-se à perda de competitividade da sua economia devido ao agravamento dos custos unitários de produção. Finalmente a questão política reside no facto de a causa ambiental, propulsionada pela ONU, ter sido “apropriada” pelos partidos de matriz socialista com o propósito de identificar, isolar e combater os regimes capitalistas. Um dever de convocação planetária cuja solução só parece alcançável com o fim do capitalismo! Como se as ideias maniqueístas não estivessem testadas pela História.

Imigração

   Contrário à política de fronteiras abertas D. Trump proibiu a imigração de países com histórico de envolvimento em atividades terroristas - com exceções - e impôs o controlo rigoroso do fluxo migratório pelo sul, de matriz eminentemente mexicana. Os EUA enfrentam o drama demográfico característico dos países desenvolvidos tipificado na fase quatro da Teoria da Transição Demográfica (TTD). Com uma população de cerca de 330 milhões de habitantes - 12, 7 % das quais nascidas no estrangeiro, 11,3 % de origem mexicana, 12,3 % de afro-americanos e uma taxa de reposição de 1,82 -, a sua estrutura demográfica encontra-se num processo de envelhecimento e reconfiguração étnica. O México, com cerca de 123 milhões de habitantes - o 3º mais populoso das américas, com uma taxa de reposição de 2,1, encontrando-se na 3ª fase da TTD - contribui, anualmente, com cerca de 1,2 milhões de emigrantes maioritariamente ilegais. Nesta cadência, em menos de 20 anos a população de origem mexicana ascenderá a cerca de 50 milhões, quase 15 % do total da população americana atual - e cerca de 40 % da população mexicana atual total. Esta reconfiguração social conduzirá ao inevitável agravamento conflitos sociais e políticos no país. Contudo, com a taxa de reposição da população no limiar da neutralidade e em queda no México, o fluxo migratório mexicano tenderá a diminuir. Note-se porém que os Estados Unidos têm uma dívida de gratidão para com o México que, por ocasião das duas guerras mundiais lhes forneceu a mão-de-obra de que a sua economia carecia. Por outro lado vigora entre os dois países um acordo de livre comércio entre as cidades fronteiriças. Finalmente, há, no México, uma comunidade de cerca de um milhão de cidadãos americanos. Com Presidente conservador ou democrata, com mais ou menos discrição, a política de emigração dos USA será tendencialmente de contenção acompanhada de incentivos à natalidade. É no entanto provável que os democratas apostem no incremento migratório como forma de alterar a seu favor o impasse eleitoral que se tem verificado no país nos últimos anos. A demonstrá-lo está o diferendo entre democratas e republicanos em vésperas do ato eleitoral, em que estes defenderam a exclusão dos imigrantes ilegais dos cadernos eleitorais e aqueles o contrário. Por outro lado D. Trump defende a prioridade de acesso à carta verde aos imigrantes mais qualificados em vez do modelo em vigor que privilegia a reunião familiar. Está em causa não só o impacto económico do contributo imigratório mas, sobretudo, o impacto político. Por outro lado, também a administração Obama repatriou de imigrantes ilegais, incluindo dezenas de milhar de crianças - para cujo efeito a sua administração chegou a pedir aprovação de financiamento ao Congresso - e se desenvolveram políticas de combate aos traficantes envolvidos no fenómeno da imigração.



Peniche, 8 de Dezembro de 2020

António Barreto

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

USA - Eleições 2020 (III)

 As castas

   A supressão dos privilégios da aristocracia e do clero, característicos das monarquias, pelos regimes republicanos - fundados na tripla utopia, liberdade, igualdade e fraternidade -, não obstou à emergência de novas castas e correspondente cortejo de privilégios. Castas relacionadas com a esfera partidária, judicial, militar, económica e do alto funcionalismo público. A desigualdade começa aqui, desacredita a República e a democracia, perpetua-se e tende a agravar-se com as sucessivas gerações. A casta partidária, geralmente instalada na administração pública e com acesso às instâncias de poder, atribui-se a exclusividade da representatividade política. A ascensão política extemporânea de D. Trump, um outsider pragmático, financeiramente independente, oriundo da sociedade civil, vinculado à defesa dos interesses da América profunda, contra os poderes instalados, fez soar o alarme, não só entre o partido oponente como no interior do seu próprio partido. A sua lógica fora do filtro partidário suscitou compulsivas reações hostis radicadas no medo da perda de privilégios e de poder. A sua figura grotesca, o ar desajeitado, o discurso meio desarticulado e um passado social e económico polémico, forneceram pasto abundante à maledicência dos adversários. Ao bom estilo socrático, a uma figura caricatural, diabólica, está vedada a produção de boas ideias. Como tal nem vale a pena discuti-las. Apenas afastar a criatura para bem longe, catalogando os seus apoiantes com a habitual parafernália de epítetos vexatórios; estúpidos, incultos, ignorantes, atrasados, etc..

O Declínio dos Candidatos

    Um breve olhar pelos Presidentes dos EUA dos últimos 50 anos permite constatar um declínio dos respetivos perfis. Neste ato eleitoral chegam ser patéticas as mútuas acusações de incompetência dos candidatos, inclusive entre membros dos respetivos partidos. Se D. Trump é considerado rude e boçal, J. Biden é apelidado de senil, taralhouco. Nenhum destes classificativos seria aplicável a Ronald Reagan, Bill Clinton, George H. W. Bush ou Obama. Parece haver um estranho mecanismo na democracia americana, a confirmar a velha máxima de Adam Smith, segundo o qual a má moeda afasta a boa moeda. Mais uma vez trata-se de uma característica de quase todas as democracias, visível em Portugal, Espanha, França, Reino Unido e Itália onde se tem assistido a fenómenos idênticos, seja emergindo do seio dos partidos de poder, seja na sequência da emergência de novos partidos. Talvez o jogo democrático tenha resvalado para uma espécie de aviltamento que afasta as verdadeiras elites da causa pública. E isso constitui uma ameaça às democracias.

Forma e conteúdo

   Diz o bom povo; “As aparências iludem” e “quem vê caras não vê corações”, aforismos que permanecem atuais em qualquer vertente da atividade humana e em particular na política, essa arte simultaneamente nobre e aviltante da persuasão. A forma precede o conteúdo. Vê-se por todo o lado e em todo o lado. Viu-se exuberantemente, exageradamente, despudoradamente, com D. Trump, nos Estados Unidos, mas também em Portugal. A sua figura meio grotesca, meio patética, a sua retórica rudimentar, direta, proporcionaram vasto campo de enxovalhamento pessoal. Nenhuma boa ideia poderia sair de figura tão repugnante. Um conceito puramente nazi. Choveram acusações de todo o género; de corrupção, de traição ao país, de racismo, de xenofobia, de homofobia, de machismo, de violação, etc. etc. Pelo Frankenistein que ocupava a Casa Branca todas as monstruosidade eram praticáveis e prováveis. Raramente se encontrava uma análise crítica exaustiva ao seu programa de governo nos meios de comunicação social. Especialmente em Portugal. A tática é simples e recorrente; desacreditando-se a pessoa desacreditam-se as suas propostas evitando-se o confronto de ideias cujo resultado pode ser o contrário ao pretendido.

Peniche, 8 de Dezembro de 2020

António Barreto

domingo, 6 de dezembro de 2020

USA - Eleições 2020 (II)

 O quarto poder

 Há um consenso acerca da influência da Comunicação Social nas democracias a ponto de ser considerada como o 4º Poder. Um poder informal mas real e fácil de compreender. Em democracia - um homem um voto - o espaço público é o local privilegiado de debate e formação da opinião pública, das convicções do eleitor, daí a importância de comunicação social. Importância crescente devido à proliferação de plataformas e órgãos de informação, aumento da frequência de emissões e publicações e alargamento do nível de escolaridade das populações. E é por isso que muitos a consideram, não o quarto, mas o primeiro poder! Nunca tal foi tão evidente para mim como nestas eleições; a declaração de vitória de Joe Biden pela CNN, primeira entidade a fazê-lo, com as urnas ainda em alvoroço e a comoção do anunciante, denunciam a guerra que a Comunicação Social, maioritariamente democrata, travou contra o Presidente Republicano durante todo o mandato. Não o posso afirmar, ninguém poderá fazê-lo, mas pergunto-me se não terá sido a Comunicação Social americana a decidir estas eleições. E se foi desvirtuou um regime onde cabe aos eleitores o primado da soberania política. Uma democracia desvirtuada não é democracia.

A tribalização política

   A degradação do diálogo político interpartidário, fonte da criação de uma sociedade mais justa e próspera esteve francamente exposta durante todo o mandato de D. Trump. Os partidos entrincheiraram-se nas suas posições e passaram a considerá-las abomináveis quando adotadas pelo oponente. Ignóbeis e absurdos ataques pessoais perpetraram-se continuadamente, dum e doutro lado da barricada, deixando de fora os grandes temas da nação. A insana e irracional luta pelo poder sobrepôs-se a todas as regras de boa conduta democrática, dominando tudo e todos. Um fenómeno que não é exclusivo dos EUA mas característico da maioria das democracias, comprometendo-as. Ou evoluem ou morrerão. O monopólio partidário da representação política está em causa.  

O Poder da Rua

   O ativismo inundou a rua em toda a legislatura, com inúmeras e violentas manifestações de minorias reivindicando direitos, amplificando e extrapolando qualquer acontecimento negativo transformando-o em tragédia sociai coletiva. Exigiu-se a destituição de órgãos legítimos vigentes. Imputou-se-lhes a responsabilidade de todas as iniquidades sociais e económicas. Reivindicou-se a legitimidade da ação direta. Criou-se um estado de pré-guerra civil condicionando e bloqueando a governação sufragada democraticamente. Tudo ocorreu num contexto de progresso económico notável, de pleno emprego e de integração das minorias. O poder da rua, pré-revolucionário, atribui-se legitimidade própria pretendendo sobrepor-se à legitimidade do poder democrático. A entropia política e social foi uma constante, internacionalizou-se e pôs em causa a legitimidade dos centros de poder. A anarquia social estabeleceu-se, alimentada pelo partido derrotado anteriormente e, suspeita-se, por entidades externas empenhadas na permanente luta pelo domínio geoestratégico. O direito de manifestação, em muitos casos, extravasou as prorrogativas legalmente consagradas. Um fenómeno que se verifica nas democracias e que dá lugar ao paradoxo da subjugação das maiorias pelas minorias graças à grande intensidade do ativismo destas.   




Peniche, 6 de Dezembro de 2020

António Barreto