Desporto

domingo, 3 de março de 2024

O Fracasso do 25 de Abril

 

O Fracasso do 25 de Abril



Salvo um ou outro caso, os candidatos a Primeiro Ministro para as eleições de dez de Março, são um desastre; uns, desacreditados por cinquenta anos de envolvimento governativo do respetivo partido, outros, por um ativismo ideológico persistente, insano, de rua, corporativo, étnico, induzindo roturas económicas, sociais, culturais e identitárias.


Em cinquenta anos de pseudo-democracia, depois da turbulência comunista dos primeiros tempos, da penúria subsequente, da expansão económica pós adesão à CEE, assistimos, desde a entrada no euro, ao empobrecimento relativo do país, asfixiado em impostos e corrupção, carente de ideias de desenvolvimento económico, de tolerância política e social, de diálogo franco, de liberdade plena, cujo povo se resignou ao alastramento da pobreza e aos despudorados privilégios da nova classe política.


Alguns atuais “notáveis”, tal como os aristocratas absolutistas e os obscuros eclesiastas, dum passado não muito remoto, já se consideram, e às respetivas famílias, detentores duma legitimidade sobrenatural, que todos devemos aceitar em nome do divino “desígnio”.


Não há, nem nunca houve unanimidade quanto ao 25 de abril. Demasiada gente sofreu, e ainda sofre, com os acontecimentos subsequentes. Gente que não pode, não deve, não devia, ser ou ter sido ignorada.


Há uma ferida, uma chaga na sociedade portuguesa, uma dor de consciência, surda, amordaçada, amedrontada, mas avassaladora, que ficará para a História como uma grande mancha de ingratidão e cobardia para com todos os que foram perseguidos, expulsos, abandonados, espoliados, torturados, presos, agredidos e assassinados.


Sem justiça, não há, não haverá reconciliação.


Tudo isso foi subalternizado, justificado como inevitável consequência do derrube do “fascismo”, e até como castigo das vítimas pelo alegado envolvimento - ou complacência -, com o anterior regime.


A ocultação da realidade não a suprime, nem às suas consequências.


Em abril de 74, uma espécie de embriaguêz inundou o espaço público dominado pelos novos protagonistas, regressados, como heróis, dos seus exílios dourados, contagiando a população.


Tudo foi prometido, tudo era possível!


“A paz, o pão, saúde, habitação”, “ O Povo é quem mais ordena”, o “Direito à indignação”,...etc., etc..


Uma onda de esperança varreu o país de lés a lés e contagiou grande parte da população. Eu acreditei!


A outra parte, calou-se com medo de ser ver privada do fruto de décadas do trabalho abnegado, à vezes arriscado, duma vida sóbria e austera, com que contava para salvaguarda do seu futuro e dos seus filhos.


Tudo foi prometido, mas tudo foi posto em causa. Ninguém estava seguro!


Uma falsa paz, uma paz podre, sobreveio à malfadada guerra colonial.


Cinquenta anos depois, ante a desilusão dos atuais candidatos à liderança do Governo, pergunto-me o que sucedeu aos homens - e mulheres - bons.


Porque não aparece, na esfera partidária, gente culta, competente, tolerante, com história de vida reconhecida pela comunidade, dedicada ao interesse geral, ao progresso económico e social e pacificação do país?


Não falta, em Portugal, gente para o efeito, porém, paradoxalmente, algo de perverso sucedeu que os mantém afastados da esfera da governação.


Antes de mais. No âmbito dos partidos, o critério da lealdade política prevalece sobre qualquer outro.


Gente digna não está disposta a sujeitar-se aos enxovalhos do quotidiano político, à devassa da vida privada, aos “assassinatos reputacionais” e à exposição pública das respetivas famílias.


Quando um regime político não tem o talento de atrair os melhores à causa pública.


Quando um regime político permite que determinados partidos se arroguem de legitimidade outra que não a democrática.


Quando um regime político, incapaz de assumir as suas incapacidades, se conforma com a pobreza e ameaça os cidadãos da espoliação dos seus bens, considerando-os, implicitamente, roubados.


Quando um regime político sobrevive à custa de fundos comunitários, de endividamento - cativação de rendimentos futuros - e de impostos exacerbados, insaciável, prometendo sempre o que sabe que não pode cumprir, é porque falhou.


E quando tal sucede reiteradamente, é porque algo de muito errado se verifica na sociedade portuguesa, ou na natureza da própria democracia.


Talvez haja falta de cultura democrática na comunidade em geral e na classe política em especial.


Cultura democrática: a capacidade de respeitar o outro.


Talvez algo tenha que mudar na arquitetura da democracia para evitar que uma corja de meliantes tome conta dos destinos da Nação em proveito próprio.


Talvez a lei eleitoral deva ser modificada para evitar a morte da democracia e das liberdade.


Talvez seja o tempo de os “homens bons”, os que, silenciosamente, com talento e abnegação, mantêm o país vivo, se fazerem ouvir.


Talvez seja o tempo de a “boa moeda afastar a má moeda”.


Os bolcheviques lsusitanos

Peniche, 03 de Março de 2024

António Barreto


domingo, 11 de fevereiro de 2024

Macaquices no Reino de Lilipute

 

Macaquices no Reino de Lilipute


Rezam as crónicas do burgo imaginário, que um tal “macaco” foi detido pelas autoridades locais para averiguações, na sequência dos incidentes ocorridos na cerimónia de apresentação das candidaturas à presidência do clube local de tiro ao arco, o célebre Protossáurio alado.


Pirolasséx, o célebre chefe da macacada, já não conseguia disfarçar a fraca penugem das, outrora, possantes asas, nem a progressiva perda de olfato e do efemento sonar que o tornaram célebre num passado já longínquo.


Vylannosaurus, que, durante muitas luas, viajara por distantes paragens, regressara, de penugem farta e reluzente, disposto a disputar o ceptro por que ansiava desde o momento da partida.


O destino chamava-o, anunciando-lhe o fulgurante trilho das estrelas, todos os gloriosos feitos que o tornarão inesquecido, até ao fim dos tempos, no reino Protossáurio.


“Macaco”, na verdade um jovem brachiosaurus, que todos pareciam temer, não podia consentir na queda de Pirolassex, receoso da emergência de uma inssureição e do termo do seu domínio.


Foi então que, seguro da sua histórica impunidade, solenemente, publicamene, prometeu devorar todos aqueles e aquelas que apoiassem Vylannosaurus, o herege, que se recusara a obedecer ao velho Pirolaséx, ameaçando-o de solitário desterro.


Staurikosaurus, o chede dos polícias de todos os saurus, desta vez não podia ignorar tal afronta à autoridade do reino de Lilipute.


Lilipute, sim, era um pequeno e inofensivo reino onde os liliputianos mais ilustres podiam enriquecer sem se esforçarem muito e sem sentirem grandes constrangimentos morais ou éticos.


Para bem de toda a nação era necessário salvaguardar a pureza das instituções. Por isso brachiosaurus tinha que ser detido para averiguações e, quem sabe, levado a Tribunal.


Staurikosaurus sabia que tinha errado, que fora complacente com brachiosaurus demasiado tempo, sabia que tal contribuíra para os graves incidentes do momento, sabia que podiam ter-se evitado outros casos igualmente graves que ocorreram, por efeito de contágio, noutras paragens do reino.


Staurikosaurus temia pelo seu futuro, pelo seu sossego e da sua família, mas, desta vez tinha que agir, tinha que mostrar a todos os liliputianos que podiam confiar nele. Braquiosauros tinha que ser punido exemplarmente!


Bem vivido, Staurikosauros aprendera com Stegosaurus, o sábio, companheiro de velhas e indizíveis lides, que o tempo tudo remedeia.


Agora que os cidadãos estavam confiantes na implacabilidade da justiça de Lilipute, bastava deixar correr o processo, deixar rolar a justiça, descobrir atenuantes e testemunhos abonatórios.


Afinal Braquiosaurus era o rosto da seleção nacional de tiro ao arco, como disse alguém, e tem à sua ordem um grupo de amigos de Lilipute, com enorme capacidade dissuasora.


Demonstrar-se-á a gratidão da Pátria liliputiana a quem tanto se empenhou no seu engrandecimento, fosse ele qual fosse.


Mais tarde ou mais cedo, será possível encerrar o episódio e, quem sabe, talvez até com um louvor como o que recentemente se fez ao Relocicraptor, cujos patrióticos feitos o livraram das penas do encarceramentto.


No final, Pirolasséx não deixará de mostrar a sua gratidão.


Lilipute voltará a ser o que sempre foi; um país de pigmeus.



Peniche, 11 de Fevereiro de 2024

António Barreto

domingo, 21 de janeiro de 2024

Mouzinho da Silveira

 

Mouzinho da Silveira


José Xavier Mouzinho da Silveira nasceu no Alentejo, em Castelo de Vide, em 1870, e faleceu em Lisboa, em 1848. Por sua vontade expressa foi sepultado na aldeia do Gavião, onde foi erigido um pequeno monumento em 1875, graças a subscrição particular.


Agricultor, industrial, jurista, funcionário régio, ministro, juiz de fora, provedor político e maçon, Mouzinho da Silveira foi um homem culto, controverso pela sua independência e frontalidade. Muito próximo de D. João VI e de D. Pedro IV -, abominou, denunciou e combateu o despotismo e foi fervoroso apoiante da Carta Constitucional e de D. Maria II.


Iberista, Silveira considerava que D. Pedro IV tinhas as características necessárias à liderança da união de Portugal e Espanha. Via nele um “napoleão” e defendeu, como muitos outros, o seu regresso a Portugal.


Surpreendentemente, face à doutrina ocidental atual, Mouzinho considerava a democracia, despótica; a ditadura das massas, ideia desenvolvida posteriormente por Ortega e Gasset.


A ele se devem as mais profundas reformas institucionais do Antigo Regime - a monarquia absolutista -, o que fez dele um dos mais importantes legisladores oitocentista português. Constitucional em 1820, foi deputado em 1826 exilando-se com a subida ao trono de D. Miguel.


Crítico feroz do Antigo Regime, teve breve simpatia pelos invasor francês. Acérrimo defensor da monarquia constitucional - lutou por ela junto de D. Pedro IV, mas, paradoxalmente, foi ministro de D. Miguel, na sequência da Vila-Francada.


Participou no cerco do Porto - como ministro das finanças -, esteve preso no Castelo de S. Jorge - na sequência do golpe ultra-realista da Abrilada - exilou-se em Paris, passou mal e morreu pobre - apesar de proprietário agrícola e industrial de cortumes -, ignorado pelo Estado apesar dos inestimáveis serviços.


Era convictamente monárquico; reconhecia na figura do Rei inigualável capacidade agregadora da nação e ao Rei o poder moderador da sociedade, mas limitado constitucionalmente.


Inspirado em Montesquieu defendeu a separação de poderes - legislativo, executivo, judicial e religioso (o clero era, então, remunerado pelo Estado!) - e o bi-parlamentarismo, constituído pelas câmaras dos representantes e dos pares.


Representantes eleitos - por sufrágio condicionado - e os pares, escolhidos pelo rei, entre a aristocracia e o clero - de transmissão hereditária.


Esperou de D. João VI a Carta Constitucional, finalmente elaborada por D. Pedro IV a partir da Constituição brasileira.


Carta que foi a causa da guerra civil de 1832 a 1834 - entre liberais e absolutistas -, e do posterior levantamento que ficou conhecido por Setembrismo, cujos membros a consideravam ilegítima por não ter sido e discutida e aprovada na Câmara dos Representantes.


Defendeu a liberalização da economia elaborando leis de desamortização - privatização - de bens régios, de expropriação e venda de propriedades agrícolas da aristocracia e do clero - mediante indemnização dos respetivos proprietários -, da atribuição dos bens de mão-morta ao familiar mais próximo do proprietário falecido - em vez da entrega automática à coroa - e da privatização dos baldios.


O seu propósito era o de tornar produtivos os terrenos agrícolas sub-aproveitados ou abandonados, entregando-os a quem tivesse interesse e capacidade para os cultivar.


Mouzinho não se conformava com as práticas da Aristocracia e clero que gastavam, em bens supérfluos e hábitos sumptuários, as rendas provenientes das concessões régias - tenças, comendas, capelas, morgadios, congruas, dízimos, pé-de-altar, etc., desinteressando-se da exploração das respetivas propriedades.


Por outro lado quis dar dono às terras comuns por razões semelhantes; constatava que as terras sem dono eram improdutivas, realidade que considerava imperioso inverter, vendendo-as a quem tivesse capacidade de as explorar.


Sem receitas garantidas, restava aos proprietários empenharem-se no desenvolvimento das respetivas explorações. O aumento da produção traria ganhos económicos e consequentemente, demográficos. Garantiria o povoamento do território o aumento das exportações e o incremento das receitas públicas.


Confiantes na inevitabilidade do progresso e na sensatez dos dirigentes atuais, assistimos, impotentes, ao desmantelamento das economias locais, consideradas de baixos salários, ao despovoamento do território e a todo um cortejo de infelicidades individuais e coletivas.


O conceito de produtividade deve ser abrangente - identificando o contributo de cada setor para a produtividade geral - e indissociado da liberdade individual; o direito de cada um fazer o que o torna feliz, sem desrespeitar a comunidade.


Leal, incorruptível, vinculado ao interesse nacional, Mouzinho da Silveira preocupou-se com a corrupção, preconizando a profissionalização do funcionalismo e o fim dos emolumentos.


Considerava que a dedicação exclusiva e os bons salários dos funcionários desincentivariam a corrupção, direta ou indireta - esta relacionada com o abuso dos custos dos atos administrativos - emolumentos - em proveito dos respetivos autores.


Exemplo de ética política, opôs-se à segregação de adversários e inimigos, e defendeu o recrutamento dos mais qualificados para os cargos públicos.


Quase um século depois, a tragédia da corrupção continua bem viva, e, em Portugal, “normalizada”; a maioria dos altos cargos públicos são atribuídos em função da confiança política do partido vencedor sem olhar a critérios de competência técnica.


Silveira trouxe uma nova perspetiva sobre a metáfora - ainda muito atual - dos “Velhos do Restelo”; o símbolo luso do ceticismo e do imobilismo; os que, nos séculos XV e XVI lamentavam a aventura marítima lusa, augurando, em consequência, um futuro trágico para Portugal.


A mobilização de recursos, de capital e humanos, para a epopeia dos Descobrimentos, conduzira ao desinvestimento interno e à cultura rentista. De facto, o grosso da riqueza pública da época era proveniente de taxas portuárias e alfandegárias.

Igual padrão repete-se nos dias de hoje relativamente à União Europeia, donde brotam os abundantes e, aparentemente infindáveis, fundos comunitários, desmobilizadores do investimento nos recursos internos do país.


Constata-se, com alguma surpresa, que, muitas das preocupações de Mouzinho da Silveira, permanecem atuais, apesar das transformações políticas, sociais e culturais ocorridas em cerca de duzentos anos; a corrupção, o nepotismo, as rendas, os privilégios, o despovoamento, a radicalização política, a demagogia, enfim, os privilégios das novas castas, etc.


Não é possível compreender o Portugal de hoje, sem conhecer as grandes transformações, políticas, económicas e sociais ocorridas do século XIX, consequência do turbilhão que se seguiu à Revolução francesa, em toda a Europa.


A Guerra Peninsular teve influência decisiva na modernização das instituições e no fim do império colonial português.


Créditos a “Mouzinho da Silveira, Pensamento e Acção Política”, de Miriam Halpern Pereira; obra da Coleção Parlamento.

Mouzinho da Silveira

Peniche, 21 de Janeiro de 2023

António Barreto

domingo, 19 de novembro de 2023

Um Banho de Benfiquismo

 

Um Banho de Benfiquismo



A ansiedade reinava nas hostes benfiquistas nas vésperas do jogo com o “grande rival”. A equipa da luz não apresentava consistência tática. As saídas de Grimaldo, Ramos e Vlachodimos deixaram a equipa sem ideias; perdera-se o sentido posicional, a articulação coletiva e a capacidade finalizadora. A falta de confiança traduzia-se na passividade geral e na previsibilidade, tornando a equipa vulnerável a qualquer outra, desde que organizada, dinâmica e agressiva.


Se nas competições internas as coisas não corriam mal de todo; ganhara-se a supertaça no confronto direto com o outro grande rival, o Porto e, apesar de tudo, o primeiro lugar - ocupado, precisamente pelo adversário do dia -, continuava acessível. Na Liga dos Campeões, contrastando com o desempenho na época anterior, os resultados eram catastróficos. A depressão geral era uma ameaça real.


A equipa técnica, liderada por Roger Schmidt, infrutiferamente, procurava soluções. O conservadorismo da época anterior dera lugar ao experimentalismo atual. Trubin, o novo titular da baliza, promissor no jogo aéreo, com os pés e nas saídas - lacunas de Vlachodimos -, suscitava ainda alguma reserva. Na esquerda adaptara-se o centro-campista Aursness preterindo os novos laterais Jurasek e Bernart. Na direita, as lesões do titular Bah, obrigavam também a soluções de recurso variáveis. No eixo do ataque nem Musa nem Cabral - o novo recruta -, faziam esquecer o eficaz Ramos. As saídas de Gilberto e Risic, pareciam, parecem, precipitadas.


Testou-se o sistema de três centrais, com a inclusão de Morato; a defesa ganhou músculo e altura, o meio-campo ficou mais denso melhorando o apoio aos avançados e colocando mais pressão nas defesas. Mas desposicionaram-se alguns elementos - casos de João Neves, deslocado para a esquerda, e, novamente, Aursness, desta vez para a direita, sem resultados convincentes.


Sem dinamismo nas alas, faltavam centros e cruzamentos, e sem eles, os pontas-de-lança tinham que recuar abandonando as zonas de finalização. Quando, nas raras incursões pelas laterais, surgia a oportunidade de cruzamento, raramente havia avançados na área, e quando os havia estavam em inferioridade numérica. Só por milagre, ou magia, poderia haver haver golos.


O adversário estava confiante, a insegurança das primeiras jornadas dissipara-se e o primeiro lugar reforçara a determinação da equipa e adeptos. Entraram fortes.bem entrosados, jogando um futebol apoiado, bem articulado, intenso, vertical e intencional. O Benfica voltou ao esquema anterior, o 4-4-2, com Morato à esquerda, Neves no meio e Aursness na direita.



Ante a coesão tática do adversário, o Benfica apresentou-se algo disperso, com demasiado espaço entre jogadores, algo passivo, algo nervoso, mas também com muito nervo, muita intensidade.


O Sporting pressionava alto, instalava-se no meio campo “vermelho” metendo muitos jogadores na zona de finalização. Temia o pior. Era preciso sacudir aquela pressão mas a equipa teimava nos passes laterais, apesar da proximidade dos adversários, insistindo, infrutiferamente, em construir jogo, calmamente, a partir da sua área. O menor desaire seria fatal.


Mas foram do Benfica as melhores oportunidades no primeiro tempo; uma bola na trave a remate indefensável de Rafa e outra no poste, por Di Maria. Com o final da primeira parte à vista e a equipa encarnada instalada no meio-campo adversário, foi o Sporting que marcou, numa bela jogada de contra-ataque, em que o extremo Morita fez magia, fintando com grande mestria o defesa Morato, endossando de seguida a bola ao avançado Gyokers que, num remate fulminante, bateu Trubin, fazendo a bola entrar mesmo rente ao poste.


Com este “banho gelado” chegou o intervalo, e o pessimismo instalou-se entre os adeptos encarnados face à previsível dificuldade de inversão dos acontecimentos, ante um rival, forte, coeso e ainda mais confiante.


Na segunda parte manteve-se o padrão de jogo com o Sporting decidido a “arrumar” a partida e o Benfica, inconformado, a tentar virar o resultado, mas sem chegar à área contrária com perigo, excetuando um remate fortíssimo de Di Maria a que Adan respondeu com soberba defesa.


A expulsão de Gonçalo Inácio alterou o jogo; o Sporting fechou-se, ainda mais, no seu meio-campo, os caminhos para a sua área tornaram-se mais escassos e tortuosos.


O jogo aproximava-se do seu termo, o rosto do Paulinho e colegas espelhava confiança; a vitória parecia segura e com ela o conforto da ampliação da vantagem pontual para segundo classificado, o Benfica. O sonho do título ganhava contornos reais.


Com o espetro da derrota e da contestação à vista Schmidt mexeu na equipa e alterou a tática, metendo mais avançados; Guedes, Tengstedt e Cabral juntaram-se a Rafa, Di Maria, Neves e Aursnes - rendendo João Mário, Musa e Florentino. A equipa subiu no terreno, aumentou a velocidade e a intensidade insistindo nos ataques pelos flancos e metendo, finalmente, três, quatro, e mais, jogadores na área.


Tudo ia rechaçando a densa defesa verde-branca; um após outro, centros e cruzamentos morriam nas suas cabeças, nos seus pés!

Até ao quarto minuto do tempo de compensação, quando a esperança vermelha já se desvanecia; num lance que pareceu ensaiado, Di Maria, de canto, colocou a bola, ao primeiro poste, na cabeça do possante Morato que a cabeceia para a zona de penálti.


Sem marcação direta, Neves resiste à tentação do remate de primeira e amortece o esférico para o remate frontal, de pé direito, à meia-volta, afastando-o da multidão à sua frente. E a rede tremeu, apesar do estiraço do Adan!


Uma explosão de alegria fez estremecer o estádio, Neves e colegas, eufóricos, correram a comemorar com os adeptos, aquele beijando demoradamente o amado emblema.


Ainda podemos ganhar”, pensei. António Silva pensou o mesmo e foi buscar os colegas que comemoravam junto à vedação do recinto.


E aconteceu mais um momento dos que fazem este desporto tão popular; dos que fizeram o fascínio histórico, invulgar, do Benfica.


Di Maria tem esse condão, essa alegria de jogar, esse misticismo que, por vezes, materializa a aspiração transcendental do comum dos mortais.


Recebeu a bola na direita a passe de Rafa, fletiu para dentro, para a zona onde o seu pé esquerdo se agiganta. Nuno foi atrás dele retirando-lhe a veleidade do remate, mas atrasou-se na inversão do movimento que o hábil campeão do mundo fez.


Calmamente, a bola, numa trajetória perfeita, chegou a Aursness, este, sem marcação próxima, cruzou-a em arco, para frente da baliza, onde uma bateria de três avançados a esperava.


Falhou Rafa o já célebre toque de calcanhar. Mas não falhou Tengstedt que, em grande estilo, de pé direito, a fazer lembrar o ausente Ramos, fez o desvio para a baliza. Passavam sete minutos dos noventa.


Nova explosão de alegria troou no estádio, logo abafada pelo “bandeirinha”, que assinalara fora-de-jogo. Era a vez do VAR entrar em ação, ele que, no decurso da partida, parecera distraído em duas ocasiões capitais, qualquer delas em prejuízo do Benfica.


Tiago Martins, o árbitro de má memória, o homem dos cinco cêntimos, iria decidir. - “Estamos tramados”, - pensei; - “aquele patife vai-nos tirar a vitória”.


Na minha memória estava ainda fresco o lance do golo anulado a Darwin por dois centímetros, precisamente naquela baliza, que teria dado a vitória ao Benfica sobre o Porto! Dois centímetros! Hoje, nada me espanta no futebol português. Tudo parece possível e justificável, sempre que o Benfica fica por baixo.


Enganei-me! O golo foi validado. Não houvera fora-de-jogo! - “Faltou-lhes a coragem”, - pensei.


Nova explosão de alegria ecoou em Lisboa, o Benfica, adormecido, inseguro, deprimido, dera lugar ao “velho”, ao “mítico” Benfica, inconformado, talentoso e lutador, tal como o sonharam os seus fundadores e de que se fez a sua história.




Peniche, 19 de Novembro de 2023

António Barreto