Desporto

sábado, 2 de julho de 2022

O "Canacho"

 O “Canacho”

 

        Entre os meus melhores amigos de infância contavam-se os “Vilões”; o Tó - o mais velho, “mau como as cobras”, o João - meu amigo dileto e companheiro de carteira na escola primária, homem bom - e o Manel, pequenote - ainda não alinhava nas nossas brincadeiras de rua.

   Moravam também na Rua do Pinhal, numa casa da Ti Bragila, mãe do amigo e colega Gil Saraiva, que todos admirávamos - já adulto, tinha uma pressão de ar e quando chegava de viagem íamos todos atrás dele vê-lo à “caça” dos passaritos pelos pinhais do Sotto Mayor e do Faustino, era o nosso “herói”; educado, cordial, respeitava-nos, enaltecendo-nos.

    Os nossos pais eram muito amigos, o pai deles era o ti Bagueira, homem bom, sempre atencioso connosco. Andavam ambos na chalandra, salvo-o-erro da “Estrela da Madrugada”, onde era mestre o ti Manel Vidas aqui de Peniche, e vizinho - certa vez, ao largo da Figueira, durante a manobra da rede, caíram ao mar, mas safaram-se; o meu pai nadava bem e o ti Bagueira, que nadava pouco, agarrou-se à única boia disponível.

   Quando, numa manhã de primavera, apareceram na nossa rua, cada um com a sua bicicleta nova, quase iguais, de guarda-lamas e quadros em dourado matizado e guiador lançado para os lados, suscitaram a admiração geral da criançada, que nunca vira bicicletas tão bonitas! De modo que, instigado pelos meus queridos primos Tó Fernando e Quim João, que me sentaram no selim e deram o impulso inicial, lá dei umas pedaladas mal dadas que me custaram uma palhaça e os joelhos esfolados; não andara antes de bicicleta. Nem sequer chegava aos pedais! Desequilibrei-me e "catrapumba", parti-me todo! Feliz, não dei parte de fraco; afinal, a bicicleta do meu pai era a mais linda de toda a rua!

     Um dia, a mãe dos “Vilões”, senhora forte e sempre sorridente, nossa amiga, disse à minha mãe que me tinha visto, à noitinha, pela rua acima, estranhamente a falar alto sozinho e a esbracejar. A minha mãe ficou preocupada pensando que me estava a passar dos “carretos”; "Ai que o meu filho está a ficar tolinho"! Exclamou!

   Quando me perguntou o que andara a fazer expliquei-lhe que vinha da casa do Manuel dos Santos - nosso querido amigo -, onde estudáramos os pontos cardeais. E então, de regresso a casa, eu repetia alto a lição para ver se não me esquecia: - Norte, Sul, Este, Oeste. Ia dizendo, uma e outra vez, fazendo gestos com os braços indicando as respetivas direções. A minha mãe, aliviada, fartou-se de rir. Gostava de ver a minha mãe rir, o que raramente acontecia.

 O Tó "Vilão" era bem mais velho. Tinha uma habilidade invulgar para trabalhos manuais, adorava as traineiras - a “Calma” a “Sarda”, a “São Domingos”, a “Estrela D’Alva”, etc. -, as suas formas sinuosas, em especial as proas. Esculpia-as à navalha em troncos de palmeira secos. Ficavam lindas! Todos andávamos à procura de palmeiras velhas para ele fazer barquinhos.

 Um dia, ouvi-o cantar baixinho: “As ondas do mar são brancas, são brancas e amarelas, coitadinho do “canacho” p’ra morrer debaixo delas”. Eu era pequeno, gostava da canção mas não percebia o que aquilo queria dizer; “Canacho? Seria algum tipo de canário ou outro pássaro?” “Uma ave marinha?”. Pensava. O Tó "Vilão" gostava muito de passarada; serenos, pios, pintassilgos, pintarroxos, etc. Imaginava o “canacho” amarelo, aflito, a bater as asas frente às ondas do mar encanecidas. Perguntar, não perguntei; o Tó "Vilão" era ruim, mais velho, maior e tinha cara de mau!

    O tempo foi passando e, de vez em quando, lembrava-me daquilo! A melodia era bonita, mas…”canacho”? Um dia, não sei, um ou dois anos mais tarde, talvez três anos, fez-se-me luz! "Canacho...canacho!!!" ia pensando...” mas que raio quereria ele dizer"…quem nasce...quem nasce...canacho...!"; seria isto? era isto! O Tó Vilão pronunciara mal as palavras, “engolira” algumas letras; queria dizer "quem nasce" e não "canacho", como soava! E a canção ficava: "As ondas do mar são brancas, são brancas e amarelas, coitadinho de quem nasce, p’ra morrer, debaixo delas”.

   O caso mudava de figura! O que estaria, então, a apoquentar o "ruim" do Tó "Vilão", que se fechara a ponto de eu ter medo de o importunar com perguntas?

          Ficou-me para a vida e ainda hoje me sensibilizo ao pensar nisto. Talvez tenha, na ocasião, acontecido algo que me tenha escapado e afligia o Tó "Vilão".

   Afinal, estes singelos versos resumem a abnegação do homem do mar, do povo, sempre com a morte por perto, a lutar por uma vida digna.

        Vem tudo isto a propósito da morte dum pescador, que não conhecia pessoalmente, mas era irmão dum colega de todos os dias, que, aqui em Peniche, acaba de ocorrer. É triste ver um homem chorar.

 Durante a faina, foi à proa fazer qualquer coisa, caiu ao mar e, apesar de resgatado e assistido pelos camaradas, acabou por falecer. Paz à sua alma.

 "As ondas do mar são brancas, são brancas e amarelas, coitadinho de quem nasce, p’ra morrer...debaixo delas."

O Lugre é o Santa Isabel onde o Zé Barreto, meu pai, nos anos 50 foi tripulante e lá passou uns maus bocados, tal como os seus camaradas.

Argus navegando à vela.


 Peniche, 28 de Julho de 2022

 António Barreto

A dimensão social do Benfica

 

O Benfica extra futebol:

A AJUDAR QUEM MAIS PRECISA

Nesta edição da News Benfica fazemos um balanço intercalar da atividade da Fundação Benfica em 2022.

1

Este ano será o maior de sempre em número de beneficiários da Fundação Benfica. No primeiro semestre de 2022, as pessoas ajudadas ultrapassam já as 57 600, uma quantidade próxima do máximo de 64 728 registado em 2019.

Os beneficiários em Portugal totalizam 27 634, os restantes distribuem-se pela Ucrânia e pelos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa.

2

A atividade da Fundação Benfica incide em três grandes áreas: Projetos Educativos; Desporto Inclusivo; Benfica Faz Bem. O conflito no leste europeu motivou ainda a campanha "Juntos pela Ucrânia", com enorme adesão e contributo.

3

No que respeita aos Projetos Educativos, são cinco as iniciativas. A "Para ti se não faltares" tem cinco projetos ativos e dois a ativar, havendo presentemente 335 beneficiários. A "Community Champions League" auxilia 144 pessoas. A "Hat-trick: Treinar, Jogar e Vencer" intervém junto de 62 jovens. A "KidFun – Educação para valores" envolve 157 escolas em 50 municípios e é dirigida a 21 184 crianças. E a "Show Racism the Red Card" incidiu sobre 4148 alunos de 46 escolas em 9 municípios.

4

No Desporto Inclusivo, houve um total 1185 beneficiários no primeiro semestre do ano. No "Walking Football" foram 1060, enquanto no Desporto Adaptado foram 100 e no "Welcome Through Football" 25.

5

No âmbito do "Benfica Faz Bem", além das crianças que viram realizados os seus sonhos de conhecer e conviver com elementos do plantel da nossa equipa de futebol, realizaram-se ações no Dia Mundial da Criança e na Semana da Criança no Hospital de Santa Maria. Assinalam-se também as múltiplas ações e convites (visitas ao estádio e jogos) e a doação de bens ao AMINGA, um projeto solidário empreendido pelo casal João "Betinho" Gomes e Sofia Ramalho, respetivamente basquetebolista e ex-basquetebolista do Sport Lisboa e Benfica, e as irmãs de Betinho, Fauzinda e Elizabete, também desportistas, ligadas ao voleibol e andebol.

6

Foi extraordinária a mobilização em torno da campanha "Juntos pela Ucrânia", que contou com 120 pontos de recolha nacional (75 Casas do Benfica; 20 Escolas de Futebol Benfica; 5 Lojas Oficiais e 20 IPSS) e dezenas de voluntários, resultando na doação de cerca de 125 toneladas de alimentos e bens de primeira necessidade ao povo ucraniano, estimando-se em cerca de trinta mil os beneficiários.

Verificou-se ainda o acolhimento de ucranianos das Escolas de Futebol Benfica localizadas em Kharkiv e Kiev, apoiando-se dez famílias provenientes destas cidades e a inserção de jovens em treinos das Escolas de Futebol Benfica e nas piscinas do Complexo Desportivo do Estádio da Luz, além de 17 adultos beneficiários de um Curso Certificado de Língua Portuguesa totalmente gratuito.

A Fundação Benfica e todos os que participam nas diversas iniciativas merecem o nosso enorme apreço e gratidão. Muito obrigado!

In Newsleter do Benfica

Gimnáguia 2022

Peniche, 1 de Julho de 2022

António Barreto