Desporto

sábado, 26 de novembro de 2022

A Liberdade de Ensino em Portugal

 

Cortes Constitucionais de 1822

 

    A liberdade de ensino é um dos campos de combate político mais intenso da democracia portuguesa. em que os partidos de esquerda defendem o controlo pleno do Estado de todo o processo, e os de direita propugnam pela liberdade de ensino. De um lado, concebendo o cidadão propriedade do Estado, impõe-se-lhe o estabelecimento de ensino, as matérias curriculares e a certificação da aprendizagem, incluindo conceitos de natureza ideológica que enformam o partido do poder. Do outro defende-se a liberdade de escolha do estabelecimento de ensino, em conformidade com as preferências de cada cidadão, com especial relevância da formação do espírito crítico, sem prejuízo da submissão à certificação pública final aplicável.

   Tendemos a pensar que vivemos tempos de esplendor tecnológico e social, resultado de uma dinâmica de progresso multidisciplinar contínuo, graças sobretudo à massificação e evolução do sistema de ensino e ao aperfeiçoamento dos regimes políticos democráticos.

  Porém, nem sempre é assim; deparamo-nos, por vezes, com temas atuais que foram estudados e discutidos, com excelência, em tempos remotos. Foi o que constatei ao embrenhar-me na leitura da “Discussão dos Artigos do Projeto da Constituição referentes ao Ensino”, relativos aos artigos 215 e 216, nas Cortes Constituintes, em 29 de Março de 1822, na sequência da revolução liberal de 1820

   Discutindo-se o sistema de ensino em Portugal - espantei-me ao verificar que eram as próprias populações a exigir escolas ao Estado, que as não conseguia satisfazer integralmente; a natureza do ensino público, as qualidades, dignidade e retribuição dos professores, o ensino privado e a liberdade de ensinar e de aprender.

   Chamou-me a atenção, no referido debate, a intervenção do Deputado pela Baía, Cipriano José Barata Almeida, firme defensor da independência do Brasil, que passo a reproduzir:

   - Sou de opinião que se suprima este artigo 216: porque convém que cada um ensine ou aprenda à sua vontade. Nós estamos acostumados a fazer monopólio de tudo, e por isso queremos fazer o mesmo com a cultura do espírito, ciências e belas letras, como se foram tábuas, marfim, pau-brasil, etc. A cultura do homem pede liberdade, e sem esta ele não pode ser feliz. É certamente tirania prender o desenvolvimento das faculdades intelectuais. Há porventura maior violência do que obrigar a tirar uma carta ou licença para poder ensinar? E se a não tira, tomar-se-lhe conta disso, suspender-se e oprimir-se? Para o bem comum é preciso que se não estabeleça monopólio da cultura do espírito. Por conseguinte deve ser determinado que cada um possa ensinar e aprender a seu arbítrio com quem quiser, sem que nenhuma autoridade lhe possa obstar: isto é necessário para que os corregedores, as câmaras, ou outra qualquer autoridade não estejam sempre embaraçando os professores com os seus exames, licenças e outras coisas semelhantes. Queremos nós pôr censura prévia no espírito humano quando a detestámos na tipografia? Longe de nós semelhante projeto.

   Quanto às ciências maiores, diz o artigo, que este importante objeto, será cometido a uma diretoria geral dos estudos: é preciso que também se não faça monopólio, nem haja diretorias para nenhuma ciência, mas que se facilitem as matemáticas, o direito, a medicina a quem quiser aprender, e com quem quiser, e em qualquer parte, com toda a liberdade; aliás tornaríamos, a pouco e pouco, para o antigo despotismo, para a ignorância e escravidão.

   Magnífico! O controlo dos espíritos dos cidadãos como via para a ascensão ao poder e sua manutenção, continua atualíssimo, e é demonstrativo da ausência de progresso, neste capítulo, em Portugal, apesar de decorridos duzentos anos, da ascensão da República e do advento da democracia em 75.

   Concluo que devemos olhar melhor para o passado para percebermos o presente e desbravarmos os caminhos do futuro com mais eficácia.




Peniche, 26 de Novembro de 2022

António Barreto

sábado, 19 de novembro de 2022

Memórias de Bordo

 

O Fim de uma Era (I)

 

   No dia e hora previstos - ao meio-dia do dia seguinte ao incidente verificado na Casa das Caldeiras, nos idos de 75 -, o “Vera Cruz”, com a caldeira de bombordo vante fora de serviço, largou amarras do cais de Alcântara para a sua derradeira viagem com destino a Kaohsiung, na ilha “Formosa” - atual “Taiwan” -, onde o aguardavam maçarico e rebarbadora, prontos a desfazê-lo em mil pedaços.

   Uma tripulação de contingência tinha sido escalada; o Comandante era o Manaças, homem grave e autoritário, de crânio liso; o imediato, para minha satisfação, era o meu querido tio João Catulo, homem cultíssimo e reservado; o 1º Piloto era o Bettencourt, amigo, cordial e descomplicado; o 2º Piloto era o Teles, ilhavense amigo que adorava a vida do mar, chegando a dizer, com ironia, que ainda lhe pagavam para fazer o que mais adorava; andar no mar.

   Na máquina tínhamos; a Chefe, o “Porfírio Rubirosa”- não recordo o nome próprio -, gracejo que corria entre nós pelo seu ar aprumado e enfatizado de que se destacava o inseparável boné, - uma alusão jocosamente carinhosa ao célebre playboy dominicano, que “arrastara a asa” à nossa Amália quando esta, nos seus tempos áureos, destruía corações pelo mundo; o 1º Maquinista era o Telmo, homem cordial, discreto e muito respeitado entre nós, os 2ºs Maquinistas eram, o Brito “maluco”, homem bom, um tanto exuberante e brincalhão, que nada tinha de maluco; o Pintassilgo, o nosso campeão de natação, sempre pedagógico, tranquilo e cordial; o Melo, calmo, eloquente e eficiente, de fisionomia típica de um sul-americano e o Abreu, o nosso “homem-golo”, amigo de longa data, sempre sereno e discreto. Além de mim, do grupo dos 3ºs faziam parte; o Airoso, grande amigo e companheiro desde os tempos do secundário, o voluntarioso Adalberto, de São Martinho do Porto; o Basso companheiro de peripécias por terras de Chiang Kai-Check, politicamente avançado, com quem aprendi o célebre tema de José Afonso “Os Vampiros”; e o irreverente e amigo Rogério, militante progressista - soube muito mais tarde - de barbichas à Fidel Castro.

    Dos restantes tripulantes não me recordo; marinheiros, cozinheiros, despenseiro, fogueiros, empregados de câmara, etc. Porém, lembro-me do azeiteiro - fazia não sei bem o quê nos compartimentos a vante da Casa das Caldeiras -, de alcunha o Polícia, um homem de Alfama - salvo-o-erro, constando-se cadastrado -, conversador de historietas e anedotas, instigador de um episódio engraçado já na reta final da viagem. Não havia artífice; os trabalhos de torno eram efetuados pelo Melo e pelo Abreu, que na adolescência tinha sido torneiro.

   Não tinha bem noção do que estava a suceder; na minha mente habitava uma suave tristeza pelo fim de um dos ícones mais destacados da nossa Marinha Mercante, a satisfação de ter sido escolhido para uma viagem histórica que se adivinhava particularmente dura - pela duração, além de contornar a África, teríamos que fazer a travessia do Índico, e pelo agravamento das condições térmicas, habitualmente severas na Casa da Máquina -, e a agradável espectativa de conhecer o “mundo novo”, da China insular.

      Tratava-se, sim, de uma medida de racionalização económica; perdido o monopólio do transporte marítimo garantido pelo Pacto Colonial desde o longínquo século XVI, a nossa frota mercante deixara de ser economicamente viável, num contexto de grande turbulência institucional, económica, social e política que o país atravessava.

    Por outro lado, os líderes da nova ordem política empenhavam-se em desmantelar um dos pilares identitários tradicionais dos portugueses; a sua vocação marítima, “o país de marinheiros, de naus, de esquadras e de frotas…”, que dera “novos mundos ao mundo”, cantado por António Nobre e Camões. Uma nova era implicava nova identidade e esta, segundo Eduardo Lourenço, não se ergue sem a destruição prévia da anterior.

(Continua)



Peniche, 19 de Novembro de 2022

António Barreto

sábado, 12 de novembro de 2022

Um Pouco de História (XV)

 

A República Romana

 

   Regressado a Itália para preparar a expedição a África e combater o que restava dos exércitos de Pompeu, César, desapontado com a gestão desbragada de Marco António, e apesar do seu contributo no domínio dos insurgentes republicanos, Milo, Célio e Dolabela, substituiu-o no cargo de Regente de Itália por Lépido, e seguiu para a Sicília.

   Em África tinham-se reunido as tropas de Pompeu, sobreviventes das batalhas de Farsália, Dirráquio, de Corcira e de todo o Oriente, a que se fora juntar Marco Octávio com a esquadra da Ilíria, onde a sublevação fracassara.  

   Aí, as forças republicanas eram governadas por Varo com o apoio rei númida - Juba -, sob a presidência de Catão. A fúria de vingança uniu númidas e romanos na destruição das cidades inimigas e na chacina implacável de todos os prisioneiros, apesar da oposição de Catão, que, apesar de tudo, conseguiu salvar Utica.

   Juba, Varo e Metelo Cipião, ambicionavam o lugar de Comandante em Chefe das forças republicanas, as quais preferiam Catão, tendo este escolhido Cipião - descendente de Cipião Africano - para o cargo.

   Presidindo em Utica ao anti Senado romano, Cipião, cumpria, com zelo e firmeza, um dever que sabia condenado ao fracasso. Armando Libertos e Líbios, constituiu catorze legiões, quatro das quais eram númidas armadas à romana, a que se juntavam mil e seiscentos cavalos germanos e celtas, um esquadrão de cavalaria ligeira de númidas - com besteiros a pé e a cavalo -, cento e vinte elefantes e a esquadra de cinquenta e cinco navios comandada por Públio Varo e Marco Octávio. Com os abundantes mantimentos reunidos e contando ainda com a sublevação das tropas cesaristas da Campânia, esperava-se obter a desforra de Farsália e restaurar a República.

   Do outro lado, César, que sempre soubera conduzir e motivar as suas tropas nas condições mais adversas graças ao seu engenho e ousadia, enfrentava agora a rebelião das legiões da Campânia; fartas de combater campanhas atrás de campanhas, recusavam-se a partir para África, exigindo as baixas e tudo o que lhes tinha sido prometido depois da expedição à Gália; saques, terras e espólios.

   Uma comissão de Senadores enviada por César e comandada pelo historiador Salústio à Campânia, com o fim de persuadir os insurgentes, fracassou, tendo sido insultado o emissário e mortos alguns senadores. Decididos, os soldados marcharam sobre Roma exigindo as baixas e as terras a César.

   Este, perito em controlar homens e multidões, que para cada crise inventava um novo expediente, não se intimidou; foi a Roma ao encontro das legiões, e da tribuna do Foro interpelou os soldados, perguntando-lhes, com desdém, o que pretendiam.

  Quando, milhares de vozes em uníssono lhe responderam ruidosamente que queriam as baixas, respondeu-lhes que já as tinham e que lhes daria tudo o que lhes prometera no dia do seu triunfo…com outras tropas, chamando-lhes quirites (burgueses), com desdém.

  Feridos no seu orgulho militar, descontentes, envergonhados e ofendidos, os soldados murmuraram entre si - pois não haviam de ir com o seu general até ao fim da guerra?-, acabando em uníssono, a pedir perdão a César, implorando que os levasse a África.

   Este anuiu perdoando-lhes a leviandade e afirmando, entre aclamações delirantes, que lhes daria tudo o que prometera e que compraria, com o seu dinheiro, as terras necessárias se as do Estado não fossem suficientes.

   Assim terminou a insurreição.

Júlio César

Créditos: História da República Romana, de Oliveira Martins

Peniche, 12 de Novembro de 2022

António Barreto

sábado, 29 de outubro de 2022

Porque morrem as democracias

 

As Democracias também morrem

 

   A Democracia é uma ideia fascinante, caracterizada pela soberania popular delegada, pela separação de poderes - legislativo, executivo e judicial - e pelo primado da lei, com o propósito de garantir a defesa das liberdades - de expressão, de participação económica e política - da dignidade humana e de ausência de qualquer tipo de discriminação.

   A atividade democrática implica a coexistência de múltiplas plataformas de informação e debate, com caracter aberto e universal, capazes de fomentar e veicular a turbulência de ideias que, fluindo continuamente, hão-de consubstanciar as características do regime em todas as vertentes.

   Sempre que tais plataformas subvertem a sua função colocando-se, encapotadamente, ao serviço de quaisquer interesses particulares, enfraquecem a democracia, originando tensões de vária ordem que, não sendo corrigidas por mecanismos democráticos constituídos para o efeito, em última análise, podem originar guerras civis e ao advento de regimes autoritários.

   Habituámo-nos a olhar para a Democracia como indiscutível e a dissipar as ocasionais dúvidas ou persistentes perplexidades, com a célebre expressão, paradoxal, atribuída a Churchil, segundo a qual “A Democracia é o pior dos regimes, com exceção de todos os outros”.

   Porém, estabelecidos os pilares primordiais, a Democracia deve ser um processo evolutivo de aprimoramento contínuo dos mecanismos que conduzam à universalidade efetiva, e não apenas teórica, do acesso à dignidade de qualquer cidadão; quem quer que seja, onde quer que seja e qualquer que seja a sua condição.

   Quando, um dia, ouvi um líder africano - julgo que Kadafi - afirmar que a Democracia não devia aplicar-se a todos os povos, fiquei perplexo! O descaramento da afirmação era, então para mim, uma tentativa tola de o ditador justificar a autocracia que estabelecera no seu país.

   Mas não esqueci; hoje compreendo melhor a ideia; a compulsão do poder subverte as elites políticas, e a baixa maturidade cívica da população, quando ocorre, torna-a vulnerável à demagogia, à mentira e até ao medo que, insidiosamente, os poderes instituídos vão disseminando.

   Foi assim, com um arregalar de olhos, que aqui há tempos me deparei, surpreendentemente, com um opúsculo - de um dos alfarrabistas que frequento -, com o título “Contra a Democracia” da autoria dum tal Alfredo Pimenta. Tratei logo de o “abarbatar”, ler e indagar a biografia do autor.

   Alfredo Pimenta (1882/1950) foi um intelectual, académico e político destacado - historiador, poeta, ensaísta, jornalista -, natural de Guimarães, com profusa obra literária - num total de 167 obras publicadas. As origens humildes não o impediram de frequentar colégios de qualidade, graças ao seu talento que cedo suscitou importantes apoios locais. Envolveu-se em atividades políticas e, aos “trambolhões”, lá conseguiu licenciar-se em Direito, área que detestava. Ateu primeiro, fervoroso católico depois, patriota, teórico da Mocidade Portuguesa, defensor do regime nazi, crítico dos Aliados, amigo de Salazar e Monárquico absolutista (Um perfil e tanto!)

   Eis alguns extratos do que pensava Alfredo Pimenta da Democracia, num discurso dirigido a universitários, em finais de Outubro de 1948 - candidatos Óscar Carmona e Norton de Matos -, vésperas de eleições presidenciais.

   “Se, de facto, somos inimigos do Comunismo, e das suas torpezas, das suas blasfémias, das suas indignidades, das suas misérias e das suas infâmias, façamos a guerra impiedosa e permanente ao que a produz, ao que é a sua fonte e a sua razão de ser. Numa palavra, combatamos a Democracia; ataquemos a Democracia.

   Corre mundo e entrou em todos os meios a blague sinistra de que, por serem variadas as máscaras da Democracia, não se sabe já o que a Democracia seja. Poliforma, é certo; a sua substância, porém, é inalterável. E esse seu polimorfismo é o recurso interessado daqueles que a Democracia envenenou. E é à custa desse polimorfismo que a Democracia medra, se infiltra, conquista, perverte e leva ao Comunismo.

   Democracia cristã; Democracia orgânica; Democracia positiva; Democracia social; Democracia temperada; Democracia liberal; Democracia isto; Democracia aquilo; Democracia aqueloutro, são máscaras do mesmo erro, pseudónimos do mesmo mal, disfarces do mesmo cancro: a Democracia.

   O polimorfismo satânico que a Democracia apresenta é o fenómeno moderno; desconheceu-o Aristóteles; desconheceu-o S. Tomás.

   Para os dois, a Sociedade podia ser monárquica, se governa um; aristocrática, se governam alguns; democrática, se governam todos.

   Mas o governo de todos é um mito, porque é um absurdo. A sociedade é uma realidade; o governo é outra. Não há sociedade sem governo - proclamou-o Augusto Comte. Pode governar um; podem governar alguns; não podem governar todos. A Democracia que é o governo de todos é conceito metafísico, abstração pura.

   A Democracia nunca se realizou. Sociedade que tentasse realizá-la suicidar-se-ia. Sociedade a governar-se a si própria nunca existiu, porque a mesma noção de sociedade implica organização e hierarquia, e portanto governantes que mandam, governados que obedecem. A Democracia é a negação da organização e da hierarquia: todos mandam, todos governam, todos são soberanos. Nunca se viu; nunca se poderá ver. O mal da Democracia está, antes de mais nada no mito que a constitui, na mentira que representa, na mistificação idiota que personifica.

   As massas são crédulas, ingénuas e estúpidas. Os seus exploradores, os que vivem, enriquecem, engordam, trepam e se fazem à custa dessa credulidade, dessas ingenuidade ou dessa estupidez, são os profiteurs da Democracia, tão repelentes e tão sujos, como aqueles cadastrados que vivem à conta das desgraçadas que pertencem a quem as compra.

   O Comunismo, última fase da vida evolutiva da Democracia, é menos indigno que esta - porque é franco, é lógico, é desassombrado. Os defensores, os propagandistas, os filósofos, os agentes, os sacerdotes da Democracia, ou são comunistas que se desconhecem, ou comunistas que se disfarçam.

   Combata-se o Comunismo como consequência da Democracia; mas combata-se a Democracia como antecedente do Comunismo.

   Defender a Democracia e combater o Comunismo é de imbecil. Opor a Democracia ao Comunismo é de ignorante.

   Se a Democracia, sociedade em que todos governam, não existe, que é que existe com o nome de Democracia? Existe a sociedade em que alguns se governam - mentindo, iludindo, sofismando, arrastando o povo atrás da sua mentira, levando-o, cego e surdo, atrás duma ilusão!

   As massas não raciocinam: creem. E quanto mais compactas e numerosas são, mais obtusa e irrefletida e infantil é a sua crença.

   Não há almas coletivas, não há razões coletivas, não há inteligências coletivas. As massas têm instintos, não têm Razão; têm reflexos, não têm discernimento. Porque as seduz a Democracia? Porque as encanta o Comunismo? Precisamente porque são bárbaros e absurdos.

   Mas essas Democracias que por aí passeiam sua vida, que são afinal? São burlas escandalosas e é à sua qualidade de burlas que devem o poder viver.

(…) Eles sabem, como todos nós sabemos, que a Liberdade, a Igualdade, a Fraternidade, são entre os homens, mistificações, nuns, superstições, noutros.

(…) E as massas creem…E até creem na mais estupenda das calúnias com que se pretende desonrar o Catolicismo - a de que a Democracia é de natureza Católica!

(…) Para os Católicos a resposta é só uma: “Não há poder que não venha de Deus” - Ou, no latim da Vulgata: non est potestas nisi a Deo. Até o poder ilegítimo? Nunca o Apóstolo o disse, nem podia dizê-lo. Porque antes dele já S. Lucas ensinava: “Devemos obedecer mais a Deus do que aos homens: “obediri opportet Deo maggis, quam hominibus”. Logo, há dois Poderes, há duas Autoridades: o Poder ou a Autoridade de Deus; e o Poder ou a Autoridade dos homens. Se pode haver conflito entre os dois, é porque um deles não emana de Deus. Logo, nem todo o Poder vem de Deus. Só vem de Deus o Poder que reconhece Deus como sua fonte de origem. A Democracia tem como dogma fundamental que o Poder está na própria Sociedade, e desta emana. Logo, a Democracia não vem de Deus1.

   Se a Democracia não vem de Deus, o católico não pode obedecer voluntariamente à Democracia, nem ser seu apologista, defensor ou serventuário.”

   Descontando a espantosa apologia da Monarquia Absolutista e do nazismo, a estrutura de raciocínio relativa *a Democracia, não é destituída de senso.

   Perante a atualidade política nos regimes democráticos - Ocidente -, nomeadamente em Portugal, Espanha, França, EUA, Brasil, etc., e o que sucedeu com a Venezuela, o Chile, o Uruguai, etc., dei comigo a pensar se a Democracia não será a armadilha do Socialismo.

  Certo, certo é que a Democracia está cheia de armadilhas que os oportunistas, falsos democratas, demagogicamente, insidiosamente, vão lançando e normalizando, na obstinada compulsão do poder que lhes permite, e às suas clientelas, apropriarem-se das riquezas dos povos. Por tudo isto é imperioso conduzir os regimes democráticos a níveis que impeçam o seu desvirtuamento.

   Finalmente, fiquei a perceber melhor a razão primordial da incompatibilidade do Republicanismo com o Catolicismo e da insana perseguição deste pelos regimes republicanos.

                                                                 Alfredo Pimenta

1Ver o ensaio teológico-político do autor: A Igreja e os Regimes Políticos, Lisboa, 1942.

Peniche, 29 de Outubro de 2022

António Barreto

domingo, 23 de outubro de 2022

Parabéns Benfica

 

Parabéns Benfica

 

   A vitória da passada sexta-feira sobre o rival do norte foi, para mim, um feito histórico do Benfica “moderno”. E foi um feito histórico porque o clube encontrou-se consigo mesmo, com a sua cultura, com a sua força, com o seu talento, com a sua determinação. Sem constrangimentos mentais ou materiais, o Benfica bateu-se, sem medo de querer ganhar, sem medo de perder.

   É este o “meu” Benfica, o que perfuma os relvados da Europa e do mundo com a sua arte, a arte de jogar futebol, encantando adeptos e adversários, granjeando respeito e admiração geral.

   E é isto que alguma gente não percebe; que mais que ganhar, interessa a forma como se ganha, a forma como se está no desporto, que não deve ser, nunca deveria ser uma guerra, para atenuar frustrações da vida, alimentar ideias de grandeza patológicas ou simplesmente servir de compensação de contornos políticos.

   O Benfica ganhou porque foi igual a si próprio, planeando, trabalhando com competência e união, a tempo, para o objetivo assumido de ganhar, de cabeça levantada, olhos nos olhos, com respeito mas sem medo.

   Cabe aqui recordar Eusébio, cujas distintas qualidades atléticas eram mobilizadas por uma superior força mental; embevecido perante a constelação de estrelas que constituíam a equipa do Real Madrid, de que se destacavam Di Stefano e Puskas, o jovem Eusébio - de vinte anos -, não perdeu a vontade indomável de ganhar; “mas eu queria ganhar”, confessou-nos ter pensado, há não muito tempo.

   E é este, quanto a mim, o seu principal legado, que deveria ser recordado no clube, espalhando pelos locais estratégicos do estádio esta sua singela e sincera recordação.

   Rui Costa conheceu esta força, viveu-a - foi escolhido pelo Pantera Negra, para as escolinhas do clube -, pisou os grandes relvados da Europa e do mundo, ao serviço dos seus clubes e da Seleção nacional, por onde espalhou o génio tranquilo e perfumado do seu futebol, conquistando títulos, deixando um rasto de admiração e respeito que perduram no tempo, graças também à cordialidade e respeito que sempre demonstrou ter por todos; colegas, técnicos, dirigentes, adeptos, etc.

   O Benfica renasce pela mão de um dos seus “filhos”, que, francamente, julgava transviado, enredado na retórica das obras, do “já ganhámos muito”, do “não podemos ganhar sempre”, do “ os outros também têm que ganhar”, do “mais tarde ganharemos muito”.

   Era nisto, afinal que consistia a “refundação do clube”, planeada pela Direção precedente; o conformismo e a solidariedade populista.

   Mas o Benfica ganhou também por outra surpreendente razão: a equipa de arbitragem foi o que sempre deveria ter sido; capaz de interpretar e aplicar as leis do jogo!

   Francamente não estava à espera, sobretudo depois de saber quem seria o VAR, o conhecido e “azarado” Tiago Martins.

   Recordo os dois campeonatos precedentes, o último, em que, contra o mesmo adversário, nos dois jogos, foram anulados dois golos ao Benfica por fora de jogo, um por 4 cm, outro por…2 cm, e o anterior – 2020/2021 - em que nas 32 primeiras jornadas o Benfica tinha assinaladas a seu favor zero penaltis! Zero, enquanto este adversário, no mesmo período já contabilizava 15 - ou 16!

   O caminho é este; parabéns Benfica, parabéns Rui Costa, parabéns Roger, parabéns equipa.

   Vamos em frente e seja o que Deus quiser, mas que ninguém diga ou pense sequer, que o Benfica tem medo.

   Nós, adeptos, estaremos ao vosso lado; lembrem-se disso quando enfrentarem os adversários; batam-se por vós e…por nós, que somos a alma do clube.




Peniche, 23 de Outubro de 2022

António Barreto

sábado, 22 de outubro de 2022

Quem Traíu o 25 de Abril?

 

Quem traiu o 25 de Abril?

 

   Mostra-nos a História que, em geral, os vencedores contam-na à sua maneira, invariavelmente enaltecendo os seus feitos contra as forças do mal, inevitavelmente defendidas pelos vencidos, ocultando as suas próprias fraquezas e os eventuais méritos daqueles.

   A independência incondicional das Províncias e Estados ultramarinos portugueses, era uma solução possível entre outras, dependente da escolha das populações.

Ora vejamos o que pensavam alguns dos protagonistas do pós-25 de abril:

Almeida Santos; Ministro da Coordenação Interterritorial, 21/5/1974, República:

“Lourenço Marques, 21, O Ministro Português da Coordenação Interterritorial, António de Almeida Santos, que a independência será uma das opções de um referendo as realizar em Moçambique dentro de um ano.

   Disse que o referendo que vai ser organizado em cada um dos territórios ultramarinos dentro de um ano seria “mais ou menos baseado no princípio de um homem, um voto”.

   Depois de informar que os menores de 18 anos não votariam, acentuou que não se trataria de um referendo adequado caso fosse seguido o sistema anterior de apenas votarem as pessoas que sabem ler e escrever.

   A respeito da luta que há dez anos grassa no território contra os guerrilheiros da Frelimo, o dr Almeida Santos afirmou estar “absolutamente fora de questão”, admitir a possibilidade de não se chegar a acordo com os dirigentes da Frelimo.”

(O sublinhado é meu)

Mário Soares, Ministro dos Negócios Estrangeiros, O Século, 23/5/1974:

   “Mário Sares sublinhou que Portugal pretende a descolonização (e não o neocolonialismo) e que procura contactos bilaterais com os movimentos africanos, a fim de acelerar o processo para a autodeterminação.”

Palma Carlos, Primeiro-Ministro, em entrevista a La Vanguardia, Diário de Notícias, 18/5/1974:

   Barcelona, 17. “A criação de um estado federal é uma solução óptima a considerar, mas tal fórmula depende das circunstâncias. (…)

   É um problema muito delicado, em que o Gabinete começou já a trabalhar e a seu tempo poderemos dar a resposta.”

General Costa Gomes, em Antuérpia, 7/6/1974, Diário de Notícias:

   Antuérpia, 6 – “Estou convencido de que Angola decidirá continuar portuguesa. Em Moçambique a situação é mais complicada, mas o espírito português será decisivo”, declarou o general Costa Gomes em entrevista a To The Point International, revista de expressão inglesa publicada em Antuérpia.”

   Estas declarações ajudam-nos a perceber melhor as causas da demissão de Palma Carlos Primeiro Ministro do I Governo Provisório e do descalabro das unidades militares enviadas para os territórios ultramarinos nesse período; Portugal ficou sem poder negocial, por sua própria iniciativa.

   Os ideais do primitivo MFA foram defraudados pela dinâmica partidária de esquerda que prevalecia na época, com a população eufórica e embevecida com o fim do “fascismo” e o advento da “liberdade” e “prosperidade”.


Peniche, 22 de Outubro de 2022

António Barreto


sábado, 15 de outubro de 2022

Um Pouco de História (XIV)

 

A República Romana

Regresso a Itália

 

     Marco António, braço direito de César após a morte de Cúrio em África, ficara, por decisão daquele e durante a sua ausência, com a regência de Itália. Soldado temível, sem requintes de vestuário e de espada sempre à cinta, o hercúleo Marco António, uma espécie de Adónis, era adorado pelos seus soldados, com os quais confraternizava pelas tabernas de Roma.

   Rodeando-se de artistas, cómicos, mímicos, bufos, músicos e meretrizes, o regente transformou a cidade num enorme bordel, passeando-se nos braços da sua amada Cíteris, a mais famosa, num carro puxado por dois leões, ao som dos coros de harpistas e do exotismo de bailarinas.

   Famílias decentes foram obrigadas a acolher prostitutas em suas casas; os banquetes sardanapalescos sucediam-se transformando a cidade num gigantesco bordel. Marco António, exuberante, rindo de tudo e de todos, ostensivo e autoritário vivia em estado de embriaguez permanente, chegando a vomitar em plena Tribuna num dos Comícios. Companheiro de César na desbragada juventude, era desprezado, temido e usado por este.

    Perante a rebelião organizada pelos defensores dos aristocratas Célio, Milo e Dolabela, que procuraram sublevar as cidades de Túrio e Cápua, com o objetivo de restaurar a República, Marco António não hesitou em opor-se-lhe, dominando-a, garantindo o domínio de César. Os insurgentes, receosos de perder privilégios, planeavam abolir todas as dívidas e dar alforria a todos os escravos.

   Regressando a Itália em 45 a. C. com a finalidade de preparar a expedição a África, onde se reorganizava o que restava dos exércitos de Pompeu, César, eleito Cônsul, substituiu o desacreditado Marco António por Lépido na regência de Itália.

   Este, entretanto, casara com a viúva de Clódio, Fúlvia, mulher abastada e com ambições políticas, que o convenceu da necessidade de adotar uma postura decente e grave.

Fúlvia

(Continua)

Créditos a: História da República Romana, de Oliveira Martins

Peniche, 15 de Outubro de 2022

António Barreto

sábado, 8 de outubro de 2022

Um Pouco de História (XIII)

 

A República Romana

Do Egipto ao Oriente

 

   Uma vez no Egipto, César decidiu dirimir o conflito real. Instalou-se com duas legiões e oitocentos cavalos em Alexandria, no palácio dos Ptolomeus, suspendeu as hostilidades, nomeou árbitros e restaurou no trono os irmãos-esposos. Aos segundos filhos do Auleta, Arsínoe e Ptolomeu, o Moço, atribuiu os rendimentos de Chipre. Para si impôs uma indemnização de dez milhões de dinheiros.

   Repousava nos braços da jovem Cleópatra - de 16 anos -, que se viu a braços com a insurreição dos alexandrinos. Arsínoe e seu valido Ganimedes comandavam a rebelião nacionalista que alastrara a toda a cidade. Alexandria era uma metrópole cosmopolita, maior que Roma, que as forças de ocupação romana, devido à longa permanência, adotaram juntando-se aos sediciosos.

   Salvou César os reforços que chegaram por mar; uma legião da Síria que tinha chamado, e Mitridates de Pérgamo, filho do lendário Mitridates do Ponto, com um exército multitribal.

   Este desbaratou as forças de Arsínoe, juntando-se-lhe César, que conseguira romper o cerco à ilha do farol onde se refugiara. As forças egípcias foram aniquiladas em batalha ou afogados no Nilo, incluindo o rei Dionísio.

   César, de novo magnânimo, exortou os egípcios a cultivarem a paz, deixando três legiões de guarnição à capital. Entregou o trono à sua amada Cleópatra juntando-lhe o irmão mais novo, Ptolomeu o Moço, mandou prender Arsínoe em Itália e anexou Chipre à República.

   Sanado o problema do Egipto, que lhe ocupara todo o inverno de 47-48 a. C. urgia resolver os problemas pendentes no Oriente, para depois fazer a limpeza final em África onde se tinham reunido as forças de Pompeu.

   Em cinco dias resolveu o assunto; chegou, viu e venceu; entregou a coroa do Bósforo a Mitridates como recompensa do apoio no Egipto, deu a Arménia ao rei da Capadócia, puniu os aliados de Pompeu, regulou todos as questões pendentes e regressou a Itália para os braços da sua Cleópatra, onde iria preparar a última expedição a África.

A Morte de Cleópatra - Jean Baptiste Renault

Créditos a: História da República Romana, de Oliveira Martins

(Continua)

Peniche, 08 de Outubro de 2022

António Barreto

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Um Pouco de História (XII)

 

O Fim de Pompeu

 

   Vencido em Farsália, Pompeu pensou reorganizar as suas forças e prosseguir a guerra em novos teatros. Desistindo da Síria que se declarara por César, onde pretendia aliar-se aos Partos, rumou ao Egipto.

   No Egipto reinavam, desde 50 a. C., os filhos do Auleta; Ptolomeu Dionísio, com dez anos e Cleópatra, com dezasseis anos, irmãos e esposos.

   Ptolomeu expulsou Cleópatra que se refugiou na Síria preparando-se para dar batalha ao irmão-esposo, no Egipto.

  Este, com Potino, seu tutor, e o seu exército, aguardava em Pelusa pronto a travar o passo à irmã-esposa.

   Foi neste contexto que chegou o trirreme de Pompeu fundeando junto ao promontório de Cásio.

   Conhecedores do resultado de Farsália, pensando inicialmente recusar o pedido de desembarque de Pompeu, os egípcios, temendo o efeito que a sua presença produziria nas suas forças, onde se tinham alistado militares romanos clientes daquele, resolveram atrai-lo a uma cilada para o assassinar.

   Um grupo de emissários subiu a bordo e, amavelmente, convidou Pompeu a descer o escaler e ir à presença do rei.

   Apesar dos receios de sua mulher Cornélia e de seu filho Sexto, Pompeu aceitou. De pé, à popa, ia declamando, em grego, num tom triste, o texto que tinha preparado para ler ao Rei egípcio.

   Da tripulação do escaler fazia parte Septímio, que Pompeu reconheceu da guerra da Arménia, em que fora seu soldado. Septímio, silencioso, confirmou abanando a cabeça afirmativamente quando lhe foi perguntado.

      Regressara Pompeu à declamação quando o escalar bateu na areia. Ao voltar-se para desembarcar, Septímio, friamente, cravou-lhe a espada nos rins. Pompeu cobriu a cabeça com a toga e não opôs resistência às estocadas dos restantes tripulantes jazendo agonizante na praia ante os gritos angustiados de Cornélia e os soluços de Sexto, que tudo presenciaram, impotentes. Era 28 de Setembro de 48 a. C..

   César, que saíra de Farsália em perseguição de Pompeu, não chegara a tempo a Alexandria. Quando lhe trouxeram a cabeça do sogro e o anel com o selo seu conhecido, César voltou a face e chorou com sinceridade.

Créditos a: História da República Romana de Oliveira Martins


                                                               A Morte de Pompeu

Peniche, 05 de Outubro de 2022

António Barreto

domingo, 2 de outubro de 2022

Descolonização e Autodeterminação

 

Descolonização e Autodeterminação

Como se enganaram os povos com a falsa ideia de Liberdade

 

   Convencem-se as populações com propósitos altruístas, ideias generosas e bons propósitos atenuando reações adversas e, pouco a pouco, lentamente, de inevitabilidade em inevitabilidade, o país vai sendo conduzido ao açougue do socialismo.

   O “direito inalienável dos Povos à Autodeterminação” deu lugar ao “direito dos Povos ocuparem incondicionalmente qualquer espaço territorial”, entenda-se; povos africanos, asiáticos e sul-americanos e territórios Ocidentais.

   Aqui, numa confrangedora e abusiva assunção de culpa coletiva, a nacionalidade é atribuída a qualquer um. Critérios de identificação histórica, convergência cultural, domínio do idioma e vínculo nacional são postos de parte.

   Os novos portugueses são apresentados como “salvadores” dos outros por, alegadamente, assegurarem as tarefas de que estes foram sistematicamente afastados, e providenciarem o financiamento do Estado Social.

   A matriz demográfica vai-se transformando e a diversidade cultural dá lugar à desagregação social comprometendo a Nação, requisito primordial dos países, em qualquer época histórica.

   Hoje, as frentes progressistas difundem a necessidade de “africanização da democracia”, levantando a ponta do véu do objetivo político; a adoção dos valores culturais e sociais dos “novos nacionais”, relativizando os tradicionais.

   A histórica resistência do povo profundo à expansão do progressismo vai sendo atenuada pela importação maciça de imigrantes, garantindo a hegemonia política futura dos respetivos partidos políticos.

   Sucede porém que tal constitui uma perversão da democracia e do Programa do MFA na medida em que os partidos deveriam emanar do povo em função dos vários interesses em jogo e não replicar modelos externos impostos às populações, conforme agendas dos velhos, mas ainda vivos, internacionalismos ideológicos.       

   Vejamos o que disse o Ministro da Coordenação Interterritorial, António de Almeida Santos:

   “O ministro português da Coordenação Interterritorial, António de Almeida Santos, declarou hoje que a independência será uma das opções do referendo a realizar em Moçambique dentro de um ano.

   Disse que o referendo que vai ser organizado em cada um dos territórios ultramarinos dentro de um ano “seria mais ou menos baseado no princípio de um homem um voto”.

   Depois de informar que os menores de 18 anos não votariam, acentuou que não se trataria de um referendo adequado caso fosse seguido o sistema anterior de apenas votarem as pessoas que sabem ler e escrever.

   A respeito da luta que há dez anos grassa no território contra os guerrilheiros da Frelimo, o Dr. Almeida Santos afirmou estar “absolutamente fora de questão” admitir a possibilidade de não se chegar a acordo com os dirigentes da Frelimo.”  

República, 21 de Maio de 1974

   Mas o referendo não se efetuou contrariando o estipulado no Programa do MFA, e as promessas feitas ao povo português, metropolitano e ultramarino.

   Nem novos nem velhos, nem letrados nem analfabetos, nem pretos nem brancos, nem sequer como no anterior regime; ninguém foi chamado a pronunciar-se!

   Os novos democratas, autoproclamados antifascistas, que, de cravo ao peito cantavam a Grândola, “O Povo é quem mais ordena…”, decidiram pelo povo, traindo-o.

   Os interesses americanos e soviéticos, e dos nossos atuais parceiros europeus, representados pelos partidos dominantes da época em Portugal, PS e PC, sobrepuseram-se ao “direito inalienável dos povos autodeterminação”.

   A democracia portuguesa começou com uma grande mentira, a promessa da autodeterminação.    

O sublinhado é meu.



Peniche, 2 de Outubro de 2022

António Barreto

sábado, 1 de outubro de 2022

Um Pouco de História (XI)

 

De llerda a Farsália

 

    Tomada Itália, César decidiu ir no encalço de Pompeu que fizera Quartel-General na Grécia, mas tinha forças consideráveis em Espanha e em África.

    César decidiu começar pela Espanha; concentrou no Ródano nove legiões e cinco mil cavalos e seguiu para Massília - atual Marselha -, que se tinha declarado por Pompeu, pondo-lhe cerco com parte das forças, avançando com as restantes para os Pirinéus tomando posição de combate em llerda - atual Lérida.

   As forças de Pompeu, consideravelmente superiores, eram constituídas por cinco legiões, quarenta mil infantes celtiberos, cinco mil cavaleiros lusitanos e as duas legiões de Varo.

   César ganhou em llerda graças ao seu engenho; encurraladas pelos cursos de água devido ao mau tempo, que destruíra a única ponte de retirada, fragilizadas pela fome e doenças, ante a inépcia de Pompeu, César improvisou uma nova ponte e, carregando sobre o acampamento inimigo impôs-lhe a retirada para a direita do Ebro.

   Com as cidades da margem esquerda dominadas, César perseguiu o inimigo e aceitou a capitulação; libertou os oficiais e mandou os soldados, desarmados, para suas casas, os espanhóis, e para a fronteira da Gália, os italianos. As cidades pompeianas da Espanha Ulterior entregaram-se-lhe, tal como uma das legiões de Varo e, finalmente, Massília.

   Tomada Espanha seguiram-se a Sardenha e a Sicília donde Itália se abastecia de cereais. O plano de Pompeu de submeter César pela fome, fracassara.

   Cúrio o General cesarista que tomara a Sicília, seguiu para África desembarcando duas legiões e quinhentos cavalos em Adrumeto para dar combate a Varo, General de Pompeu que escapara de Espanha com a segunda legião e acampara em Utica.

   Depois de bater Varo e pôr cerco a Utica, as forças cesaristas foram derrotadas por Juba, que acorrera em socorro daquele. Cúrio, o janota de Roma, braço direito de César, que se revelara talentoso general morreria na batalha.

   Perdidas Espanha, Sardenha e Sicília, Pompeu mantinha o domínio em África e da costa oriental de Itália; no mar Adriático derrotara a esquadra cesarista de Públio Dolabela e na Ilíria forçara a capitulação de Caio António, fazendo prisioneiras quinze coortes (uma coorte era a décima parte de uma legião).

   Tomadas as providências urgentes em Roma, de que fora nomeado ditador pelo Senado, César reuniu as suas forças em Brundísio, decidido a dar batalha a Pompeu na Macedónia. Com os navios que, entretanto, mandara construir, atravessou o mar Adriático com seis legiões e seiscentos cavalos com destino a Dirráquio, que pretendia atacar logo que chegassem as restantes legiões de Brundísio.

   Porém, O filho de Pompeu - Pompeu o Jovem -, que comandava a frota deste, destroçou os navios cesaristas ao regressarem a Brundísio ficando César isolado de Itália com metade das suas legiões, com as quais pretendia atacar Dirráquio.

   Porém, Pompeu com forças duplas das de César, chegou a tempo de defender Dirráquio, deixando aquele em situação crítica, mas resolveu acampar nas proximidades aguardando reforços da Síria, considerando certa a vitória.

   Vieram sim, quatro legiões e oitocentos cavalos reforçar as tropas de César, graças ao arrojo de Marco António que as trouxe de Brundísio apesar do mau tempo e das forças pompeianas.

   Recusando-se a perseguir as tropas cesaristas em retirada convencido que se tratava de uma emboscada, Pompeu resolveu acampar, aguardando reforços e o enfraquecimento do inimigo pela fome.

   Contudo, os reforços continuaram a chegar mas para César, vindos de Itália, Quinto Cornifício juntou-se-lhe pela rota da Ilíria tal como a divisão de Calvino.

   As forças cesaristas cercaram o acampamento inimigo cortando-lhe o abastecimento de água, ao desviar o curso dos ribeiros, deixando os pompeianos desesperados. Estes investiram no litoral destruindo todos os navios de César que lá se encontravam, deixando-o ainda mais isolado. Desesperado, este, levou tudo e todos a ferro e fogo, resolvendo o problema dos abastecimentos.

   Pompeu, não percebendo o que estava a suceder, enviava mensagens triunfais para a sua esposa Cornélia. Os seus correligionários, a fina-flor de Roma, sentiam-se já livres de César embora não confiassem em Pompeu; não lhe perdoavam ter sido aliado de César e por ter restaurado o poder dos Tribunos - em 69 a. C. Bruto odiava-o por lhe ter assassinado o pai.

   A euforia era geral. Compravam-se casas em Roma com vista ao próximo ato eleitoral. Mas Favónio, que ficara a defender Dirráquio exclamava: “ Meus amigos, não será ainda este ano que comeremos os figos de Túsculo”.

   E estava certo. Era Agosto do ano 47 a. C. Os dois exércitos perfilaram-se com o ribeiro Enipeu de permeio. Quarenta e sete mil homens e sete mil cavalos de Pompeu, contra vinte e dois mil e um batalhão de cavalaria germânica de César; a fome, as doenças e as marchas forçadas tinham-lhe reduzido a metade as suas oito legiões. A batalha de Farsália, decisiva para os destinos da República, iria consumar-se.

   Iniciada a batalha, quando a sorte caía para as forças de Pompeu graças à sua cavalaria que ameaçava aniquilar a de César, este deslocou dois mil legionários veteranos que, de forma imprevista, carregaram sobre o inimigo de lanças em riste. Surpreendida, a cavalaria pompeiana de Labieno foi desbaratada. Dizimando sem dificuldade o corpo de besteiros inimigo e contornando a infantaria, os legionários cesaristas caíram sobre a retaguarda das legiões de Pompeu que tinham pela frente o grosso das tropas de César, decidindo a batalha em favor de César-

   Pompeu, sozinho e triste, retirou-se para o acampamento donde fugiu em busca de um navio que o salvasse. Decapitadas, as suas legiões, quase intactas, retiraram-se para o acampamento, resistindo e fugindo, acabando cercadas e submetidas por César nos montes de Escotussa.

    Assim terminou a batalha de Farsália. No teatro de guerra jaziam, entre mortos e feridos, quinze mil homens de Pompeu. Os vinte mil restantes entregaram as armas na manhã seguinte.

  Duzentas foram as baixas de César, vinte mil as de toda a campanha. A habitual clemência deu lugar à vingança para exemplo dos indecisos; incorporaram-se os soldados prisioneiros, executaram-se senadores e cavaleiros, em geral, e confiscaram-se os bens dos ricos.

   Reis e cidades entregaram-se. Parte dos vencidos pediram clemência, como Bruto, filho de Servília, amante de César; outros fugiram para Itália, como Cícero, salvo por Catão de ser executado como traidor; outros ainda, fiéis à República mas cientes da vitória da monarquia, seguindo voluntariamente Catão, exilaram-se em África onde planeavam reunir as forças dispersas de Pompeu.

A Batalha de Farsália, 48 a. C. (Adam Hook)

(Continua)

Peniche, 01 de Outubro de 2022

António Barreto

domingo, 25 de setembro de 2022

A tutela das crianças

 

O Partido Socialista e as crianças

  

    O caso dos pais de Famalicão, que rejeitam a frequência dos seus filhos à disciplina de cidadania - por, o seu currículo conter matéria que consideram moralmente reprovável e de sua exclusiva competência -, alertou a população para a abusiva intromissão do estado na esfera familiar.

   Numa primeira reação, naturalmente superficial, e em geral, atribuiu-se esta ingerência ao radicalismo progressista do Secretário de Estado da Educação da época, consequência da cedência do PS às exigências do BE e PCP pelo apoio político, que lhe permitiu formar Governo apesar da derrota eleitoral que obteve.

   Tratar-se-ia pois de um mal necessário. Até porque, que saiba, nenhuma figura grada do Partido veio a público apoiar o governante. Apareceram por aí umas figuras menores a defender a posição e a lançar o estigma da irresponsabilidade sobre os pais.

 Porém, o caso é bem mais profundo, enforma a doutrina do próprio Partido Socialista e é compaginável com o socialismo puro e duro.

   Nas minhas deambulações literárias deparei-me com um “Comunicado do Partido Socialista sobre a Mulher Portuguesa”, publicado no jornal República em 24 de Maio de 1974, que reza assim:

“Foi constituída no Partido Socialista uma Comissão da Promoção da Mulher em Portugal. Propondo-se estudar profundamente a situação da mulher em Portugal e encontrar resposta para os problemas que lhe dizem respeito, a nova Comissão do Partido Socialista adota como base da sua atuação as seguintes reivindicações:

1.       Salário igual para trabalho igual, com igual possibilidade de acesso a todas as profissões.

2.       Democratização da família com imediata abolição do poder paternal, substituído por responsabilidade dividida entre os dois conjugues.

3.       Abolição da Concordata.

4.       Leis do divórcio facilitadas, e abolição da discriminação entre o homem e a mulher em face dessas leis.

5.       Aborto legalizado, não como método de planeamento familiar, mas como primeira fase para disseminação de métodos contracetivos.

6.       As crianças devem ser responsabilidade de toda a sociedade e não só da família.

7.       Creche nos locais de trabalho, em freguesias e nos meios rurais.

8.       Assistência à maternidade aumentando o tempo de ausência justificada nos locais de trabalho.

9.       Direito à reforma para a mulher que não exerce qualquer profissão remunerada, trabalhando apenas em casa.

10.   Desaparecimento da discriminação em relação à mãe solteira.

   “Toda a Sociedade” em termos práticos é o Estado. E o Estado é o Partido que o ocupa, neste caso, o PS, que entende ter o dever de, em nome de “toda a Sociedade”, e ao arrepio dos preceitos constitucionais, educar moralmente as crianças de acordo com as suas prioridades doutrinárias. Formatar o futuro eleitor construindo, desde a base, o seu “homem novo” é efetiva motivação profunda do Governo Socialista e não circunstancial. A prova disso mesmo reside na promoção a Ministro do Secretário de Estado envolvido neste caso.



Peniche, 25 de Setembro de 2022

António Barreto