O Caso da Guiné:
De Maio a Junho de 74, as
delegações de Portugal e do PAIGC debatem os termos do reconhecimento da
independência da Guiné. O lado português foi representado por Mário Soares,
Almeida Santos, Jorge Campinos e Almeida Bruno, e o PAIGC por Pedro Pires e
José Araújo. O General Spínola dera ordens precisas ao tenente-coronel Almeida
Bruno para salvaguardar os interesses dos oficiais e sargentos dos batalhões de
comandos e dos chefes das milícias, constituídas por cerca de 20000 homens (os
guerrilheiros do PAIGC eram cerca de 6000).
Porém quando, na sequência dos acordos de Argel, Portugal reconhece o
estado da Guiné-Bissau, não foi incluída, nem na ata, nem nos respetivos
anexos, qualquer cláusula de salvaguarda da segurança dos militares portugueses
negros. Assegurou-se-lhes o pagamento dos salários até 31 de Dezembro de 1974,
o pagamento das pensões de sangue, de invalidez e de reforma e colaboração na reintegração
na vida civil da Guiné dos soldados desmobilizados, em especial dos graduados e
comandos.
O governo Português ignorou a Lei
da Justiça Militar do PAIGC que condenava à pena de morte por fuzilamento todo
o guineense que tivesse combatido ao lado das forças portuguesas ou, de alguma
forma, colaborado com elas, considerando-os traidores.
Centenas de militares e cidadãos
portugueses africanos foram chacinados, fuzilados na solidão das matas, ou em
espaços públicos, e atirados para valas comuns.
A transferência de aquartelamentos decorreu num ambiente de
confraternização entre militares portugueses e guerrilheiros do PAIGC. A “revolução
de Lisboa” tornara vencedores os que não tinham conseguido vencer no campo de
batalha.
Em agosto, as três unidades de fuzileiros africanos, os DFE 21, 22 e 23,
são desativadas e, a contragosto, desarmadas, permitindo-se-lhes ficarem com
dez G3 por unidade e algumas pistolas, com vista à manutenção da segurança das
instalações e do pessoal metropolitano. Disciplinados, leais e confiantes, os
militares acataram as ordens, recusando a oferta de integração na marinha do
PAIGC, preferindo regressar a suas casas.
Na turbulência de abril, o competente general Bethencourt Rodrigues, que substituíra o general Spínola é, por sua
vez, substituído pelo coronel Mateus da Silva, e este, finamente, pelo tenente-coronel
graduado em brigadeiro Carlos Fabião, como Alto-Comissário. Mais um equívoco do
general Spínola.
Em Moçambique, a bandeira portuguesa é arrastada pelas ruas de Lourenço
Marques e em Angola, Pezarat Correia
desarma os brancos retirando-lhes qualquer veleidade de defesa dos seus
interesses. Para a História fica a vergonha das unidades do Exército obrigadas
a abandonar os quartéis em cuecas. Outro feito de abril que “ficaria bem” em
qualquer muro encomiástico.
“Na Guiné, ainda antes da independência e à medida que as Forças Armadas
portuguesas retiram, explode o sentimento de vingança do PAIGC contra os seus
concidadãos que estiveram ao lado de Portugal, e começam os assassinatos.
A primeira vítima é o tenente Abdulai Queta Jamanca, que pertencera à
1ª Companhia de Comandos Africanos e participara na operação “Mar Verde”, um
herói condecorado pelo general Spínola. Jamanca
era um mito entre os africanos, um príncipe local que, servindo então na
Companhia de Caçadores 21, em Babadinca,
foi fuzilado naquela localidade após ter sido preso numa horta perto de sua
casa.
(…) Logo a seguir ao 11 de Março de 1975 em Lisboa, o PAIGC lança uma
enorme operação de limpeza entre os ex-soldados, os ex-marinheiros e os ex-milícias, portugueses e guineenses, com o
argumento falacioso de que pretendiam desferir um golpe de estado na Guiné. No
11 de Março planeara-se, em Lisboa, a “Matança da Páscoa” com cerca de 500 personalidades
elencadas pelo MDP/CDE (braço “intelectual” do PCP) e eliminar ou aferrolhar
pelo COPCON e Luar. Na Guiné, largas centenas de antigos militares são presos,
torturados e fuzilados (500, segundo as autoridades informaram posteriormente,
1000 de acordo com os seus companheiros sobreviventes). Muitos dos prisioneiros
são pendurados pelos pés e chicoteados até à exaustão. Outros obrigados a
carregar às costas gigantescos pneus de Berliet
com as respetivas jantes.
Joaquim Baticã Ferreira, rei
manjaco e antigo deputado da Assembleia Nacional Popular, muito querido do seu
povo, credor de grande consideração por parte das autoridades portuguesas, e
Didi, um sargento dos comandos africanos natural de Cdjindjaça - povoação um pouco a norte de Bissau -, são fuzilados
depois de julgamento sumário. Para os humilhar, amarram-lhes as mãos atrás das
costas e, de joelhos no chão, nem lhes dão o direito a defender-se. Aquilo a
que chamaram julgamento durou apenas um minuto.
Os fuzilamentos não param. Nas matas, em aeroportos, nos campos de
futebol, na presença das populações, centenas de guineenses, cujo único “crime”
foi terem sido leais à sua Pátria, acabam por ser sumariamente executados.
Os linchamentos continuam até aos anos 80, sob as ordens de Luís Cabral,
ao tempo, Presidente da Guiné. Os corpos são atirados de qualquer maneira para
as valas comuns nas matas de Jungudul, Cumeré,
Portogole, Mansabá e Mansoa e, pretendendo que tudo tivesse um ar de
legalidade, era então passada uma ingénua certidão de óbito – muitas vezes em
papel timbrado e selado com as armas de Portugal -, na qual se atestava que “faleceu
por fuzilamento um indivíduo do sexo masculino…”
Questionado, em 1994 pelo jornal “O Diabo” sobres estes fuzilamentos, o
brigadeiro ex-Alto Comissário da Guiné Carlos Fabião, “herói de Abril”
respondeu com um lavar-de-mãos endossando as responsabilidades para o
embaixador Sá Coutinho. Este, por sua vez, reconhecendo ter tido conhecimento
de algumas perseguições considerava que tal informação não devia passar as
paredes da embaixada!
Foi “Nino” Vieira, líder do golpe militar de 14 de Novembro de 1980, que
depôs o Governo de Luís Cabral, que pôs fim a esta chacina. Em 22 de Novembro, “Nino”,
procurando legitimar o golpe que o levou ao poder, conduz os diplomatas acreditados
e os jornalistas às valas comuns, demonstrando a barbárie do regime de Cabral.
Este viria a exilar-se em Portugal onde viveu e morreu tranquilamente
enquanto “Nino” Vieira, o respeitado combatente do PAIGC viria a ser
assassinado num golpe idêntico ao que o levara ao poder.
Os testemunhos dos atos sanguinários, tenebrosos, de Luís Cabral a que a
administração portuguesa do regime de Abril fechou os olhos, são violentos e
convocam-nos a repudiar a narrativa construída por socialistas e comunistas acerca
das virtudes da “Revolução dos Cravos”.
Foi Luís Cabral que ordenou o assassinato dos três majores em Teixeira
Pinto, quando estes, de boa-fé, desarmados, se dispunham a negociar a paz com
elementos do PAIGC com tinha sido combinado. Spínola escapou por mero acaso.
Foi Luís Cabral, cordialmente recebido em Portugal após deposto, que
mandou derrubar as estátuas de Teixeira Pinto, Diogo Gomes, Diogo Cão, Honório
Barreto e D Henrique. Só a estátua de Maria da Fonte, na Praça do Império, escapou
à sua sede de vingança.
Foi Luís Cabral que encarcerou militares portugueses num paiol de
munições em Farim, onde muitos morreram de claustrofobia e dos outros ninguém
conhece paradeiro.
Foi Luís Cabral que, de 1976 a 1978 prendeu e fez desaparecer vários
militares portugueses, constando tê-los mandado para Angola combater ao lado do
MPLA, contra a UNITA, donde nunca regressaram. E por cá, também nenhuma das
autoridades quis saber.
Foi Luís Cabral que mandou trazer do Senegal os militares portugueses
que lá se refugiaram, mandando-os fuzilar em Cuntima (fronteira) e Bafatá,
onde, num só dia, no ano de 1975, foram mortas 480 pessoas, confirmadas à
rádio pelo Ministro do Interior de Cabral.
Foi Luís Cabral, réplica do tenebroso Idi Amin Dada, que ordenou fuzilamentos em Cuntima, Farim, Mansôa, Bissorã, Mata de Mansabá, Mata do Jugudul,
Madina Mandinga, Ponte Caió, Cumeré, Bula, Teixeira Pinto e Bolama. Foi
aqui, em Bolama, que o militar português Isac Dias Ferreira foi enfiado num
saco, regado com gasolina e queimado.
Foi Luís Cabral que, depois de mandar fuzilar o furriel “comando” Anastácio
Ferreira (Didi), impediu a família de fazer o seu funeral, atirando-o, como se
fosse um saco de batatas, para uma vala comum.
Foi Luís Cabral que, durante 6 meses proibiu a venda de alimentos às
populações para as obrigar a lavrar os campos, causa do golpe de 14 de Novembro
de 1980, que o destituiu. Três dias antes tinha mandado fuzilar o capitão “comando”
Adriano Sisseco, o capitão Zacarias Saiegh e o tenente Sicre Marques Vieira, todos atirados para uma vala comum.
Foi
este homem que as autoridades portuguesas acolheram, cordialmente, para não
dizer encomiasticamente, como uma espécie de herói na reforma.
Depois disto e do que se passou em Angola, na Guiné e em Timor, não me
venham falar nas hipócritas utopias de abril com que iludiram os pobres
portugueses nem na “descolonização exemplar.” Os “heróis de Abril” têm as mãos
manchadas de sangue. Todos.
Ossadas de militares portugueses das valas comuns na Guiné
(Créditos a: “Alpoim Calvão, Honra e Dever” de Rui Hortelão, Luis Sanches de Baiêna e Abel Melo e Sousa)
Peniche, 16 de Fevereiro de 2021
António Barreto