MANTANA
Esteta, sonhador, professor, exímio contador de histórias, fadista e cantor lírico de ocasião, perscrutador de almas, Mestre Mantana, adorava Buarcos e suas gentes, que imortalizou nos seus, bem conhecidos trabalhos de cerâmica.
Marcou a paisagem urbana da vila com inúmeros projetos onde a alegria proporcionada pelo equilíbrio, terraços, varandas, janelas e cores denuncia o seu carácter extrovertido, a sua visão universalista da vida.
Mestre de Trabalhos Manuais da Escola Secundária da FF onde se distinguiu pela imaginação e perícia encantadoras, sabia ser humilde, homem de carácter sabia reconhecer o mérito alheio; disse-me um dia, era eu um rapazote: - “Barreto, quando fui para a Escola pensei que era o melhor de todos, mas enganei-me, Fulano é ainda melhor que eu”. Admirável.
Pelos idos de 60 tinha uma escolinha num anexo em casa de seus pais, na Praia, ali para os lados das freirinhas. Não sei como, os meus pais lembraram-se de me pôr lá, quando eu, no 1º ano, “navegava” entre medíocres, sofríveis e suficientes, orgulhoso de pertencer à “pior turma da escola”, a turma dos “buarqueiros”, como anunciara, eufórico, com um sorriso de orelha a orelha, o meu querido amigo João da Susana (salvo-o-erro), suscitando reação exultante de todos, por sermos especiais em alguma coisa.
Distribuía-nos tarefas, ia fazer as suas coisas e voltava mais tarde para ver os resultados e corrigi-los. Mandava-nos estudar um tema e fazia sabatinas, para ver quem respondia melhor. Volta e meia íamos todos jogar à bola para a praia. Ele jogava connosco. E jogava bem, à Simões. Era do Benfica, amava o Benfica. De vez em quando mostrava-nos aguarelas de sua autoria, que eu adorava.
Um belo dia, todos reunidos lá no quintal soalheiro, o Mestre Mantana, começou a dissertar sobre cada um de nós. E todos, todos sem excepção, tínhamos qualidades; uns assim, outros assado, mas todos éramos notáveis em alguma coisa. Admirável. Inesquecível. É das coisas mais bonitas que recordo dele; coração generoso, por uma ou outra razão, real ou imaginária, fez-nos acreditar em nós próprios.
Devo-lhe isso, que não é pouco; com surpresa comecei a perceber que tinha qualidades: -” Eh pá” - dizia nas sabatinas, perante todos: -” O Barreto sabe vírgulas e tudo!”. - Aquilo galvanizou-me para o resto da vida e ainda hoje me comovo e sinto grato ao Mestre Mantana.
Era nosso amigo. Éramos amigos.
Histórias da vida local e anedotas sabia “milhentas”, que, com o seu entusiasmo e espontaneidade, tornava hilariantes, fascinantes por vezes, Adorava ouvi-lo, fosse a contar a história da “velhinha que matara o filho com sete chapeladas”, ou as peripécias de buarqueiros castiços, alguns deles meus familiares, ou a cantar o “Solo Mio”.
Estar com os outros, conviver com os outros era a sua vocação profunda.
Obrigado querido Mestre Mantana, Deus há-de estar contente a ouvi-lo cantar a “Canção do Cigano”,
Barreto
Peniche, 7 de Abril de 2025