Desporto

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Portugal e o Futuro III (António de Spínola, Arcádia)

  
Considerando inviável a vitória militar na guerra colonial, Spínola via na negociação política a solução inevitável para a paz. Às Forças Armadas competiria garantir as condições para a sua efetivação num prazo condicionado pelos recursos disponíveis do país. Mesmo com o apoio das populações locais - considerava ser esse, em geral, o caso -, a natureza da guerra de guerrilha, o crescente apoio externo de que dispunham as respetivas forças e o envelhecimento dos quadros das forças lusas, impossibilitava a vitória militar. Por outro lado, os crescentes encargos com o esforço de guerra aumentavam o risco de rotura económica e social da metrópole a curto-médio prazo. (Na verdade, em Angola, os episódios de guerra eram, à época, residuais, em Moçambique, restringia-se ao nordeste e na Guiné nalgumas zonas de fronteira).

   Neste quadro, defendia a procura de uma solução unificadora onde cada parte - Metrópole, Estados e Províncias Ultramarinas -, pudesse dar o seu contributo na definição das normas de relacionamento entre si e com o exterior. (a ideia de federalismo começa a ganhar forma).

   Defendendo a necessidade de acautelar os legítimos interesses dos europeus radicados no ultramar, considerava necessário evitar a tendência de resvalamento para uma revolução branca à semelhança da que se verificara na Rodésia e que havia fracassado no Katanga. (Consta que era este o objetivo de Marcello Caetano; a independência das colónias sob tutela dos europeus lá radicados)

   Quanto à população africana, com prolongamentos étnicos além das fronteiras e conflitos bélicos entre si, mantinha-se do nosso lado por ainda sermos, localmente, os mais fortes, por lhes proporcionarmos benefícios sociais e económicos superiores aos praticados além-fronteiras e por acreditarem numa autonomia no contexto de uma comunidade portuguesa. Suprimidos estes, a separação pela via revolucionária seria inevitável.

   Também para Spínola “a Pátria defende-se, não se discute”, mas entende competir aos cidadãos e não a quaisquer elites, a definição dos ideais nacionais e os interesses morais que a enformam e impulsionam. Para tal, todos são igualmente aptos, em especial os que por ela arriscam a vida, ainda que iletrados. A Pátria palpita no coração do Povo, o Povo que, nos matos de África, labutava, combatia e morria.

   Entre as opções possíveis para Portugal, António de Spínola rejeitava o abandono puro e simples do ultramar; por pôr em causa a independência do país, por lealdade a quantos, no ultramar, construíram as suas vidas e por falta de motivo para tal, apenas para benefício de amigos e inimigos.

   Excluída a possibilidade de vitória militar, o retardamento da autonomia progressiva num contexto de unidade nacional aceleraria a desagregação pela via revolucionária, tornando inútil o sacrifício dos que morreram pela perenidade da Nação.

   A sociedade multirracial não fazia sentido num contexto de mera convivência entre pobres e ricos, entre governantes e governados, entre poderosos e obedientes. A possibilidade de acesso de cada cidadão de qualquer raça aos lugares de mando político-administrativo, para Spínola, era condição primordial para o sucesso da sociedade com que Salazar sonhara.

   Finalmente, António de Spínola defendia a construção de uma vasta Comunidade Lusíada alicerçada na autonomia progressiva de todas as parcelas; uma comunidade de espírito novo, sujeita a inevitáveis vicissitudes, onde o Brasil assumiria lugar de destaque e na qual os laços morais, indesmentíveis, prevaleceriam sobre os estatutos políticos graças ao empenho de todos os bons portugueses. A proclamada Nação “una e indivisível” estava condenada ao fracasso na medida em que, na prática, era “una e indivisível” sob a hegemonia de uma parte. (Os cinco anos de governo da Guiné em que praticou uma governação de proximidade de matriz paternalista, afeiçoou-o às comunidades locais e aos seus usos e costumes).
Peniche, 19 de Julho de 2019
António Barreto*