Desporto

segunda-feira, 29 de julho de 2019

Portugal e o Futuro V (António de Spínola, Arcádia)

  
Assim, a “integração” consistiria na “união económica”, com um território aduaneiro comum, liberdade de circulação de pessoas, mercadorias e capitais e o compromisso de harmonização das políticas económicas, sociais, fiscais e monetárias.
   A integração alcançar-se-ia através de um processo gradual visando a aproximação dos vários estágios de desenvolvimento das partes, implicando a mais lata descentralização e estádios intermédios de liberalização.  As diversas fases do processo consistiriam numa sucessão desde o regime imperial, caracterizado pela hegemonia de um dos Estados sobre todos os outros, para a federação, construída pela via democrática, desta, para a confederação, onde cada parte decide o que quer partilhar até se chegar de novo à federação e, finalmente, à democracia unitária.
    O risco de desagregação pela via da autonomia federal apesar do portuguesismo prevalecente, sendo real, não obstaculizaria uma opção pelo menor dos males, passível de redução a proporções controláveis, até pela progressividade do processo de transformação. 
   Por outro lado, António de Spínola considerava que a viabilidade do sistema assentava na submissão da legislação de cada Estado às respetivas Câmaras Parlamentares com justa representação e, em última instância, à arbitragem do poder judicial sob uma constituição votada pelo conjunto dos cidadãos e das regiões. Algo semelhante ao que Marnoco e Sousa e Eduardo Costa tinham preconizado no início do século XX. A coesão seria reforçada pela ação das Forças Armadas sintonizadas com os objetivos a atingir.
   Spínola dispunha-se ainda a enfrentar os condicionalismos de política interna dado estar consciente da falta de preparação de certos setores para a solução federativa.
   Relativamente ao apoio internacional, apesar de reconhecer a existência de uma conjura externa para expulsar Portugal de África, sabia que havia amigos prontos a apoiar-nos, ressalvando o acréscimo de força moral resultante dum processo traçado com honestidade e clareza.
   A consequente atenuação da pressão militar permitiria flexibilizar a ação das Forças Armadas balanceando-a entre segurança e desenvolvimento. A mobilização civil, numa primeira fase com a promoção acelerada de quadros e técnicos africanos, complementaria o esforço de fomento. Tal resultaria da vontade inequívoca e expressa da Nação, enquanto imperativo nacional.
   A inevitabilidade de oposições minoritárias, seja de grupos extremistas defensores de interesses consolidados, de grupos chauvinistas ou anarquistas, seria ultrapassada pela atividade militante da Nação ao serviço da paz pública.
   A transição para a estrutura federativa far-se-ia mediante um programa de três pontos a adotar conjuntamente com outras medidas programáticas:
   O primeiro consistia no reconhecimento do direito de autodeterminação das populações, numa definição clara de intenções e na apresentação de um plano de implementação de medidas. Importava, antes de mais, desfazer o equívoco do Portugal Europeu assumindo a sua dimensão africana e asiática, a sua pluricontinentalidade, consubstanciada no facto da condição africana da maioria da sua população - num total de cerca de 25 milhões - e da quase totalidade do território se encontrar em África.
   No segundo trataria da descentralização acelerada das estruturas administrativas e da progressiva autonomia dos Estados e províncias ultramarinas numa autêntica regionalização das estruturas democraticamente constituídas em ambiente de miscigenação étnica.
   Finalmente o terceiro ponto consistia na consulta popular no prazo fixado e na apresentação ao mundo dos correspondentes resultados, com a plena convicção de que a maioria aderiria à solução federalista; pelo portuguesismo que testemunhara e pelas mútuas vantagens que a integração proporcionaria.
Peniche, 29 de Julho de 2019
António Barreto*

sexta-feira, 26 de julho de 2019

Portugal e o Futuro IV (António de Spínola, Arcádia)


Assim, o “germanófilo”, “reacionário” e “ditador” António de Spínola, arquitetou um projeto político assente em três princípios:

- O do reconhecimento do direito dos povos à autodeterminação (princípio consensual saído da conferência de Yalta, realizada entre as potências aliadas no final da II Guerra Mundial), cuja consequência se traduziria na autonomia progressiva de cada parcela, com crescente participação de instituições africanas.

- A adoção do primado da consulta popular, materializando o conceito segundo o qual a Nação é a sede da soberania. O pretexto da impreparação da população enquanto fundamento para a denegação do referendo, justificaria, por si só, a dispensa das comunidades dos deveres de cidadania como consequência da supressão do exercício dos seus direitos fundamentais. Tão só, o pretexto de uma expetativa desfavorável constitui argumento para a recusa do referendo, pois é no respeito pela vontade dos povos que se acolhem sob a bandeira das quinas que teria de residir a força da “nossa” razão, no fundo, a legitimação do poder.

- Finalmente, o processo teria de ser acompanhado de ampla difusão pública, condição indispensável para a unidade interna e a compreensão e adesão externa.

   O principal risco desta solução inviabilizaria a adesão ou mesmo de associação à Comunidade Económica Europeia. Porém, os acordos comerciais, em princípio possíveis, atenuariam esse impacto. Por outro lado, salvaguardando-se a integração económica do espaço português, abriam-se as perspetivas dos mercados africano e sul-americano.

   (Hoje, 33 anos após a adesão à CEE/EU, concitando todos os fatores, soberania e progresso económico, permanece a dúvida quanto aos reais benefícios, para os portugueses, da opção seguida, sobretudo no capítulo da perda de soberania e da insanável dependência económica. As economias locais têm vindo a ser desmanteladas, os territórios do interior abandonados, a modernização da economia fracassou, a divergência económica e social acentua-se face aos parceiros europeus e o endividamento galopante deixou Portugal vulnerável ao designado neocolonialismo praticado pelos críticos ativos do colonialismo clássico).

   António de Spínola tinha ideias estruturadas quanto à geopolítica internacional e quanto à posição de Portugal no mundo; tinha o sentido da portugalidade e uma ideia muito precisa de organização sociopolítica em torno do que designou como República Federal de Portugal.

   Defendia, convictamente, que o futuro de Portugal só seria viável num contexto de pluralidade numa comunidade capaz de manter coesas as parcelas do todo português, à margem de estatutos políticos.

   Propunha pois a reformulação do ideário nacional, transformando-o numa ideologia unificadora pela transparência e pela aplicabilidade dos princípios proclamados. A uniformidade normativa imposta pela Lei fundamental em vigor à época, não respondia à diversidade social e económica das populações de todos os territórios, constituindo, por si só, fonte de tensões revolucionárias independentistas. Assim, só uma constituição federativa de estilo próprio poderia corresponder ao princípio unificador, contemplando o princípio da especialidade das leis, que permitiria a cada parcela adaptá-las à sua realidade, à luz de um lato sentido de solidariedade. O “Estado Plurinacional”, característica real do Estado Português, seria sustentado pela adesão plena das suas “nações-membros”. Seria, sim, o fim da unidade imperial mas não da unidade nacional. A excecional capacidade miscigenadora do povo português seria o seu suporte. E a consciência da época já não aceitava impérios.

   A eficácia da integração económica do todo português requeria complementaridade de economias especializadas, estabilidade monetária territorial e interterritorial, equilíbrio das balanças de pagamentos e crescimento conjunto sem alteração sensível da estrutura de comércio. A equidade deste processo exigia um programa de transferências dos Estados mais desenvolvidos para os mais atrasados, evitando-se a assimetria do crescimento económico das partes.
Peniche, 26 de Julho de 2019
António Barreto*

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Portugal e o Futuro III (António de Spínola, Arcádia)

  
Considerando inviável a vitória militar na guerra colonial, Spínola via na negociação política a solução inevitável para a paz. Às Forças Armadas competiria garantir as condições para a sua efetivação num prazo condicionado pelos recursos disponíveis do país. Mesmo com o apoio das populações locais - considerava ser esse, em geral, o caso -, a natureza da guerra de guerrilha, o crescente apoio externo de que dispunham as respetivas forças e o envelhecimento dos quadros das forças lusas, impossibilitava a vitória militar. Por outro lado, os crescentes encargos com o esforço de guerra aumentavam o risco de rotura económica e social da metrópole a curto-médio prazo. (Na verdade, em Angola, os episódios de guerra eram, à época, residuais, em Moçambique, restringia-se ao nordeste e na Guiné nalgumas zonas de fronteira).

   Neste quadro, defendia a procura de uma solução unificadora onde cada parte - Metrópole, Estados e Províncias Ultramarinas -, pudesse dar o seu contributo na definição das normas de relacionamento entre si e com o exterior. (a ideia de federalismo começa a ganhar forma).

   Defendendo a necessidade de acautelar os legítimos interesses dos europeus radicados no ultramar, considerava necessário evitar a tendência de resvalamento para uma revolução branca à semelhança da que se verificara na Rodésia e que havia fracassado no Katanga. (Consta que era este o objetivo de Marcello Caetano; a independência das colónias sob tutela dos europeus lá radicados)

   Quanto à população africana, com prolongamentos étnicos além das fronteiras e conflitos bélicos entre si, mantinha-se do nosso lado por ainda sermos, localmente, os mais fortes, por lhes proporcionarmos benefícios sociais e económicos superiores aos praticados além-fronteiras e por acreditarem numa autonomia no contexto de uma comunidade portuguesa. Suprimidos estes, a separação pela via revolucionária seria inevitável.

   Também para Spínola “a Pátria defende-se, não se discute”, mas entende competir aos cidadãos e não a quaisquer elites, a definição dos ideais nacionais e os interesses morais que a enformam e impulsionam. Para tal, todos são igualmente aptos, em especial os que por ela arriscam a vida, ainda que iletrados. A Pátria palpita no coração do Povo, o Povo que, nos matos de África, labutava, combatia e morria.

   Entre as opções possíveis para Portugal, António de Spínola rejeitava o abandono puro e simples do ultramar; por pôr em causa a independência do país, por lealdade a quantos, no ultramar, construíram as suas vidas e por falta de motivo para tal, apenas para benefício de amigos e inimigos.

   Excluída a possibilidade de vitória militar, o retardamento da autonomia progressiva num contexto de unidade nacional aceleraria a desagregação pela via revolucionária, tornando inútil o sacrifício dos que morreram pela perenidade da Nação.

   A sociedade multirracial não fazia sentido num contexto de mera convivência entre pobres e ricos, entre governantes e governados, entre poderosos e obedientes. A possibilidade de acesso de cada cidadão de qualquer raça aos lugares de mando político-administrativo, para Spínola, era condição primordial para o sucesso da sociedade com que Salazar sonhara.

   Finalmente, António de Spínola defendia a construção de uma vasta Comunidade Lusíada alicerçada na autonomia progressiva de todas as parcelas; uma comunidade de espírito novo, sujeita a inevitáveis vicissitudes, onde o Brasil assumiria lugar de destaque e na qual os laços morais, indesmentíveis, prevaleceriam sobre os estatutos políticos graças ao empenho de todos os bons portugueses. A proclamada Nação “una e indivisível” estava condenada ao fracasso na medida em que, na prática, era “una e indivisível” sob a hegemonia de uma parte. (Os cinco anos de governo da Guiné em que praticou uma governação de proximidade de matriz paternalista, afeiçoou-o às comunidades locais e aos seus usos e costumes).
Peniche, 19 de Julho de 2019
António Barreto*

domingo, 14 de julho de 2019

Portugal e o Futuro, II (António de Spínola, Arcádia)



  
Para Spínola, a consistência das nações assenta na adesão livre e de plena consciência de cada indivíduo. Reconhecia a dependência económica de Portugal relativamente à Europa e o anacronismo do monolitismo político vigente no país - que favorecia os defensores dos “ventos da história”. Considerava como funções primordiais do Estado a prosperidade dos seus membros e a sua própria sobrevivência. No caso de Portugal, cuja dependência (da CEE em 1986, UE depois de 1992), poderá conduzir ao seu desaparecimento efetivo, ainda que possa manter uma aparente independência. Por outro lado, a descapitalização continuada de uma sociedade em favor de uma maioria, acabará por conduzi-la, inevitavelmente, ao seu deperecimento, pelas vias revolucionária ou da lenta decomposição.

   Curiosa é a conceção de organização socioeconómica do velho general; entre o liberalismo, onde o equilíbrio social é alcançado através das leis naturais e onde cada um recebe as contrapartidas conforme o seu contributo, e o socialismo ortodoxo onde cada um recebe conforme as suas necessidades independentemente da respetiva prestação. António de Spínola propunha um meio-termo, em que cada um tenha garantido o suficiente para suprir as suas necessidades mínimas e, a partir desse limiar, a retribuição seria em conformidade com o contributo de cada um. A criação de excedentes garantiria o sistema e a harmonia social.

   Baseando-se no IV Plano de Fomento e no Acordo de Bruxelas, numa perspetiva otimista das taxas de crescimento económico, Spínola considerava que seriam necessário 30 anos para Portugal recuperar do atraso relativamente aos países menos desenvolvidos do Mercado Comum. Para reduzir esse prazo a 10 anos considerava necessária a duplicação das taxas de crescimento, o que implicaria um aumento das taxas de crescimento anual das despesas de investimento global em 50 % até cerca de 40 % da despesa nacional. Esta seria uma prioridade do tipo “razão de Estado.

   Quanto à prosperidade que se verificava em Portugal na ocasião - 1974 -, Spínola atribuía-a às remessas dos emigrantes, ao turismo, à despesa pública e às transferências internas. Considerava as duas primeiras causas em inevitável declínio e que o crescimento da despesa pública através de salários, pensões e subsídios, ainda que justos, punha em causa a poupança e o investimento, comprometendo o crescimento futuro. Os elevados encargos com a defesa, a manterem-se, acabariam, paradoxalmente, por pôr em causa a sobrevivência nacional.

   Entre a concessão em cadeia, conducente à rotura económica e à repressão, geradora de violência, Spínola propunha, apesar dos inconvenientes, o liberalismo progressivo sob um regime autoritário legitimado pelo escrutínio popular.

   Quanto à economia nacional, considerava que carecia de rápida diversificação e complementaridade no prazo de vigência do acordo celebrado com o Mercado Comum, e que, os empresários nacionais, apesar dos condicionalismos, tinham aproveitado bem as vantagens da adesão de Portugal à EFTA e, por isso, eram injustas as críticas que lhes eram feitas. A guerra, a pressão social interna e a regressão demográfica - devido à crescente emigração da população ativa - desfavoreciam a reconversão económica de que o país carecia.
Peniche, 14 de Julho de 2019
António Barreto*

sábado, 13 de julho de 2019

Portugal e o Futuro, I (António de Spínola, Arcádia)



Para o grande público, António de Spínola ficou conhecido como bravo Cabo de Guerra, pelo desempenho do cargo de Governador da Guiné entre 1968 e 1973, e como político incipiente, ingénuo, semipatético e reacionário, pela sua participação na Revolução de Abril, em que, no decurso do PREC, a sua estratégia acabaria sucessivamente derrotada pela fação de esquerda que então predominava no MFA.

     Regressado da Guiné em 1973, convencido da inviabilidade duma vitória militar, tenta, em vão, convencer o Presidente do Concelho, Marcello Caetano, a encetar a via da negociação - que ele próprio mantinha, com quadros do PAIGC, com elites locais e com o Presidente do Senegal, Leopold Senghor. Spínola escapara, por mero acaso, em 20 de Abril de 1970, ao “Massacre do Chão Manjaco” onde foram abatidos e esquartejados pelos guerrilheiros do PAIGC, três majores, um alferes e três guias do exército Português, no âmbito das negociações para o cessar-fogo na região norte, que vinha sendo mantida. Gorada a tentativa, acaba demitido na sequência da publicação de Portugal e o Futuro onde dá conta pública da sua perspectiva de solução para Portugal e o seu Império.

   A evolução da guerra na Guiné favorecia o inimigo graças, sobretudo, ao aumento da intensificação do apoio de Cuba, em homens, e da URSS, em armas - mísseis terra-ar e aviões MIG (2). As forças nacionais deixavam de contar com o precioso apoio aéreo e, sem ele, a eficácia operacional ficara seriamente diminuída. O espetro da derrota pairava no horizonte, abrindo a velha ferida da humilhação da invasão da Índia portuguesa, estigma indelével das Forças Armadas lusas.

   A operação Mar Verde, derradeira tentativa de neutralização do PAIGC - planeada e conduzida pelo célebre fuzileiro Alpoim Galvão - apesar do sucesso operacional, fracassara nos seus objetivos essenciais; a detenção ou eliminação de Amílcar Cabral, a eliminação de Sekou Touré, o derrube do regime socialista da Guiné-Conacri e a destruição dos dois aviões MIG oferecidos pela URSS. Destruíram-se as instalações da Frelimo, soltaram-se os prisioneiros portugueses - 23, entre os quais o célebre sargento aviador António Lobato e um desertor -, e afundaram-se todas as modernas lanchas de combate do inimigo. As informações recolhidas pelos agentes da PIDE revelaram-se inexatas, razão dos fracassos. Por essa ocasião, o aparelho de Estado Português, administrativo e militar, já estava fortemente infiltrado por “democratas”, graças à “Primavera Marcelista”.

   Habituado à férrea disciplina militar e à deferência geral, António de Spínola acreditou, ingenuamente, na lealdade dos militares de Abril - alguns dos quais, como Otelo e Carlos Fabião, serviram sob suas ordens na Guiné. Acordou demasiado tarde para a realidade. Quando reagiu tinha perdido o controlo do processo; Vasco Gonçalves, Otelo e Costa Gomes, tinham outros planos, serviram-se do seu prestígio junto da população e livraram-se dele quando se tornou inconveniente, colando-lhe a chancela de ditador e reacionário.

   Uma injustiça; este “Portugal e o Futuro”, que acabei de reler, demonstra-o. António de Spínola, também rotulado de germanófilo, preconizava a autodeterminação dos povos e a democracia parlamentar representativa assente no sufrágio direto e universal, um homem um voto. Opunha-se às ditaduras; de direita, mas também de esquerda. O seu projeto, talvez algo ingénuo, de construção do Estado Federal de Portugal, em que as províncias ultramarinas e Portugal metropolitano constituíam, em paridade, a nova federação, visava a ascensão política social e económica dos portugueses africanos, sem exclusões, e a preservação do que designou por “portugalidade”, na convicção sincera da adesão voluntária dos portugueses africanos. Um Portugal pluricontinental e multirracional alicerçado na adesão das populações livremente expressa por voto secreto e universal em plena paridade de Estados.
Peniche, 13 de Julho de 2019
António Barreto*