Uma das muitas anedotas usadas para criticar os economistas diz que um deles se encontrou numa ilha deserta com um engenheiro e um químico, tendo apenas uma lata fechada com comida. O engenheiro sugere um sistema de pesos e roldanas para abrir a lata, enquanto o químico pensa nos reagentes que possam dissolver a tampa. O economista resolve o problema concebendo um modelo que começa assim: "suponhamos que temos um abre-latas!"
A maioria
das afirmações que ouvimos acerca da situação económica portuguesa também
assume a existência de um abre-latas que realmente ninguém tem. Quando se diz
que basta de austeridade e que devemos mudar de política, supõe-se que a lata
já está aberta, o que é evidentemente falso. Podem criticar-se os métodos que o
Governo tem usado para o conseguir; o que não é possível é interromper o jejum
e começar o almoço antes de abrir o malfadado recipiente.
Portugal tem
uma enorme dívida, que acumulou ao longo dos últimos vinte anos. Mas esse não é
o seu pior problema. A questão decisiva é que, ainda hoje, e apesar de todos os
sacrifícios, o Estado continua a gastar mais do que recebe e a dívida continua
a crescer. Os próprios protestos mostram isso, pois repetem à exaustão que não
se podem aumentar mais os impostos e afirmam categoricamente que mais cortes
nas despesas liquidarão saúde, educação, polícia, segurança social e inúmeras
funções indispensáveis. No entanto, os impostos, apesar de esmagadores,
continuam abaixo das despesas tão espremidas.
Isso
constitui o famigerado défice orçamental, que teimosamente se mantém elevado.
Este facto é tão evidente e incontornável quanto a lata que encerra a comida.
Quem ignorar essa realidade pode estar cheio de razão na sua raiva e
desapontamento, mas nada adianta para a solução do problema.
Aquilo que
realmente fecha a lata não vem dos credores, mas dos muitos interesses
instalados que bloqueiam o País. Bancos, sectores, serviços e profissões não
querem perder rendas e benesses insustentáveis. Beliscá-los gera os urros que
ouvimos a cada passo, pois eles controlam partidos e jornais.
De facto o
nosso país tem de conseguir, não eliminar o défice, mas mostrar que ele está
suficientemente controlado para que os credores internacionais voltem a ter
confiança na nossa capacidade de honrar as responsabilidades. Entretanto a
troika empresta muitos milhões, quase metade do nosso produto nacional, para
irmos comendo enquanto abrimos a lata. Mas, como não há almoços grátis, isso
vem com condições, a sempre criticada austeridade, que é apenas uma receita
para levantar a tampa. Quando isso acontecer, que a troika continua a prever
para 2014, o País regressa à normalidade e poderemos finalmente almoçar. Dada a
dureza do jejum, são compreensíveis recriminações, queixas e desalentos. Mas
não faz sentido abandonar o esforço de resolver o problema ou falar em
políticas alternativas que não o enfrentam com clareza.
Os abre-latas
sugeridos parecem atraentes, mas nenhum é realmente eficaz. Falar em promoção
do crescimento económico num país estagnado há 13 anos, todos cheios de
políticas de promoção de crescimento, só pode ser amarga ironia. O País há-de
voltar ao progresso, não com políticas de promoção, mas com o recuo do Estado e
a normalização dos canais económicos. Também o abandono do euro, a renegociação
da dívida ou "um governo patriótico e de esquerda" não resolvem o
problema de fundo: o Estado continua a gastar mais do que recebe, mesmo depois
de cortar fundo nas despesas e subir escandalosamente os impostos.
Então qual a
solução? Portugal mergulhou na crise passando 20 anos a fazer o contrário do
que os economistas recomendam; não é provável que agora siga o que dizem. Mas
se quiserem saber, a cura da crise é dieta no Estado e reestruturação da
economia. A solução está em libertar as empresas e produção. Pode parecer
estranho a quem só conhece anedotas, mas a boa teoria económica afirma que não
há abre-latas fácil e a via para o progresso está na técnica, engenharia,
química, etc.
Por decisão
pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico