Desporto

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Benfica, um caso político (Capítulo 3)


Benfica, um caso político

Capítulo 3

   A realidade histórica do Sport Lisboa e Benfica no Antigo Regime tem sido caracterizada por adeptos do futebol - historiadores do desporto, políticos e sociólogos -, como um raro exemplo de democraticidade; uma ilha democrática em plena ditadura. Um espaço aberto a todos, sem distinção de raça, credo, condição social ou ideologia. Uma organização de base popular, participada pelos seus associados, cuja estrutura social espelhava os cânones próprios das democracias.

   Alguns casos denotam o tipo de pessoas direta ou indiretamente vinculadas ao clube. Um dos mais notáveis pelo que representou na luta da pela emancipação feminina e pela universalidade do voto, é o da Dr.ª Beatriz Ângelo, natural do Fundão, médica, feminista, e mulher do 3º Presidente do Sport Lisboa, Dr. Januário Barreto; impôs ao Governo pela via judicial, o reconhecimento do seu direito de voto após enviuvar. Só aos chefes de família, homens, era reconhecido esse direito. Perante a recusa do Governo em reconhecer-lhe essa qualidade, avançou com uma ação judicial contra o Governo cuja sentença lhe foi favorável. E votou. Foi a primeira mulher a fazê-lo. De imediato o Governo republicano alterou a lei eleitoral para impedir o voto das mulheres.

   Outro caso é o de Ribeiro dos Reis, jogador de futebol do Benfica de 1913 a 1925, depois técnico e dirigente do mesmo clube, selecionador nacional jornalista e fundador do conhecido Jornal A Bola (juntamente com Cândido de Oliveira), um republicano que suscitou a desconfiança do Estado Novo pela isenção da reportagem que fez nos célebres jogos olímpicos de Berlim em 1939 (sinopse da sua biografia por Astregildo Silva), tendo-se constado que terá desempenhado ações de espionagem a favor dos aliados, durante a 2ª Guerra Mundial.

   Episódio interessante é o de António Borges Coutinho, irmão de Duarte Borges Coutinho - ex-Presidente do Benfica de 1969 a 1977 e 4º Marquês da Praia e de Monforte. António, advogado, adepto das ideias de António Sérgio e Agostinho da Silva, foi apoiante da candidatura de Humberto Delgado, conheceu o drama dos calabouços do Estado Novo - quando, em 1961, procurou alertar a opinião pública para as verdadeiras causas do sequestro do paquete Santa Maria. Nesta ocasião tornou-se membro da Oposição Democrática pelo Distrito de São Miguel, sua terra natal, juntamente com Melo Antunes - o suposto ideólogo do MFA. Não sendo marxista distinguiu-se como ativo seguidor do Partido Comunista, a partir de 1978 (wikipédia).

   Há ainda o caso de Santana, célebre jogador da equipa de sessenta; o Benfica tê-lo-á livrado dos vários “contratempos” com a PIDE devido à ligação que tinha com a Frelimo.

   Apesar de tudo isto, quando constatamos o crescendo de hostilidade que tem ocorrido, nas últimas décadas, no espaço público, relativamente ao Sport Lisboa e Benfica, percebemos que há algo errado. Descontando os excessos, compreende-se que, perante a ascensão competitiva do Benfica, os dirigentes e alguns adeptos dos seus principais rivais se empenhem na guerra mediática em benefício próprio. O que não se compreende é uma sistemática passividade das autoridades públicas perante os excessos; difamação e segregação desportiva e social de que têm sido alvo quer o Sport Lisboa e Benfica, quer os seus adeptos e apoiantes. As próprias forças de segurança e outras autoridades têm revelado posturas diferenciadas, com episódios de violência extrema ante adeptos do Benfica. Faz todo o sentido perguntarmo-nos o que pode haver de politicamente errado que possa justificar tal enviesamento institucional.

Peniche, 9 de Maio de 2019

António Barreto