Benfica, um caso
político
Capítulo 3
A realidade
histórica do Sport Lisboa e Benfica no Antigo Regime tem sido caracterizada por
adeptos do futebol - historiadores do desporto, políticos e sociólogos -, como
um raro exemplo de democraticidade; uma ilha democrática em plena ditadura. Um
espaço aberto a todos, sem distinção de raça, credo, condição social ou
ideologia. Uma organização de base popular, participada pelos seus associados,
cuja estrutura social espelhava os cânones próprios das democracias.
Alguns casos denotam
o tipo de pessoas direta ou indiretamente vinculadas ao clube. Um dos mais
notáveis pelo que representou na luta da pela emancipação feminina e pela
universalidade do voto, é o da Dr.ª Beatriz Ângelo, natural do Fundão, médica,
feminista, e mulher do 3º Presidente do Sport Lisboa, Dr. Januário Barreto;
impôs ao Governo pela via judicial, o reconhecimento do seu direito de voto
após enviuvar. Só aos chefes de família, homens, era reconhecido esse direito.
Perante a recusa do Governo em reconhecer-lhe essa qualidade, avançou com uma
ação judicial contra o Governo cuja sentença lhe foi favorável. E votou. Foi a
primeira mulher a fazê-lo. De imediato o Governo republicano alterou a lei
eleitoral para impedir o voto das mulheres.
Outro caso é o de
Ribeiro dos Reis, jogador de futebol do Benfica de 1913 a 1925, depois técnico
e dirigente do mesmo clube, selecionador nacional jornalista e fundador do
conhecido Jornal A Bola (juntamente com Cândido de Oliveira), um republicano
que suscitou a desconfiança do Estado Novo pela isenção da reportagem que fez
nos célebres jogos olímpicos de Berlim em 1939 (sinopse da sua biografia por
Astregildo Silva), tendo-se constado que terá desempenhado ações de espionagem
a favor dos aliados, durante a 2ª Guerra Mundial.
Episódio interessante
é o de António Borges Coutinho, irmão de Duarte Borges Coutinho - ex-Presidente
do Benfica de 1969 a 1977 e 4º Marquês da Praia e de Monforte. António,
advogado, adepto das ideias de António Sérgio e Agostinho da Silva, foi
apoiante da candidatura de Humberto Delgado, conheceu o drama dos calabouços do
Estado Novo - quando, em 1961, procurou alertar a opinião pública para as
verdadeiras causas do sequestro do paquete Santa Maria. Nesta ocasião tornou-se
membro da Oposição Democrática pelo Distrito de São Miguel, sua terra natal,
juntamente com Melo Antunes - o suposto ideólogo do MFA. Não sendo marxista
distinguiu-se como ativo seguidor do Partido Comunista, a partir de 1978 (wikipédia).
Há ainda o caso de
Santana, célebre jogador da equipa de sessenta; o Benfica tê-lo-á livrado dos
vários “contratempos” com a PIDE devido à ligação que tinha com a Frelimo.
Apesar de tudo isto,
quando constatamos o crescendo de hostilidade que tem ocorrido, nas últimas
décadas, no espaço público, relativamente ao Sport Lisboa e Benfica, percebemos
que há algo errado. Descontando os excessos, compreende-se que, perante a
ascensão competitiva do Benfica, os dirigentes e alguns adeptos dos seus
principais rivais se empenhem na guerra mediática em benefício próprio. O que
não se compreende é uma sistemática passividade das autoridades públicas
perante os excessos; difamação e segregação desportiva e social de que têm sido
alvo quer o Sport Lisboa e Benfica, quer os seus adeptos e apoiantes. As
próprias forças de segurança e outras autoridades têm revelado posturas
diferenciadas, com episódios de violência extrema ante adeptos do Benfica. Faz
todo o sentido perguntarmo-nos o que pode haver de politicamente errado que
possa justificar tal enviesamento institucional.
Peniche, 9 de Maio de 2019
António Barreto