Desporto

domingo, 25 de novembro de 2018

Momento do Benfica V: O carrossel financeiro


 
Vale e Azevedo deixou o Benfica sem dinheiro, mas com um passivo marginal - da ordem dos dois milhões de contos (10 milhões de euros) - e com projetos: a constituição da SAD - com 20 milhões de contos (100 milhões de euros) -, a recuperação do estádio antigo - projeto de Tomaz Taveira cujo custo estava orçamentado em 4 milhões de contos (50 milhões de euros) -, o complexo do Seixal - adquirido à Euroárea por 1 milhão de contos ( 5 milhões de euros) - e um contencioso jurídico contra a Olivedesportos, com grandes possibilidades de êxito.
 
   A estratégia de Filipe Vieira de construção de novas infraestruturas teve como contrapartida um endividamento "estratosférico" e a perda da capacidade competitiva do "core business" do clube; o futebol da sua equipa sénior A. Primeiro pela necessidade de canalizar recursos para as obras, depois, pelos elevados encargos do financiamento e esforço de amortização do capital.
 
   Face a esta contingência, a Direção de Filipe Vieira, criou um fundo de investimento que permitiu ao clube - SAD - aceder, no mercado, a jogadores de elevado potencial e a mantê-los na equipa durante dois ou três anos, gerindo a venda ou recompra de direitos económicos de jogadores ao fundo, conforme as circunstâncias. Esta fórmula possibilitava a continuidade do núcleo da equipa, e, consequentemente, a ascensão da capacidade competitiva. Controladamente, ressarciam-se os investidores e o clube dispunha de almofada financeira para responder às necessidades de tesouraria.
 
   Por decisão da FIFA, estes fundos foram proibidos a partir de 1 de Maio de 2015, com justificação na suspeita de que estariam a ser usados para lavagem de dinheiro. Um "murro no estômago" que ia levando o Benfica ao "tapete". Foi então que se deu o primeiro "milagre" do projeto da formação; vários dos talentos emergentes foram colocados no mercado europeu por generosas verbas - qual terá sido a intervenção de Jorge Mendes no caso? Bernardo Silva, João Cancelo, Ivan Cavaleiro, Hélder Costa e mais um ou dois que não recordo, proporcionaram ao clube (SAD) os ingressos financeiros necessários à resolução do fundo sem recurso ao endividamento bancário. "Just in Time"!
 
   Pessoalmente, acredito que a motivação da FIFA tenha sido outra; a de proteger da concorrência os grandes clubes, garantindo-lhes acesso facilitado aos melhores jogadores, à competitividade desportiva e a maior fatia do bolo financeiro da indústria do futebol. Nunca me constou que, quer a FIFA ou mesmo a UEFA, tivessem qualquer tipo de escrúpulos quanto à origem do dinheiro que as financia. Os exemplos são bastos.
 
   Avisadamente, dada a turbulência do sistema bancário, geralmente inamistoso para o Benfica e generoso para os seus rivais -  os dirigentes encarnados, paulatinamente, trataram de  dispersar o financiamento do clube (SAD), recorrendo a sucessivos empréstimos obrigacionistas, realizados sempre com grande sucesso em rotação de capital e com encargos sucessivamente decrescentes, que se mantém.
 
   Na época transata, com o campeonato já a pender para Norte, a Direção do Benfica acordou a antecipação da receita de três anos - salvo o erro -, com que liquidou cerca de cem milhões de euros de passivo bancário, recorrendo ao serviço de factoring que custou cerca de 16 milhões de euros - precisamente o valor remanescente do passivo bancário.  
 
   A justificação foi a da redução do serviço anual da dívida antecipando a amortização do respetivo capital. Francamente, tenho a convicção que foi mais do interesse dos bancos, uma vez que, se o Benfica poupa cerca de 16 milhões de euros por ano em juros, priva-se da receita de 40 milhões durante três anos. Ora, tal implica, perda de capacidade competitiva. Como é que isso pode ser do interesse do Benfica? Mas é verdade que proporciona algum conforto aos adeptos. Porém, não deixa de ser estranho que, tendo obtido uma receita recorde de 240 milhões de euros na venda de jogadores, tenha sido necessário recorrer à antecipação de receita para efetuar a operação referida. Provavelmente os ganhos líquidos do clube terão sido bem menores e parte deles terão sido alocados à despesa corrente. Tal significa que o modelo económico de então não tem viabilidade para a consecução do Benfica campeão europeu. E é esta a fundamentação da indiscutibilidade da opção pela formação. E, já agora, a justificação da opção Rui Vitória; o suposto "mago" da formação. Sucede porém que, sem uma equipa competitiva, o projeto da formação é inviável. E tal requer competências que Rui Vitória não demonstra possuir.
 
   O custo desportivo desta operação foi a perda de mais um campeonato. Tal terá sido também do interesse dos sindicato bancários - minha convicção - habitualmente hostis para com o Benfica, desde os tempos de Vale e Azevedo.
 
   Ultrapassado mais este obstáculo, com o Benfica livre dos bancos e a formação a debitar fornadas de jogadores valiosos, surgem os casos dos "vouchers", dos "e-mails", e das "toupeiras", supostamente induzidos, em desespero de causa, pelos rivais, restaurando uma velha e iníqua aliança denunciada em tempos pelo senhor João Rocha. Os objetivos são claros; redução da capacidade competitiva da equipa pela indução de instabilidade geral no clube (SAD), manchar a sua reputação associando-o a corruptela e, mais grave, desacreditar o clube junto do mercado obrigacionista cerceando-lhe o financiamento.
 
   Este é momento de, mais uma vez, recordar que a perda de Vale e Azevedo iniciou-se com o congelamento das contas bancárias do clube pelos mesmos bancos que têm derramado dinheiro sobre os rivais e que no ano passado parece terem exigido a amortização de capital ao Benfica, que o fez perder mais um campeonato.
 
   Claro que os processos que correm na justiça contra pessoas com ligações ao Benfica - minha convicção - vão arrastar-se durante toda a época fazendo pairar um permanente suspense sobre o seu desfecho até que o campeonato em curso esteja, finalmente, decidido em conformidade com os desígnios da "radiosa" democracia de abril. Muitos são os indícios de promiscuidade na Justiça, com sucessivos casos  de transparência duvidosa. Há adeptos de clubes, cuja militância não conhece fronteiras, independentemente, das funções e cargos que ocupem. São aqueles cujos clubes se constituíram em frente política das elites onde estão inseridos. Refiro-me ao Porto, sim.
 
  
   Se nem os organismos desportivos, nem a tutela governamental, nem a Justiça, são imunes à natureza política de alguns clubes de futebol, é tempo de o Benfica usar, com inteligência, a força dos seus adeptos, lavando-os a votar em conformidade com os projetos para o desporto, dos candidatos políticos.
 
   Filipe Vieira não o sabe fazer.
 
Foto: Falésias de Porto Novo
 
Peniche, 25 de Novembro de 2018
António J R. Barreto

O 25 de Abril visto da História (notas, P12)



O 25 de Abril Visto da História
(Livraria Bertrand)
Diálogo entre José António Saraiva e Vicente Jorge Silva em 1976 sobre a atualidade política, em vésperas as primeiras eleições presidenciais
 
…os processos conspirativos de tomada do poder ou a atividade política como atividade conspirativa como atividade política dominante são característicos de países em que o peso do Estado é preponderante face à debilidade da sociedade civil. (VJS)

   Quarenta e quatro anos depois do fim da “longa noite fascista” o Estado foi tomado pelos Partidos, que mantêm a sociedade civil em estado “vegetativo”, esta, subsistindo perante a voracidade fiscal e patrimonial dos novos “senhores” - herdeiros dos velhos privilégios da extinta nobreza e do esclerosado clero. (AB)

…Em segundo lugar, temos a natureza tipicamente pequeno-burguesa do Movimento dos Capitães, que o expôs, necessariamente, às mais diversas e contraditórias flutuações, culminando, por fim, na desintegração do MFA…(VJS)

   O MFA refletia as contradições da sociedade civil, de onde, afinal, provinham os seus membros. Por essa altura, uma sociedade “partida ao meio”, correspondendo quase completamente a duas zonas geográficas distintas, com duas histórias de povoamento distintas e com padrões económicos distintos. Até hoje, o 25 de Abril deixou um país fraturado, economicamente indigente. (AB)

…Disso se apercebe claramente o PS, ao tomar a dianteira da ofensiva contra o gonçalvismo e ao capitalizar em proveito próprio toda essa vaga imensa de frustrações explosivamente acumuladas…(VJS)

Pensava-se então que o socialismo do PS não tinha correspondência com a doutrina marxista, muito menos com o modelo leninista que o PCP estava a levar ao terreno, numa vaga de terror de sentido contrário ao “fascismo” antecedente. A realidade de hoje confirma tese de muitos de então - como Rui Mateus -, segundo a qual, estaria em causa, não o marxismo-leninismo do PCP, mas a liderança do processo. E o gradualismo reformista  do mesmo, digo eu; para não assustar os eleitores. (AB)

….A estrutura hierárquica do partido corresponde organicamente à estrutura hierárquica do exército: daí à osmose vai um passo. E daí que seja uma explicação moralista primária o dizer-se que certos oficiais, bem conhecidos pelas funções destacadas que desempenharam no decurso da guerra colonial, se converteram por mero oportunismo em instrumento do PCP ou da extrema-esquerda. O que acontece é que, face à crise de identidade em que o exército de debate com o fim das guerras coloniais, as únicas alternativas ideológicas que então se apresentam para preencher o vazio são as do PCP e de certa extrema-esquerda. (VJS)

   VJS não refere casos pessoais, mas talvez Costa Gomes tenha sido um desses casos, quanto aos mais conhecidos; Melo Antunes, Rosa Coutinho, Vitor Crespo…,tenho ideia que terão sido opções ideológicas muito anteriores ao 25/04. (AB)
Foto: Marginal Norte
Peniche, 17 de Novembro de 2018
António J.R..Barreto

O 25 de Abril visto da História (notas P 11)



…Esta situação, o 11 de Março, atingiria o seu ponto mais alto. Aí, ao tomar, praticamente sozinho, o controlo da máquina do Estado, o Partido Comunista assinava a sua própria sentença de morte, a médio prazo, como partido de governo…. (JAS)

   Mas ficou a semente. Até hoje. E foi o suficiente para entregarem as províncias ultramarinas à União Soviética.(AB)

…O Partido Socialista começa, diretamente, através do seu secretário-geral Mário Soares, por desempenhar um papel preponderante na descolonização, é depois ultrapassado e acaba – claramente já marginalizado – a condenar de modo explícito a forma como decorria a evolução dos acontecimentos em Angola e a posição da parte portuguesa….(JAS)

   Pelos vistos estava errado ao considerar que o Partido Socialista e Mário Soares dominaram o processo da descolonização. (AB)

…Recorde-se que, é em torno de África, a propósito do ultimato inglês, que a propaganda republicana mobiliza a opinião pública contra a Monarquia e o Partido Republicano ganha expressão nacional….(JAS)

   Uma ironia, perante a invocada herança republicana dos atuais socialistas; o conceito de integridade do território mudou. E o povo, preocupado em sobreviver, aceita o que lhe “dão”. (AB)

…Costa Gomes foi secretário de Estado de Salazar – posto de que foi demitido pelo seu envolvimento na conspiração abortada de Botelho Moniz -, foi comandante-chefe das Forças Armadas em Angola; foi Chefe de Estado Maior das Forças Armadas ao tempo de Caetano; foi demitido do cargo pouco antes do 25 de Abril e recuperou-o após o 25 de Abril; foi Presidente da República, sucedendo a Spínola….(JAS)

   É obra!, consta que foi preponderante no desfecho do 25/11/2018. (AB)

….É impossível pensar, por exemplo, que a URSS se tenha disposto a intervir de modo tão claro em Angola sem dispor de garantias antecipadas de que os Estados Unidos não se iriam opor frontalmente a essa intervenção….(JAS)

    Em plena Guerra Fria, aquelas duas potências repartiram o mundo conforme os seus interesses. Estava em causa o acesso direto aos recursos dos territórios administrados por Portugal. Mais que os direitos humanos ou o direito dos povos à autodeterminação. A prova disso é a atual olímpica indiferença da comunidade internacional perante as oligarquias instaladas nesses países e o estado de profunda miséria em que os respetivos povos vivem. (AB)

…Spínola não esconde a sua exasperação progressiva, o seu desespero, a sua impotência, traduzido num discurso cujas conotações fascistas (nomeadamente no Alfeite e em Tancos) são cada vez mais claras. Ao mesmo tempo que assina o reconhecimento do direito à independência dos povos colonizados, Spínola evoca as “sagradas parcelas” do “nosso ultramar” e transfere para a “Mãe-Pátria” as razões de ser da luta desencadeada pelo Exército português contra os povos das colónias: “Responderemos com a guerra aos que nos quiserem fazer a guerra”.

   Spínola, derrotado na Guiné na sequência da perda da supremacia aérea para o PAIGC – graças ao apoio militar da URSS e de Cuba -, perante a intransigência de Marcelo na recusa de entabular negociações com o inimigo, deixou-se perder pela sua vaidade e contradições, aceitando o penacho da presidência acreditando, ingenuamente, que os restantes protagonistas do golpe de estado aceitariam a sua liderança na condução das negociações com os movimentos de libertação. Melo Antunes e Otelo, irresponsavelmente ou premeditadamente, assumiram, perante os negociadores africanos, por parte do Estado português, responsabilidades para as quais não tinham mandato. (AB)
Foto: Peniche, Porto de Pesca
Peniche, 16 de Novembro de 2018
António J. R. Barreto

sábado, 17 de novembro de 2018

O 25 de Abril visto da História (notas, P10)

 O 25 de Abril Visto da História
(Livraria Bertrand)
Diálogo entre José António Saraiva e Vicente Jorge Silva em 1976 sobre a atualidade política, em vésperas as primeiras eleições presidenciais

…Ora São Francisco de Assis fez igualmente a sua opção de classe – pelos pobrezinhos. Só que ele, ao fazê-la, fê-lo abdicando dos seus privilégios – o que não sucede com muitos destes militantes que, não contentes em preservar os seus privilégios de natureza social e económica, pretendem ainda alarga-los a privilégios de natureza ideológica, fazendo-se a si próprios “condutores da classe operária”. (JAS)

   Tudo resumido, já se percebeu que a ânsia de justiça social e económica, não passa em muitos casos - para não dizer todos -, de um veículo de desbravamento dos caminhos do poder; a velha compulsão primordial das sociedades humanas. (AB)

A Descolonização e os jogos do poder:

….Nascido em 1921, o PCP não conseguiria entretanto até 1926 expressão nacional significativa. Ilegalizado pouco tempo depois, o PCP vai, por isso, ser um partido que se estrutura quase inteiramente na clandestinidade. Isto conduz imediatamente a que a “osmose” entre o partido e o corpo da sociedade portuguesa seja escasso….(JAS)

O que ainda hoje, em democracia, se verifica e contrasta com o poder de facto que detém através dos sindicatos da administração pública que lhe permitem manter sequestrada a sociedade civil. Um preço demasiado elevado da liberdade política incondicional. (AB)

...A URSS passa a funcionar para o PC Português como Roma para os católicos. (JSA

   Com a particularidade de a URSS prover generosamente ao seu financiamento – segundo li por aí da ordem dos 10 milhões de dólares por ano. Isto põe em causa o autoproclamado patriotismo do PCP. Ao obedecer às diretivas comunistas para Portugal, o PCP não tinha em conta os interesses nem dos operários nem dos camponeses, antes, servia-se deles pm nome da difusão do imperialismo soviético. (AB)

…Repare-se aliás - a mero título de curiosidade – que a viragem política em Portugal só começaria verdadeiramente uma vez praticamente resolvida, a favor do MPLA, a resolução da questão angolana….(JAS)

   Fui-me apercebendo desta versão, há não muito tempo, há medida que fui diversificando as leituras sobre os acontecimentos político-militares da época. De facto, se o PCP detinha o controlo avassalador da maioria das forças militares, o recuo de Cunhal, na “hora da verdade”, quando confrontado por Costa Gomes, é surpreendente. Ou estaria a contar com diferente desfecho. O certo é que Otelo hesitou, temendo, talvez, as consequências duma guerra civil, deixando sem ordens as forças afetas aos comunistas, entre as quais os fuzileiros - força decisiva na insurreição republicana de 1910 -, tendo sido rapidamente neutralizado por Ramalho Eanes. Sabemos também que a abdicação de Cunhal teve a ver com a promessa de integração do PCP na democracia por Melo Antunes - comunista desde os tempos da Academia Militar, onde foi colega de Alpoim Galvão. E sabemos, segundo o testemunho de Zita Seabra que ter-se-á justificado perante os membros do comité central, com um recuo estratégico que permitiria avanços maiores no futuro “um passo atrás para, mais tarde, dar dois passos à frente”. O primeiro passo à frente foi dado com a sua admissão às eleições constituintes e posterior permanência no sistema democrático. O segundo passo parece em curso induzindo a desagregação dos serviços públicos e agravando os conflitos de classe, nomeadamente entre setor público e setor privado. O que é certo é que, Angola e Moçambique, foram entregues de mão beijada aos movimentos guerrilheiros comunistas, através de um ato eleitoral que não passou de uma encenação. (AB)
Foto: Peniche, Marginal de norte
Peniche, 9 de Novembro de 2018
António J R. Barreto

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

O Momento do Benfica (IV)

                                                                                   Das Infraestruturas (cont.)

  
  Dois pavilhões e duas piscinas asseguram o ecletismo do clube e a disputa, em geral, os títulos internos. Apesar da persistência e do sucesso interno de algumas modalidades, à exceção do hóquei em patins e do futsal, nenhuma outra se destaca no plano europeu. Não será por falta de instalações. Suponho que seja uma inevitabilidade do tipo orçamental.


   Destaque-se a metódica persistência com que o clube reage às adversidades, nas modalidades ditas amadoras, sempre com o fito na vitória, que nem sempre ocorre. Nunca desiste. Há uma certa nobreza nisto que me agrada.

   O Museu é outra obra emblemática a qual, apesar de muito desejada pelas Direções precedentes, nenhuma delas teve engenho de concretizar. Preservar a memória dos feitos do clube é um fator de agregação de adeptos e simpatizantes e de difusão dos valores daquele.

   Simultaneamente, constitui um permanente gesto de reconhecimento aos que construíram a saga benfiquista. Crédito a Filipe Vieira. E um voto de censura à Câmara Municipal de Lisboa e à sua vereadora Helena Roseta, pelas dificuldades que criaram à concretização do projeto, apesar dos evidentes benefícios dele decorrentes para a Capital. Mais uma vez veio ao de cima a incapacidade de certas entidades públicas ultrapassarem velhos preconceitos contra ao Benfica. Como se estivesse a mais na nova ordem “democrática”.

   Tão importante como o novo Estádio e o complexo do Seixal, foi a Benfica TV. Suponho até que terá sido mais importante.

   Antes de mais foi motivo de união da “nação” benfiquista graças ao pioneirismo interno e ao aprofundamento da interação dos adeptos com o clube e com algumas das suas figuras carismáticas, em especial as antigas glórias.

   A Benfica TV abanou um dos principais pilares do poder portista; a Olivedesportos. Os direitos desportivos, obtidos, segundo creio, de forma fraudulenta, permitiam-lhe atribuir os recursos financeiros correspondentes pelos clubes conforme a adesão destes do à causa azul. Foi nisto que consistiu a democracia no futebol. 

   A recusa de renovação do contrato de cedência dos direitos por parte do Benfica - após doze longos anos de dependência -, fez ruir este processo. Durante uns anitos. Os anos que culminaram no histórico tetra campeonato. E foi a entrega desses mesmos direitos à mesma entidade - por mais dez penosos anos - a causa, quanto a mim, já se vê -, do falhanço do mirífico penta.

   A justificação terá sido o aumento substancial da contrapartida financeira. Quarenta milhões por ano! A contrapartida não financeira foi a perda da independência do clube, a deceção dos adeptos e o fortalecimento dos rivais. Um erro crasso. Uma espécie da hara-quiri. Desnecessário. Imprudente. Um novo operador, a Elevensports, estava à porta, dirigida a um mercado bem mais amplo, com uma oferta persuasiva e disponibilidade bem mais generosa. A cedência à MEO, foi providencial… para a recuperação da Sport TV e…dos rivais. O Benfica é a Santa Casa do futebol nacional e, paradoxalmente, uma espécie de filho bastardo.

   Pacientemente reformulada na sequência das mudanças políticas verificadas em 2015 agregando históricos aliados, a Sport TV, através da MEO - para não escandalizar adeptos - obteve o precioso contributo dos dirigentes do Benfica viabilizando a empreitada. Filipe Vieira fez-lhes a vontade. Sem consultar os adeptos. O penta foi-se. Esta época “vai bem encaminhada”, rumo ao “p’ró ano é que é!”. Um novo e longo ciclo de betão foi já anunciado; uma nova seca de títulos vem a caminho. Erro de cálculo? Ou cálculo errado?

   Errado para uns, certíssimo para outros. Quer no anterior campeonato quer no atual, escandalosamente adornados com o patético VAR, as “anomalias” sucedem-se com tal frequência que se tornaram normalidade. Sejam assistências ridículas de defesas a avançados que resultam em golo fácil, seja ajuizamento escandalosamente errado de lances decisivos - para que serve o VAR? -, seja pela assimetria de sanções a atletas e dirigentes, o campeonato português transformou-se numa orgia, para deleite dos velhos barões da bola que uma justiça esclerosada e cúmplice deixou, injustificadamente, impune, constituindo-se, ela mesma, como a causa primeira do desmoronamento do futebol nacional. E do descrédito do regime político, que nem merece o nome de democracia.

   Se, até 2017, a BTV foi um fator de união dos adeptos, hoje tem o efeito contrário; a crítica ou a dissidência são recusadas insultuosamente ainda que fundamentadas. O messianismo é alimentado continuamente com insuportável retórica laudatória. A BTV de hoje é uma deceção; fechada em si própria é o espelho da Direção, negando a realidade por mais evidente que seja. O terceiro anel caiu com o velho Estádio e com ele, um pedaço do velho Benfica.

Peniche, 15 de Novembro de 2018

António J. R. Barreto

sábado, 10 de novembro de 2018

O momento do Benfica (III)


Das Infraestruturas (cont):

  
O Complexo do Seixal é a segunda obra emblemática do consulado de Filipe Vieira no Benfica. Um tremendo sucesso. Apesar de fugazmente a equipa principal tem beneficiado do contributo direto da formação do Seixal - nalguns casos de forma decisiva Por essa Europa fora, nos muitos torneios em que participam, várias equipas, com destaque para as dos juniores, têm deixado boa imagem do futebol que por cá se pratica. O mesmo sucede com uma “mão cheia” de “jogadores da casa” que “perfumam os relvados dos melhores campeonatos do velho continente depois de terem proporcionado generosas receitas ao clube. Não negligenciável é o contributo direto para o futebol nacional aumentando a oferta de jogadores de qualidade - por vezes amarga para o clube formador - de que os adversários do Benfica tiram partido.

   Vem a propósito recordar que foi o produto da venda dos jogadores da formação - cerca de 95 milhões de euros, salvo o erro - que permitiu ao clube – sem recorrer a financiamento bancário - ressarcir, in extremis, os investidores do Fundo de Investimento - que durante alguns anos permitiu ao Benfica, recrutar e manter nas suas fileiras jogadores de alto nível. Uma malfeitoria imposta pela FIFA sob o pretexto da origem suspeita destes capitais. Na prática, defendendo os interesses dos clubes que mandam no futebol europeu.

   Se tudo isto é verdade - o Benfica tem, hoje, a melhor escola de formação do país e uma das melhores da Europa -, tal não nos impede de vermos “o outro lado”.

   Comecemos por ter em conta que a ideia do Seixal foi de Vale e Azevedo - que já tinha efetuado a compra dos mesmos à Euroárea, do “desaparecido” Artur Albarran -, Filipe Vieira deu continuidade ao processo.

   Por outro lado há que ter em conta os inerentes encargos financeiros - de investimento e de exploração - que estimo em cerca de 10 a 12 milhões de euros por ano. Tal impõe a necessidade de venda de um jogador da formação anualmente, o que implica constrangimentos nos períodos recessivos, com reflexos no “produto” principal; o futebol da equipa sénior.

   Ora convém não perder de vista o propósito primordial da formação; aumentar cumulativamente a competitividade da equipa sénior de forma a elevá-la ao que foi no passado longínquo. O caso é que, paradoxalmente, pode ocorrer o oposto; a necessidade de colocar os jogadores da formação na equipa sénior pode induzir à exclusão de jogadores estruturantes. Este será um dilema permanente a exigir níveis de competência da superestrutura historicamente voláteis. Até porque, inevitavelmente, suscitará divisão regular entre os adeptos; nunca todos estarão de acordo relativamente à dispensa ou integração de um jogador da formação. Tomemos o caso como os “ossos do ofício” inerentes à direção de um clube altamente escrutinado a exigir competências à altura.


   Neste preciso momento, vive-se, no Benfica uma crise suscitada por equívoco associado à formação e que consiste no recrutamento de um Treinador pelas suas qualificações e experiência em pedagogia desportiva, pelas suas qualidades humanas, relativizando a importância da capacidade de preparação de uma equipa de topo. O efeito pode ser devastador, seja na decadência competitiva da equipa sénior, seja na desvalorização e debandada dos jovens da escola do clube.

   Não há como evitar dizê-lo; a excelente qualidade dos Treinadores da formação contrasta com a mediocridade técnica e mental do atual Treinador da equipa principal, a despeito de todas as outras qualidades que possui. O topo da pirâmide da formação está  a pôr em causa a qualidade da mesma acarretando prejuízos incalculáveis no curto e médio prazos.

   Ora, isto mostra que, a formação no Benfica, se transformou numa obsessão do seu grande mentor, Filipe Vieira, a ponto de esquecer a fim primeiro da mesma; tornar a equipa sénior cada vez mais competitiva. Tal como as obras físicas, também a formação é instrumental e nunca, por nunca ser, um fim em si mesmo. Isso era no Alverca - com todo o respeito -, que é onde ao atuais Presidente e Treinador ainda “têm a cabeça”. O Benfica é algo que nenhum dos dois, efetivamente, sabe o que é, apesar de muito falarem no Grande Eusébio da Silva Ferreira; aquele que, estarrecido pelo fascínio dos jogadores do Real Madrid disse: Mas eu queria ganhar!  


 PS: o recente jogo na luz contra a equipa do Ajax para a Liga dos Campeões, mostrou que a equipa está a desempenhar muito abaixo do seu potencial, não por falta de empenho dos jogadores, mas por falta de qualidade tática; desagregamento, défice de velocidade, de intensidade e de antecipação, falta de profundidade e de sincronismo dinâmico, etc. Os jogadores estão lá...o Treinador, não.

 
Foto: Peniche, Marginal Norte (vista a sul da Berlenga

Peniche, 10 de Novembro de 2018
António J. R. Barreto

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

O 25 de Abril Visto da História (notas P9)

 
 O 25 de Abril Visto da História
(Livraria Bertrand)
Diálogo entre José António Saraiva e Vicente Jorge Silva em 1976 sobre a atualidade política, em vésperas as primeiras eleições presidenciais

….Ao tentarem correr com o padre que ao domingo faz o sermão na missa, certos partidos políticos sonham no fundo substituir-se à igreja pondo um seu militante a celebrar a missa de domingo e a proferir o sermão….. As hierarquias dos partidos leninistas reproduzem a hierarquia da igreja. … (JAS)

   Isto tem ar de brincadeira mas é bem sério; o que está em causa não são os valores cristãos, cuidadosamente substituídos pela “ética republicana, mas o poder, o poder exercido pela igreja católica desde a fundação da nacionalidade, em decadência a partir da guerra civil de 1832/1834 na qual os maçons foram preponderantes. A ratoeira da laicidade do Estado - como se o Estado tivesse que ser religiosamente neutro para respeitar todas as religiões em geral - permitiu aos governos de inspiração jacobina ir “desbastando” a influência católica acabando na difusão do islamismo com censuráveis intuitos políticos (um povo para um partido em vez de um partido para o povo). (AB)

A ciência substituiu a religião…..os sistemas ideológicos são anticientíficos na medida em que representam uma cristalização de princípios e conhecimentos em determinado momento histórico….A censura ideológica à ciência por parte da Igreja Católica na Idade Média, foi ressuscitada de facto, por exemplo, na Rússia estalinista….. (JAS)

   Quanto à ciência, ­­apesar dos sucessivos equívocos dos “cientistas”, paradoxalmente, tornou-se, dogmática, promíscua, instrumentalizável, traindo os princípios iluministas, pondo em causa a qualidade dos respetivos regimes políticos. (AB)

…Aliás o protestantismo afirma-se essencialmente como uma associação entre uma ordem divina e uma ordem material surgida com a ascensão da burguesia, conquistando predomínio nos países que mais cedo conheceram um processo de expansão capitalista….(VJS)

   Parece-me haver aqui um equívoco de VJS; é provável que o processo tenha tido origem nas célebres lutas do campesinato alemão contra a Igreja Católica, na fundação, profundamente participativa e aberta, do Protestantismo – introduzindo uma prática democrática e austera na cultura protestante, em 1517, com a discussão das célebres 95 teses de Martinho Lutero na igreja de Wittenberg – e, com o advento do calvinismo, na supressão do conceito de pecado atribuído até então aos juros de capital. Assim, terá sido a evolução do cristianismo através do protestantismo e calvinismo que criou as condições para o advento e desenvolvimento do capitalismo. (AB)

…Mais, o Partido é aquele corpo místico - no sentido em que a igreja o é – perante o qual nos reconhecemos e nos afirmamos como fiés de um culto a um Ser supremo, que dá sentido à nossa existência….Nestas condições, o Partido não é uma emanação de classe, uma expressão orgânica da classe, mas um edifício construído no vazio, sustentado pelos alicerces abstratos da ideologia, e que se reclama da representação (mítica, evidentemente) da classe. (VJS)

   Aqui radica um dos paradoxos das democracias partidárias; o anticlericalismo e o antipatriotismo constantes das doutrinas partidárias em geral - sobretudo por parte dos partidos ditos de esquerda -, tem mais a ver com a ascensão e sustentação do poder destes, ocupando o vazio ideológico, do que com a natureza intrínseca daqueles conceitos. Os partidos substituem-se à Igreja e ao Estado, constituindo uma perversão dos respetivos regimes. Assim, não é de estranhar a atual deriva tendencialmente apátrida e areligiosa na atual União Europeia, o que pode ser visto como um retrocesso social. De facto, assistimos, hoje, ao absurdo de, em países europeus democráticos, membros das estruturas públicas convidarem os seus concidadãos eleitores a saírem do país, em caso de desconforto ou desacordo com as políticas implementadas. (AB)

Foto: pormenor das falésias da Marginal Norte em Peniche

Peniche, 08 de Novembro de 2018
António J. B. Barreto

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

O Momento do Benfica II


O Momento do Benfica II 

Das infraestruturas:
  
É este um dos ex-lbris da gestão de Filipe Vieira que por si só lhe garantirá lugar de relevo na história do clube. Estádio, pavilhões (2), piscinas (2), museu e complexo do Seixal. Uma obra e peras. As “peras”, são um passivo da ordem dos 400 milhões de euros que asfixia o clube (SAD) e degrada a sua capacidade competitiva. Sem uma equipa - de futebol sénior - forte, nenhum projeto tem futuro. A importância das infraestruturas é instrumental; são necessárias para construir uma equipa de topo europeu, conforme os pergaminhos do clube. Ainda não ocorreu. Já lá vão 15 anos de novo Estádio.

   Recordo que o projeto de Vale e Azevedo de recuperação do antigo Estádio, da autoria de Tomás Taveira, custava o equivalente a 20 milhões de euros. Para a constituição da SAD havia financiamento do equivalente a 100 milhões de euros. À época, o passivo do clube era da ordem dos 10 milhões de euros, equivalentes. Esta disponibilidade teria permitido recuperar o antigo Estádio, pagar a totalidade da dívida e investir de imediato na competitividade do futebol sénior, Quem sabe se não teria permitido quebrar o ciclo azul bem mais cedo - até porque a Olivedesportos estava em cheque na questão dos direitos desportivos da Liga.

   A componente imaterial também carece de consideração; o antigo estádio tinha um simbolismo não negligenciável; por um lado incorporava o esforço coletivo dos adeptos e populares que participaram com materiais, trabalho ou dinheiro para a sua construção; por outro era único, um dos maiores da Europa e do Mundo - só tinha equivalente no Maracanã; por outro ainda, tinha sido palco dos grandes feitos desportivos do clube que fascinara os adeptos do futebol em geral incluindo os jogadores adversários envolvidos. Dele emanava um poder galvanizador sem paralelo nos grandes momentos. Tudo isto ruiu com ele.

   Mário Dias, coordenador do projeto do novo Estádio, disse na entrevista à BTV por ocasião da comemoração dos 15 anos do novo Estádio, que os Bancos se tinham recusado a financiar a recuperação do antigo por não proporcionar retorno. Compreende-se o interesse dos bancos em vender 400 milhões de euros em vez de 20 milhões, concluindo-se que a construção do novo Estádio foi, sobretudo do interesse daqueles e não do Benfica. E também se conclui que o atual Estádio, simboliza a usura bancária e o messianismo de Filipe Vieira. Uma grande mudança deste “novo” Benfica: de Sport Lisboa e Benfica para Sport Lisboa e Vieira.

   Pelo referido, ao contrário do que tem sido propalado, a construção do novo Estádio dividiu os adeptos do Benfica, enfraquecendo-o.

   Há lugar para uma ressalva de natureza económica comparativa relativamente aos custos de manutenção e de exploração, bem como ao potencial de receita associada aos dois estádios.

   A considerar também o contexto da época em que o Benfica estava afastado da “febre” dos Estádios em marcha acelerada apontada ao euro 2004, para gáudio dos rivais e respetivos correligionários. Aliás, à época, fiquei com a convicção que um dos propósitos do euro 2004, até pela forma como vários jogadores encarnados foram tratados na Seleção, teria sido o de deixar o Benfica para trás face aos rivais diretos - havia dinheiro para todos mas não para o clube da Luz; que isto não é a Santa Casa da Misericórdia, como declarava o Tavares. O “ficar para trás” poderia deixar sequelas entre os adeptos Não sei. Mas sei que, o que efetivamente importa é ganhar; ganhando, a questão do Estádio não teria relevância.
Foto: Casario da Papoa em Peniche

Peniche, 6 de Novembro de 2018
António J. R. Barreto 
 

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

O 25 de Abril Visto da História (notas P8)

O 25 de Abril Visto da História
(Livraria Bertrand)
Diálogo entre José António Saraiva e Vicente Jorge Silva em 1976 sobre a atualidade política, em vésperas as primeiras eleições presidenciais

  
O apelo à população rural, sobretudo das regiões de pequena e média propriedade, é uma constante dos partidos de direita. E a verdade é que esse apelo encontra resposta. Ora isto coloca um problema…que de resto se arrasta há muito tempo sem solução: a questão das relações da cidade com o campo. …. As cidades tornam-se o cenário artificial de um país que continua a ser predominantemente rural. …. E isto coloca de novo o problema da incapacidade dinâmica da burguesia portuguesa - que nunca leva à prática uma reforma agrária, que não faz a mecanização da agricultura e muito menos a sua industrialização. …trata-se de facto, nestes casos, de uma reação natural a um desenvolvimento, que de desenvolvimento tem apenas o discurso, a ideologia. ….eu preferiria, relativamente ao campo, a classificação de “indicador de desenvolvimento”. (JAS)

   É histórico; o conservadorismo da população rural nas regiões de minifúndio deve-se ao enraizamento do sentido de propriedade e também à profunda cultura cristã. Por outro lado, a população rural das regiões de latifúndio é mais acessível à doutrina progressista seja pelo regime de propriedade - marcada pelo assalariado -, seja pela heterogeneidade religiosa da população durante o processo do povoamento.

   Já o desequilíbrio persistente da relação de forças entre “a cidade e o campo” tem origem na significativa perda de relevância económica do setor agrícola, em clara decadência numa economia em transição, mas também devido à constituição e funcionamento das estruturas partidárias, que, claramente, subalterniza as regiões do interior, e constitui, em si mesmo, um dos maiores paradoxos do atual regime político.

   A falta de industrialização agrícola em Portugal terá muitas causas, como a crónica falta de capital - que caracteriza toda a economia nacional, desde sempre, agravada com a expulsão dos Cristãos-Novos -, mas, a que me parece decisiva e consiste na inviabilização económica da propriedade rural na sequência do fim dos morgadios e na alteração do regime de propriedade, que ocorreu no século XIX.

…Em contrapartida, entre o funcionalismo público, e contrariamente às expectativas, foi a linha PCP que saiu vencedora das primeiras eleições realizadas com vista à formação do sindicato daquele setor….(VJS)

   E tem sido assim até aos dias de hoje, para desgraça de Portugal; à “boa” tradição comunista, o PCP, através do controlo que exerce sobre os sindicatos da função pública via Intersindical, detém um poder de influência na governação muito superior à sua representatividade eleitoral. Além da evidente distorção democrática, o PCP, usando das prerrogativas que a lei lhe confere, condiciona setores vitais da administração pública alimentando conflitos sociais e degradando a competitividade económica geral sem contemplações, em nome dos interesses do “novo proletariado”, os “idiotas úteis” da modernidade.

 
…Ora, com reveladora frequência, verificamos que quanto mais acentuada é a má consciência pequeno-burguesa desses dirigentes mais eles ostentam uma “autossuficiência” de carácter já patológico, um exclusivismo, um sectarismo perfeitamente doentios, uma obsessão patética de serem os “pais ideológicos” da classe operária….. Antagónica à concepção leninista era, afinal, a concepção marxista, segundo a qual a emancipação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores. (VJS)

   Apercebi-me disso mesmo ao constatar a origem pequeno-burguesa da generalidade dos protagonistas das esquerdas em Portugal, desde o 25 de Abril. O caso mais flagrante da atualidade é o dos ativistas do Bloco de Esquerda, mas não só. Operários e camponeses, em geral o povo simples, não tem disponibilidade para o “lero-lero” político. Mas não se trata apenas de eventual “má-consciência de classe”, será mais uma necessidade compulsiva de protagonismo e de aproximação ao poder, ou mesmo do seu exercício. Daí a “perigosidade” dos “intelectuais” na evolução das sociedades; a outra face da moeda.(AB)

Foto: Peniche, Marginal Norte
Peniche 3 de Novembro de 2018
António J. R. Barreto

sábado, 3 de novembro de 2018

O desastre de ontem

O futebol miserável que a equipa do Benfica apresentou ontem frente ao Moreirense vem desde a pré-época da temporada passada e é, nem mais nem menos, do que o corolário dos equívocos do seu Presidente; na relativização dos objetivos de curto-prazo - conquistar títulos no futebol sénior - em favor dos de longo prazo - a conquista da Liga dos Campeões - e na incapacidade de perceber os requisitos necessários do líder técnico do projeto, o Treinador Principal. Não bastam as qualificações ao nível da formação nem a capacidade de apostar nos jovens talentos; sem capacidade competitiva de topo todo o projeto sairá desvalorizado e ruirá como um castelo de cartas. O atual Treinador do Benfica tem excelentes qualidades humanas, não tem medo de arriscar e é até um bom Treinador mas não ao nível das aspirações do clube. Quando um Treinador do Benfica diz, publicamente ou em privado que, temos que aprender a viver com o insucesso,  só tem um caminho a trilhar; o da porta de saída. O Benfica é o oposto; o inconformismo com a derrota, a indomável vontade de vencer.
 
   Não é necessário ser especialista para perceber os princípios gerais do futebol e avaliar, grosso modo, a qualidade de jogo de uma equipa. O fascínio do futebol passa por aí. Ora sucede que o atual futebol do Benfica revela lacunas táticas gravíssimas, desde a pré-época da temporada anterior, cujo resultado se traduziu num vexame sem precedentes do qual destaco a derrota por 5-0 com o modesto Basileia. Se, num primeiro tempo poderíamos atribuir tal desempenho ao tremendo rombo infligido no plantel  pela Direção do clube - por imposição dos bancos, julgo eu -, nem depois, quando a equipa recuperou alguma capacidade competitiva animando um campeonato destinado aos azuis, nem atualmente, com um plantel melhor apetrechado para a cómica Reconquista, perante a persistência das lacunas, encontramos outra explicação que não seja a incapacidade do treinador.
 
   A equipa não revela coesão tática; desagrega-se com o andamento do jogo e vive da inspiração individual dos jogadores, de algumas combinações - poucas - que conseguem fazer e da menor qualidade dos adversários.  Comprova-se isso observando a deficiente ocupação do terreno de que resulta grandes lacunas entre jogadores e a ausência do designado "fio de jogo"; geralmente escasseiam linhas de passe ao portador da bola que, para as obter, despende grande esforço físico, acumulando fadiga e perdendo, gradualmente, capacidade competitiva, enquanto os companheiros geralmente permanecem, pateticamente, estáticos em zonas neutras, aguardando o endossamento da bola. Então vão-na trocando transversalmente a baixa velocidade até perderem a posse, sem sequer tentarem o remate à baliza ou algum passe de rotura, ou nalguma tentativa de penetração no bloco contrário. Falta dinâmica, sincronismo coletivo, capacidade criativa, verticalidade, velocidade e intensidade. E falta meia-distância, jogo aéreo e centros e cruzamentos com qualidade.
 
   Na fase defensiva, os jogadores não sabem que terreno ocupar; limitam-se a correr atrás da bola, como tontos, e a recuar desordenadamente para a zona da grande-área abrindo zonas de tiro ao adversário; pressionar o portador, fechar linhas de passe e fazer marcações com eficácia não consta do cardápio tático da equipa.
 
   É demasiado pouco . 
 
   O Presidente do Benfica está tão obcecado com  a formação que está disposto a sacrificar o essencial, ganhar! E na tão afamada estrutura profissionalizada, principescamente paga, ninguém percebe o decadente e ruinoso estado da arte da equipa sénior de futebol? Claro que sim, mas temem perder o lugarzinho. Atualmente não há espaço para a dissidência interna. A BTV de hoje, é deprimente; transformou-se numa feira de amanuenses embevecidos com a visibilidade pública. Vivem a ditadura parola do messianismo imposta pelo atual Presidente. Quer este, quer os restantes membros do Conselho de Administração - entre os quais, surpreendentemente, o ídolo dos benfiquistas Rui Costa -, quer o atual Treinador, vivem em negação, ignorando que não é por acelerar a fundo que um fia se transforma num ferrari. Não é por muito querer que um bom treinador se transforma num treinador de topo. É o caso.
 
   Ao querer proteger Rui Vitória, Filipe Vieira, provocou o contrário, sujeitando-o a uma inevitável saída humilhante e ao clube, a mais um vexame. Fica assim demonstrada a incapacidade do atual corpo diretivo numa área vital. O Benfica necessita de um novo fôlego. Um fôlego destituído de patéticos messias, recentrando o clube no essencial; nas vitórias, e não em projetos de hotelaria, na construção civil, no ensino, ou outros; na defesa do clube perante as ameaças externas que, farisaicamente, se abatem sobre si. Enfim, um clube à imagem do  famigerado quarto anel; sem medo nem rabos de palha.

PS: Com que motivação entraram em campo os jogadores de origem externa depois de o Presidente do clube, no êxtase das comemorações do Estádio, ter afirmado que só com jogadores formados internamente o Benfica poderia almejar ao título europeu? Uma imprudência idiota de consequências imprevisíveis mas seguramente nefastas.
 
Foto: Rua Peniche de cima
 
Peniche, 3 de Novembro de 2018
António J. R. Barreto

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

O momento do Benfica (notas 1)

      Alvo de um ataque externo sem precedentes e sob forte contestação interna, a atual Direção do Benfica,  a pretexto das comemorações dos 15 anos do novo estádio, fez uma síntese do trajeto dos feitos desportivos e infraestruturais do clube-SAD sob sua égide, caracteriza a condição económica e financeira atual daquele e define os objetivos desportivos de médio prazo bem como a estratégia em curso para o efeito. Um ato de liderança notável, visando a união e motivação interna e, simultaneamente, um sinal de confiança e apaziguamento para o exterior.

 
   Porém, tudo se esboroará, se os resultados desportivos ficarem aquém da expetativa dos adeptos; daí a importância das próximas medidas de gestão desportiva que venham a ser tomadas...ou não. 
 
   O que ouvi ao Presidente do Benfica suscita-me alguns comentários:
 
   Julgo que há um equívoco quanto ao entendimento da "metafísica" benfiquista. O Benfica, o melhor Benfica, o Grande Benfica, está no imaginário dos 14, 15 ou 16 milhões dos seus adeptos e é simbolizado pela nobre águia; um clube dominado pela inquebrantável  e insaciável vontade de vencer - em qualquer terreno, contra qualquer adversário, contra qualquer orçamento - onde reina a arte de bem interpretar o futebol - com garra e respeito pelos adversários, mas implacável; um clube que é, simultaneamente, bandeira identitária de muita gente e suscita o respeito geral; um clube que é, também, uma bandeira de um país, Portugal. Por conseguinte, a origem da grandeza do Benfica é imaterial; é aí que tudo começa e é aí que nascem alguns equívocos. Por exemplo; não são os benfiquistas que têm de se adaptar aos conceitos de benfiquismo dos dirigentes, são estes que devem adaptar as suas estratégias de gestão ao benfiquismo dos adeptos!
 
   Assim sendo, não fica bem ao atual Presidente dizer aos benfiquistas que estão mal habituados, aludindo aos títulos conquistados sob seu consulado. É que, aqueles, habituaram-se a ganhar muito antes. Pela mesma ordem de ideias não fica bem a um treinador do Benfica declarar publicamente, para adepto ouvir, que, temos de aprender a viver com o insucesso! A consequência deveria ter sido o imediato e discreto convite à saída do clube.
 
   Vem a talhe de foice referir que, há muitos adeptos - entre os quais me incluo - convictos de que os dirigentes do Benfica não quiseram ganhar o campeonato passado. Pela simples razão de que nada fizeram para o vencer; venderam todos os jogadores com mercado, recorreram a empréstimos falhados e, nem após uma desastrosa e vexatória pré-época, nem em Janeiro, após início titubeante, quando as lacunas eram bem visíveis, "mexeram uma palha" para as suprir. Viu-se pelo desfecho da campanha que poderia ter bastado integrar Odisseias em Janeiro, ou Gaitan, ou Mitroglou, para ganhar. E era possível.
 
   Perante os factos, todas as especulações são legítimas. Na primeira linha dos suspeitos vêm os bancos, os mesmos que congelaram as contas do Benfica no tempo de Vale e Azevedo - uma "rasteira" que haveria de lhe valer pena de prisão -, os mesmos que, ao que consta, reestruturaram, sucessivamente, as dívidas dos rivais e efetuaram doações encapotadas sucessivas a pelo menos um dos rivais, os mesmos que, atualmente, são parceiros de um dos pilares de outros dos rivais na Sport TV.
 
   Não é despropositado admitir que os bancos em causa por um lado, façam lóbi pelos rivais e por outro, dada a conjuntura bancária desfavorável e as diretivas do Banco Central, tenham pressionado o Benfica a amortizar o capital em dívida mesmo antes da data de vencimento da amortização. Acredito nisto. Num primeiro tempo, sem previsão de liquidez, a Direção recorreu à venda de jogadores, desfalcando a equipa, destruindo-lhe a identidade e comprometendo a época. Quando surgiu a solução da antecipação das receitas da MEO, a sorte do campeonato estava traçada e sobreveio o discurso das obras, aplainando a previsível fúria dos adeptos; "não ganhamos mas construímos património"....e não podemos ganhar sempre. Por outro lado, está por demonstrar o interesse do Benfica na antecipação da amortização da dívida; se é verdade que poupa cerca de 16 milhões de euros anuais - grosso modo -, também é verdade que, no período antecipado - julgo que de 3 anos -, abdica de 40 milhões de euros de receita; ou seja, em cada um desses três anos, o Benfica dispõe de menos 24 milhões de euros que poderia investir na competitividade da equipa. Se estou certo, o principal beneficiário da operação foram os bancos e...os rivais.
 
   Também não é despropositado pensar, tendo em conta certas vicissitudes do conhecimento público, que pode haver uma espécie de consenso alargado, mesmo que tácito, ou imposto, envolvendo a Liga a Federação, os principais clubes e até algumas entidades governamentais, no sentido de forjar um campeonato competitivo, "disputado" até à última jornada. A exiguidade de recursos dos grandes rivais do Benfica, com a insolvência a espreitar no horizonte dá alguma consistência a esta suspeita.
 
   Finalmente, não é descabido pensar que, face a todas as entropias veiculadas na comunicação social, associadas ao roubo da correspondência do clube, e, até, à vida empresarial particular do atual Presidente encarnado, o Benfica tenha sido alvo de algum tipo de chantagem com contrapartidas desportivas. Não quero acreditar nisto, mas já percebi que os rivais do meu clube parecem capazes de tudo e que têm muitos aliados, demasiados, e com poder. 
 
Talvez o futuro venha a fazer luz sobre o assunto.

Foto: Marginal Norte em Peniche
 
Peniche, 1 de Novembro de 2018
António J. R. Barreto

O 25 de Abril Visto da História (notas, P7)


O 25 de Abril Visto da História
(Livraria Bertrand)
Diálogo entre José António Saraiva e Vicente Jorge Silva em 1976 sobre a atualidade política, em vésperas as primeiras eleições presidenciais
 
…E esse é um traço característico do atraso português, uma constante da nossa história dos últimos cento e cinquenta anos. Durante o liberalismo, durante a República, e também durante o Estado Novo e ainda depois do 25 de Abril, os quadros políticos dirigentes são recrutados em grande parte - e até em maioria relativa - entre elementos das profissões liberais, entre advogados…. (VJS)

…A necessidade de legislar surge, no fundo, de certo modo, como alternativa à incapacidade de transformar…..(JAS)

Começo a duvidar da utilidade dos intelectuais na vida política dos povos. (AB)

…A Inglaterra…fazendo no fundo as vezes de uma “burguesia dominante” que nunca apareceu em Portugal. De França importava-se a ideologia da Revolução….não apenas a mentalidade, o estilo, o discurso político, o radicalismo verbal, o anticlericalismo radical, mas mesmo as organizações revolucionárias (como é o caso da Maçonaria e da Carbonária), importava-se o jacobinismo – que haveria de ter um papel decisivo na implantação da República em Portugal. (JAS)

   Inglaterra e França encontra-se hoje ensarilhados nas teias das suas próprias contradições face ao fenómeno da imigração, e Portugal parece apostado em seguir-lhes as pisadas, aprofundando os seus equívocos e a coesão social. (AB)

…Ao longo dos últimos dois séculos, a sociedade portuguesa, vive permanentemente entre dois impulsos: um de natureza exterior, que se faz de fora para dentro e de cima para baixo, e que é de sinal desenvolvimentista, transformador, que caminha no sentido da implantação de relações capitalistas; ou outro, de natureza interior, que se verifica de dentro para fora e de baixo para cima, que se faz no sentido da preservação das relações tradicionais contra a tendência invasora da ordem capitalista. (JAS)

   Isto passa-se em qualquer sociedade minimamente aberta, não é exclusivo de Portugal, e é bem mais complexo; o caso da Inglaterra no século XIX ou dos USA no século XX são exemplos dos poucos países que mudaram as suas estruturas económicas a partir de dentro. A ameaça castelhana induziu Portugal à dependência militar externa  - da Inglaterra; a conjugação destes dois fatores aliado à implacável perseguição dos Jesuítas pelo Marquês de Pombal - fechando-lhes as escolas – e à atuação da Ordem do Santo Ofício - que só viria a ser formalmente extinta em 1842 -, talvez ajude a explicar a fraca dinâmica transformadora a que JAS alude e que parece perpetuar-se. Hoje, assistimos a uma transformação estrutural da economia portuguesa, imposta pela União Europeia, com recurso a subterfúgios como o do aquecimento global, do ambiente, ou da produtividade, sem que se perceba bem quem são os efetivos beneficiários desta transformação. (AB)

…Ora…a pequena burguesia constitui uma manta de retalhos…e não pode segregar, de facto, o que Gramsci chama “os intelectuais orgânicos” de uma classe, os partidos. Daí que os partidos surjam em Portugal como fatos que, depois de acabados no alfaiate, partem à procura do corpo social. (JAS)

   Talvez esta seja uma das causas do fechamento dos partidos portugueses à sociedade, devido ao medo de perderem as suas referências doutrinárias, e da distorção da democracia devido ao empenho partidário na mudança dos cidadãos e, absurdamente, na substituição da população, para sustentação dos seus projetos de poder.
Foto Praia de Peniche de cima
Peniche, 01 de Novembro de 2018
António J. R. Barreto