Desporto

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

O 25 de Abril Visto da História (notas: P2)


O 25 de Abril Visto da História
(Livraria Bertrand)
Diálogo entre José António Saraiva e Vicente Jorge Silva em 1976 sobre a atualidade política, em vésperas as primeiras eleições presidenciais
 
….Será curioso observar, a propósito, o que se passa durante a guerra civil de 1832-1834, quando a burguesia portuguesa, desempregada depois da independência do Brasil, se põe a reboque das forças liberais - de um exército de políticos, exilados – não para fazer prevalecer na sociedade portuguesa a sua ordem, a ordem burguesa, mas para desapossar o clero e a nobreza das suas terras e para se meter depois, ela própria, nas terras do clero e da nobreza, conservando praticamente intactos os privilégios que antes essas duas classes usufruíam, prolongando a sociedade feudal. ....(JAS)

…..gostaria de recordar o que me disse um dia um reconhecido historiador: que Salazar tinha deixado o Portugal em condições ótimas para o estabelecimento de um “regime socialista” ( e socialista, neste caso, entre aspas, evidentemente). …(JAS)

….Aí tu tocas num aspeto muito importante: Portugal é um país onde nunca se verifica um livre jogo de forças, onde tudo se resolve através de leis, de decretos. … (JAS)

…Apenas um setor se mantém aparentemente invulnerável ao regresso ao salazarismo: o Ensino. …(VJS)

…A burguesia em Portugal, satisfaz-se com a pilhagem colonial – e com o seu negócio. Não se forma em Portugal uma burguesia industrial. .. (JAS)

….Não se coloniza o Império – conserva-se o Império. Não se exploram os recursos do Império – mantém-se o Império. O Império é “terra sagrada”, é Pátria - e como tal, inalienável. …Com Portugal passa-se exatamente o contrário: a possibilidade do regime e do Império sobreviverem reside em não desenvolver, em paralisar.”… (JAS) 

   Aqui, JAS revela surpreendente ignorância; na sequência da 1ª GM, Portugal ficou obrigado pela comunidade internacional a intensificar o desenvolvimento das suas colónias. A partir do início dos anos sessenta – em particular no consulado marcelista e em colaboração com a CEE - e até ao 25/04/74, o crescimento económico - agrícola e pescas, industrial - bebidas, minérios, petróleo - e comercial, com o acesso direto a financiamento europeu e americano - sobretudo de Angola e de Moçambique, foi simplesmente espantoso, impressionante - os dados estão acessíveis -, e esta, sim, terá sido, quanto a mim, a principal causa do empenho internacional no movimento independentista, suportado politicamente pelo reconhecimento do “direito dos povos à autodeterminação”, na sequência dos acordos pós-guerra - 2ª GM. (nota AB).

“…Não é por acaso que setores oposicionistas identificados hoje com o Partido Socialista acorrem a apoiar vivamente as teses neocolonialistas, ditas “federalistas”, que Spínola começa a defender quando era ainda governador da Guiné. …(VJS)

….Uma das teclas em que bate constantemente a propaganda da República é a da incapacidade do aparelho monárquico para garantir a integridade nacional, para manter as colónias – donde a necessidade imperiosa de o derrubar. Ora não deixa de ser curioso estabelecer um paralelo entre uma primeira República que surge no palco do país a defender Portugal da perda à vista das colónias e uma segunda República que, precisamente ao contrário, aparece a afirmar a necessidade de Portugal oferecer às colónias a possibilidade de se autodeterminarem. ….(JAS)

   Mudança, afinal, consequência da nova ordem mundial, adotada no pós 2ª GM e bandeira do PCP e, mais tarde, de Mário Soares e do Partido Socialista. (nota AB)
 
Peniche, 22 de Outubro de 2018
Antonio J.R. Barreto

O 25 de Abril visto da História (notas P1)



O 25 de Abril Visto da História
(Livraria Bertrand)
Diálogo entre José António Saraiva e Vicente Jorge Silva em 1976 sobre a atualidade política, em vésperas as primeiras eleições presidenciais
(notas)
 

     Duas das mais prestigiadas figuras do jornalismo nacional contemporâneo, observadores privilegiados do processo dito revolucionário do 25 de Abril de 1974, analistas sagazes de considerável cultura histórica, em vésperas das primeiras eleições presidenciais, revisitam a História à luz dos acontecimentos políticos da época.

    Refere-se, por exemplo, a tradicional fragilidade orgânica da sociedade civil como causa do protagonismo militar nas mudanças de regime em Portugal, como o que acabara de ocorrer; o vazio de poder que se verificou na sequência da destituição do antigo regime, período designado por PREC; a incipiência das estruturas dos novos partidos políticos, PS, PPD e CDS contrastando com a do PCP, robustecida por décadas de luta clandestina antissalazarista - desde 1926; da falta de aderência de todos à realidade social do país, ao qual impuseram modelos externos a que se vincularam; da preponderância do tacticismo político em prejuízo da coerência ideológica; da submissão de todos ao tradicional poder das armas; das vicissitudes e equívocos de alguns dos principais protagonistas do momento histórico; da correlação entre os destinos políticos das ex-colónias e de Portugal europeu, etc..

   Uma das curiosidades interessantes reside na referência ao desacordo de Ramalho Eanes na decisão de reabilitação do PCP, na sequência do 25 de Novembro de 1975, cujo defensor ativo teria sido Melo Antunes. Outra, na constatação de que a formação do atual BE parece ter origem nas que apoiaram a candidatura de Otelo às presidenciais de 1976, como a UDP a FSP e o MES (sendo que grande parte dos membros deste grupo constituem, hoje, a ala esquerda do PS).

   “…Sartre, escreveu algures, escandalosamente, que “nunca fomos tão livres como durante a ocupação alemã”. Talvez se pudesse acrescentar que a esquerda portuguesa nunca foi tão livre, ideologicamente, como durante os cinquenta anos de salazarismo….(VJS)

….O salazarismo emerge como alternativa histórica a esta dupla incapacidade - da burguesia republicana, primeiro, do Exército, depois -…. (VJS)

…O apelo a Deus - o apelo à ideologia - é sempre, evidentemente, um sintoma de incapacidade para resolver um problema. O reconhecimento de uma impotência para ultrapassar uma crise….(JAS)

…Temos assim que países como a URSS, a China ou Moçambique são hoje casos típicos de sociedades ideológicas; aí, onde os programas de desenvolvimento são fabricados em gabinete e impostos de cima para baixo, é condição prévia a existência de um Estado forte – que justifica o seu papel fortemente repressivo em função de uma “cartilha sagrada” existindo acima da própria sociedade e fora de qualquer discussão, e de um partido único que a pratica e impõe ao conjunto do corpo social… Trata-se de reduzir as tensões sociais (leia-se: a dinâmica social), ao zero absoluto – para construir depois sobre o vazio, o Estado absoluto, omnisciente e omnipresente. Aí, tudo se torna oficial. …(JAS)

…A sociedade burguesa é uma sociedade que destrói o espírito religioso porque assenta exclusivamente sobre condições materiais. …. (JAS)

(Foto: Praia de Peniche de cima) 
Peniche,21 de Outubro de 2018
António J.R Barreto

O clube "maldito"

      Quando vi pela TV a sessão na Assembleia da República acerca da violência no futebol, apesar de me ter parecido uma rábula "mal amanhada", acreditei que era verdade; perante a escalada de violência verbal, concertada, planeada, a que se assistia desde o início da época por parte de alguns dirigentes visando desacreditar o principal rival dos seus clubes, pensei que os mais altos dignitários do futebol e da Nação, dirigentes da FPF e deputados, tinham resolvido meter ordem no setor, criando instrumentos dissuasores de tais comportamentos. Enganei-me. Factos posteriores mostraram que se tratava, efetivamente, de mais uma rábula. Uma rábula para sustentar os violentíssimos ataques institucionais ao tal clube que tanto incomodava os rivais: o Benfica. É verdade. E sem pudor. Lembrei-me do episódio da bárbara agressão de um agente da autoridade a um adepto benfiquista perante pai e filhos, junto ao estádio de Guimarães, onde se desenrolava a partida que faria do seu clube virtual campeão. As agressões, excessivas, indiciavam uma qualquer patologia do agente. Provavelmente. Seguiram-se os trâmites legais, com avanços e recuos; inquéritos,  acusação, julgamento, condenação e punição. Assunto encerrado. Julgava eu. Enganei-me; esse episódio é uma metáfora da forma como a administração pública vê a sua relação com o Benfica. A bateria de sanções, desportivas e judiciais que se abateu sobre o clube encarnado recentemente prova-o à saciedade.
 
   Isto conduz-nos aos primórdios do 25 de Abril de 74 e à narrativa "antifascista" que, desde então, constitui um instrumento de combate politico, mas também económico e...desportivo. Quem viveu esse tempo, sabe o que foram os saneamentos; nas escolas, nas universidades, nas empresas; as ocupações selvagens de propriedades, casas e quintas. Uma época de excessos onde o romantismo se misturava com a violência e o oportunismo frutificava rumo ao futuro, que é hoje. O 25 de Novembro veio pôr alguma ordem no  país proporcionando a realização de eleições para a Assembleia Constituinte, que elaborou a constituição que, com alterações entretanto introduzidas, tem regido o regime em vigor.  Mas a narrativa do "fascismo" permanece. E a generalidade das elites políticas não sabem lidar com ela. Na realidade, têm pavor dela. E é este o contexto adverso com que o Benfica tem que lidar desde então tornando bem mais difícil e ingrata a sua tarefa. A ponto de muitos benfiquistas refrearem o seu fervor clubista para não "ofenderem"  os adeptos rivais.
 
   Construiu-se e alimenta-se a retórica  de que o Benfica foi o clube do regime de Salazar, apesar de todos saberem que tal não corresponde à verdade. A História demonstra que o Benfica nunca foi subserviente ao Estado Novo, ao contrário dos seus principais rivais. Deixo isso para os historiadores, mas basta observarmos que a ascensão de Salazar se iniciou em 1926 e que o Estado Novo foi instituído com a constituição de 1933. Ora o domínio do Benfica no futebol iniciou-se a partir de meados dos anos 50 até meados doa anos 80. Portanto, entre 1926 e 1955, quem prevalecia no futebol nacional era, salvo o erro, o Sporting! O que sucedeu foi que, o Benfica, nos anos 60, alcançou projeção mundial, com uma equipa plurirracial e pluricontinental e isso era do interesse de Salazar, pois simbolizava o tipo de sociedade com que sonhava; uma sociedade plurirracial de sucesso. E foi nessa medida que, involuntariamente, o Benfica serviu os interesses do Estado Novo; tornando-se uma das melhores equipas da história do futebol. E é isso que não lhe perdoam.  
 
      Ainda recentemente, Pinto da Costa, designou por "Liga Salazar" a mais recente ganha pelo Benfica. Um insulto soez ao rival, mas, sobretudo, à tutela desportiva e, em última instância, às instituições da República. Que saiba, ninguém, em nome de qualquer daquelas instituições, protestou. Diz o bom povo que "quem cala consente". Um sinal de fraqueza.
 
   E é aqui que se estabelece uma diferença vital entre o atual Porto e o Benfica; aquele, tem dimensão política, o Benfica não; aquele, faz parte duma estratégia de poder político local  e este ocupa-se exclusivamente de desporto. O Porto emerge como uma superestrutura de certas elites económicas e políticas da cidade, cabendo-lhe o papel de desafiador do centralismo lisboeta projetado no Benfica. Ao desafio desportivo  sucede o desafio policial e judicial; os superdragões praticam, incólumes, há décadas, atos censuráveis, com o propósito secundário de ostentar a não obediência às leis da República.  "Aqui mandamos nós", é a mensagem. O mais grave é que tal comportamento aparece publicamente respaldado nas forças de segurança, nas magistraturas judiciais e nos tribunais. Este é o caminho que vem sendo trilhado desde os anos oitenta, com a cumplicidade das forças políticas que preconizam a regionalização nos seus programas. Um erro grave; misturar política com desporto, só prejudica o debate. Os méritos da regionalização ficam prejudicados pelo envolvimento de figuras sinistras e pela restrição à cidade do Porto, afastando grande parte dos cidadãos. Não é a Cidade do Porto que carece da regionalização, é o país.
 
   Esta realidade tem desequilibrado a relação de forças institucional entre os dois clubes e assim permanecerá até que os dirigentes do clube encarnado tenham o engenho de fazer valer o seu poder social perante os agentes políticos do pais.
 
   Proibidos estatutariamente de desenvolver atividade política, os clubes têm todo o direito de questionar os vários atores da vida pública acerca dos seus projetos para o desporto, cotejá-los com as suas próprias ideias e informar os seus adeptos dos casos de conformidade ou desconformidade.
 
   Mais, os dirigentes do Benfica têm hoje fundamento para questionar publicamente os órgãos de soberania bem como os diretórios partidários acerca das suas intenções relativamente ao clube. É tempo de dizerem se continuam dispostos a ser cúmplices da perseguição a que o clube tem sido sujeito cuja intensificação tem acompanhado o seu sucesso desportivo. Os adeptos do Benfica querem saber em que regime vivemos.
 
Peniche, 21 de Agosto de 2018
António J. R. Barreto