Desporto

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

USA - Eleições 2020 (III)

 As castas

   A supressão dos privilégios da aristocracia e do clero, característicos das monarquias, pelos regimes republicanos - fundados na tripla utopia, liberdade, igualdade e fraternidade -, não obstou à emergência de novas castas e correspondente cortejo de privilégios. Castas relacionadas com a esfera partidária, judicial, militar, económica e do alto funcionalismo público. A desigualdade começa aqui, desacredita a República e a democracia, perpetua-se e tende a agravar-se com as sucessivas gerações. A casta partidária, geralmente instalada na administração pública e com acesso às instâncias de poder, atribui-se a exclusividade da representatividade política. A ascensão política extemporânea de D. Trump, um outsider pragmático, financeiramente independente, oriundo da sociedade civil, vinculado à defesa dos interesses da América profunda, contra os poderes instalados, fez soar o alarme, não só entre o partido oponente como no interior do seu próprio partido. A sua lógica fora do filtro partidário suscitou compulsivas reações hostis radicadas no medo da perda de privilégios e de poder. A sua figura grotesca, o ar desajeitado, o discurso meio desarticulado e um passado social e económico polémico, forneceram pasto abundante à maledicência dos adversários. Ao bom estilo socrático, a uma figura caricatural, diabólica, está vedada a produção de boas ideias. Como tal nem vale a pena discuti-las. Apenas afastar a criatura para bem longe, catalogando os seus apoiantes com a habitual parafernália de epítetos vexatórios; estúpidos, incultos, ignorantes, atrasados, etc..

O Declínio dos Candidatos

    Um breve olhar pelos Presidentes dos EUA dos últimos 50 anos permite constatar um declínio dos respetivos perfis. Neste ato eleitoral chegam ser patéticas as mútuas acusações de incompetência dos candidatos, inclusive entre membros dos respetivos partidos. Se D. Trump é considerado rude e boçal, J. Biden é apelidado de senil, taralhouco. Nenhum destes classificativos seria aplicável a Ronald Reagan, Bill Clinton, George H. W. Bush ou Obama. Parece haver um estranho mecanismo na democracia americana, a confirmar a velha máxima de Adam Smith, segundo o qual a má moeda afasta a boa moeda. Mais uma vez trata-se de uma característica de quase todas as democracias, visível em Portugal, Espanha, França, Reino Unido e Itália onde se tem assistido a fenómenos idênticos, seja emergindo do seio dos partidos de poder, seja na sequência da emergência de novos partidos. Talvez o jogo democrático tenha resvalado para uma espécie de aviltamento que afasta as verdadeiras elites da causa pública. E isso constitui uma ameaça às democracias.

Forma e conteúdo

   Diz o bom povo; “As aparências iludem” e “quem vê caras não vê corações”, aforismos que permanecem atuais em qualquer vertente da atividade humana e em particular na política, essa arte simultaneamente nobre e aviltante da persuasão. A forma precede o conteúdo. Vê-se por todo o lado e em todo o lado. Viu-se exuberantemente, exageradamente, despudoradamente, com D. Trump, nos Estados Unidos, mas também em Portugal. A sua figura meio grotesca, meio patética, a sua retórica rudimentar, direta, proporcionaram vasto campo de enxovalhamento pessoal. Nenhuma boa ideia poderia sair de figura tão repugnante. Um conceito puramente nazi. Choveram acusações de todo o género; de corrupção, de traição ao país, de racismo, de xenofobia, de homofobia, de machismo, de violação, etc. etc. Pelo Frankenistein que ocupava a Casa Branca todas as monstruosidade eram praticáveis e prováveis. Raramente se encontrava uma análise crítica exaustiva ao seu programa de governo nos meios de comunicação social. Especialmente em Portugal. A tática é simples e recorrente; desacreditando-se a pessoa desacreditam-se as suas propostas evitando-se o confronto de ideias cujo resultado pode ser o contrário ao pretendido.

Peniche, 8 de Dezembro de 2020

António Barreto