Desporto

domingo, 29 de maio de 2022

Um Pouco de História

 

Um Pouco de História

   “A história da República Romana forma naturalmente sete períodos ou épocas, de cada um dos quais fizemos um dos livros em que a dividimos.

   O primeiro, o mais extenso, e que a considerar cronológicas as tradições primitivas da cidade, dura quase quatro séculos (1-387). Abrange o tempo que vai desde a fundação de Roma até à outorga das Leis Licínias. Durante esse período efetuam-se em Roma todas as revoluções que nos tempos modernos (salvas as diferenças acidentais) abrangem a época decorrida desde a Idade Mádia até 1789.

   Dois séculos e meio, Roma, ao que reza a tradição, vivera sob uma monarquia patriarcal cujos traços fisionómicos são os de todos os períodos correspondentes. Em 245 uma r evolução abate essa monarquia protetora da plebe e funda no lugar dela o governo dos patrícios, ou da aristocracia de sangue, com a omnipotência do Senado, gerúsia ou conselho de anciãos. Logo se abre o período das revoluções e reivindicações da plebe, reclamando garantias de igualdade política; e, sucessivamente, se institui o Tribunado, se permitem os casamentos entre patrícios e plebeus, se abre à plebe o exercício de todos os cargos e sacerdócios atá ao ponto de que, votadas as Leis Licínias e conquistado por elas o acesso ao consulado em 387, se pode dizer fundada a igualdade política, se não com a força de um princípio jurídico, ao menos com a energia duma realidade positiva. Por isso dissemos que o ano de 387corresponde ao de 1789 ocidental. E à codificação dos Usos da nossa Idade Média corresponde em Roma a redação das leis pelos Decênviros (304), que, outorgando o código das XII Tábuas, roubou ao patriciado o sumo privilégio do conhecimento secreto das leis.”

Octaviano Augusto

História da República Romana

Oliveira Martins

Peniche, 29 de Maio de 2022

António Barreto

domingo, 22 de maio de 2022

Insultos ao Benfica

 

Insultos ao Benfica

  

   Os insultos ao Benfica proferidos por jogadores do Futebol Clube do Porto (FCP) em plena comemoração da vitória no recente campeonato resultam da consciência do seu imerecimento e do complexo de inferioridade que os atormenta relativamente ao clube da Luz.

   De facto, após cerca de 40 anos de supremacia futebolística seria de esperar a atitude cordial própria dos vencedores, de que são exemplo o próprio Benfica e todos os grandes clubes por essa Europa fora.

   Porém, esse tipo de grandeza provém não da quantidade de vitórias alcançadas mas da forma como foram obtidas. O traço comum dos grandes clubes reside no confronto leal, no respeito pelo adversário, antes, durante e depois do embate desportivo.

   Se há algo que caracteriza o FCP moderno é precisamente o oposto; uma cultura de hostilidade, de agressividade, de intimidação, numa atitude de afirmação regional, não apenas aos adversários, mas também dos agentes da tutela desportiva e até dos governos.

  A supremacia desportiva do FCP no atual regime foi alcançada através do controlo que adquiriu nas estruturas do futebol, que lhe permitiu beneficiar, explícita e implicitamente, de decisões dos respetivos órgãos, nos jogos, e nas áreas normativa e jurisdicional.   

   Paradoxalmente, quando, no 25 de Novembro, o país conquistou a liberdade política, sob a capa da democratização estabeleceu-se uma ditadura inamovível no desporto em geral e no futebol em especial, decorrente da maior densidade demográfica no norte do país, e, no caso do futebol, dominada pela Associação de Futebol do Porto.

   No plano formal, tudo se tem feito para diluir esse poder, sempre sem sucesso.

   Constituiu-se a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) dispersando o direito de voto por todos os intervenientes desportivos, mas a verdade é que esta só funciona quando os seus dirigentes são do agrado do FCP.

   Instituiu-se o vídeo-árbitro (VAR) com o propósito de apoiar as decisões dos árbitros, e o que temos assistido é ao seu uso em benefício direto ou implícito do FCP.

   Nos espaços desportivos e nos meios de comunicação social, instala-se uma espécie de guerra civil sempre que o FCP não ganha, numa militância transversal, acérrima e incondicional dos seus adeptos, vinculados ou não ao clube, sendo correntes os rumores de ameaças a árbitros e seus familiares por meliantes inimputáveis que gravitam na órbita do clube.

   Deixando de lado, o episódio do Apito Dourado, que expôs publicamente à saciedade, os métodos espúrios que levaram à condenação do clube nas instâncias desportivas, basta-nos um olhar para os dois últimos campeonatos.

   No penúltimo deles, em 34 jogos, o FCP teve a seu favor 16 penaltis assinalados enquanto o Benfica teve dois depois de decidido o vencedor! Catorze penaltis de diferença podem significar algo entre 14 e 42 pontos!

   No último verificou-se algo idêntico, 12 penaltis para o FCP e 5 para o Benfica; 7 de diferença que poderão representar entre 7 e 21 pontos! Acresce o tempo de jogo em superioridade numérica que, segundo consta, foi de cerca de 8 horas para o FCP!

 Como é possível que tal não tenha provocado a indignação geral e suscitado a investigação do Ministério Público?

   Como é possível que a PJ não tenha convocado de imediato o VAR do último jogo Benfica-Porto, para que este se explicasse d razão pela qual o fora-de-jogo de 2 cm parece ter sido tirado no momento errado?

   Como é possível que as autoridades não investiguem a LPFP e a FPF pedindo esclarecimentos para estas e outras ocorrências do género?

   Não sei, mas o que me parece é que há o consentimento tácito institucional e dos agentes políticos dominantes para o “sucesso” do FCP!

   As razões, quanto a mim, prendem-se, por um lado, com a necessidade de garantir a paz social dos adeptos do clube, e, por outro lado, com a instrumentalização política deste com vista à criação de uma identidade regional em seu torno e à predisposição para a regionalização, objetivo comum ao partido donde emana o atual Governo.  

   Finalmente julgo que se estabeleceu um consenso entre a comunidade política e algumas elites no sentido de favorecer uma mudança de paradigma no desporto, como sinal da efetiva mudança do regime autocrático para o democrático.

   Para estes, o Benfica é um símbolo do salazarismo e do centralismo que, por isso mesmo, tem de ser impedido de ganhar. Não importa se tal é ou não verdade, o que importa é que pareça ser verdade.

   Afinal, o Benfica é a maior Associação desportiva do país, com adeptos e admiradores nas “sete partidas do mundo” e isso parece suscitar receios em certas comunidades que, paradoxalmente, se apresentam como defensoras indefetíveis da liberdade.

   Não me parece que tenha sido por acaso que dois Presidentes do Benfica, foram parar aos calabouços - um logo após a saída do cargo, outro em funções -, ambos ainda a braços com a justiça, um deles, Vale e Azevedo, que mais parece ter sido condenado a prisão perpétua tal é a sanha persecutória que se percebe em torno do caso.  

   Apesar de tudo isto, a grande maioria dos benfiquistas parece considerar que não se deve misturar a política com futebol, indiferente à missão política do seu, de momento, maior rival.




 

Peniche, 22 de Maio de 2022

António Barreto

domingo, 8 de maio de 2022

Grande Benfica, pobre democracia

 

Grande Benfica, pobre democracia


     Quando, em 2015, o Partido Socialista formou governo, pressenti que o Benfica ia ter problemas graves. Quarenta e um anos de rumores, coincidências e evidências, definiram, na minha perceção, um padrão no campo desportivo. Infelizmente não me enganei. Um mês não era passado, da tomada de posse do novo governo, e já a comunicação social anunciava turbulência no Ministério Público; procedia-se à sua reconfiguração conforme as prioridades dos novos titulares do poder. Algum tempo depois, vem a público a notícia de uma cimeira, realizada na Capital, entre os dirigentes dos principais rivais do Benfica.

   Não tardou a ser disseminada, no espaço público, abundante informação confidencial do clube encarnado denunciando, com grande espalhafato, alegados atos espúrios “congeminados” ao mais alto nível.

   Rejeitada a providência cautelar pelo Tribunal de Primeira Instância da Comarca do Porto por um Juiz adepto confesso do rival da nobre cidade, a reputação do Benfica e dos seus dirigentes, foi devastada no pântano do espaço público durante cerca de um ano.

   Identificados os autores da “proeza”, “por coincidência” próximos do clube rival, movidos os correspondentes processos judiciais, aguarda-se, sem grande espectativa da minha parte, trânsito em julgado da condenação proferida em primeira instância. Já lá vão mais de 2 anos.

   Paralelamente sucederam-se as notícias de denúncias de irregularidades, anónimas umas, e do então Presidente do rival de Lisboa outras, ao Ministério Público.

   As “visitas” da Polícia Judiciária ao Estádio da Luz aconteciam com invulgar regularidade e sempre com grande espalhafato da comunicação social, em especial do jornal diário que parece ter feito da descredibilização do clube da Luz uma missão.

   Foram os casos dos tristemente célebres vouchers, arquivados e reativados sucessivamente, do diferendo do Presidente encarnado com os fisco conhecido pelo “caso Lex”, das alegadas informações irregulares dum funcionário, alcunhado de toupeira, de um Tribunal de Lisboa, e das célebres “missas”, eventuais instruções aos árbitros para favorecerem o clube. Apesar de, até ao momento, não ter sido proferida qualquer condenação judicial, o efeito de degradação da idoneidade do Benfica e a consequente desestabilização desportiva foi conseguido.

   A uma situação económica invejável até 2018, o Benfica juntava abundantes êxitos desportivos internos, quer no futebol profissional quer nas modalidades. Enquanto os rivais se debatiam numa situação de pré-insolvência, o clube da Luz saldava, quase integralmente e antecipadamente, a dívida bancária - ao Novo Banco - e grande parte dos empréstimos obrigacionistas, num total próximo dos 150 milhões de euros. Na conta à ordem mantinha um saldo de cerca de 90 milhões de euros.

   Foi, para mim sem surpresa, que o autor do ato de pirataria informática aos ficheiros confidenciais do Benfica, foi arvorado em “herói público” pelas “milícias” dos clubes rivais que infestam o espaço público em todas as frentes, e reconvertido em assessor das autoridades policiais, tendo, pelo caminho feito mais algumas “vítimas” numa espécie de justificação à posteriori.

   Para culminar todo este escabroso processo o Presidente do Benfica em exercício foi preso por alegados indícios de irregularidades cometidas no âmbito do escândalo das dívidas ao Novo Banco e de transferências de jogadores do clube. Tal resultou na perda de mandato, algo inédito, quer no regime democrático, quer no regime autoritário de Salazar e Caetano!

   Até Vale e Azevedo, que parece ter sido condenado, informalmente, a prisão perpétua - a sucessão de acusações parece não ter fim, apesar de ter cumprido o cúmulo jurídico de 17,5 anos de prisão; uma barbaridade nos tempos que correm -, foi acusado, condenado e preso depois de sair da presidência do clube, na sequência do ato eleitoral inerente.

   Para a opinião pública ficou a perceção de que o sorvedouro de recursos públicos em que se transformou o Novo Banco, paradoxalmente designado por “banco bom”, era da responsabilidade dos “grandes devedores”, em especial do Presidente do Benfica, e não do Governo que negociou as condições da sua venda. Perfeito.

   A única forma de salvar as finanças dos clubes rivais era pois, a de garantir o seu acesso direto à Liga dos Campeões. Foi o que sucedeu nos dois últimos anos, em que o Benfica foi relegado, “à força”, para a terceira posição.

   No campeonato anterior, em 34 jogos o clube encarnado tem 2 penaltis - 2 -, assinalados a favor, enquanto os rivais, salvo o erro, um teve 16 e o outro 8! Esta época repete-se a façanha; além do diferencial de penáltis em favor dos rivais, o clube que vai ganhar, ao que consta, tem mais de 8 horas de jogo em superioridade numérica! É obra!

  No confronto direto com os rivais, o Benfica conseguiu ganhar um jogo com o da Capital apesar das dificuldades jurisdicionais do mesmo. Já com o rival do Porto, somou duas dolorosas derrotas; com uma expulsão, dois golos invalidados por fora de jogo, um de 4 cm, outro de 2 cm, e um golo irregular validado ao rival - receção da bola com a mão do finalizador! É demais!

   Para este desfecho, paradoxalmente, contribuiu o desempenho do VAR, o qual, tanto quanto tenho visto, não passa de mais um instrumento contra o Benfica. Há casos perfeitamente escandalosos, como o do último clássico, que, a meu ver, requerem intervenção das autoridades policiais. Sim, quanto a mim são casos de polícia.

   Após 48 anos de rumores, coincidências e evidências, formei a convicção de que todos os casos de erros grosseiros recorrentes, que quase sempre prejudicam o Benfica, têm raiz política. Acredito que os agentes políticos dominantes, com destaque para o Partido Socialista, jamais consentirão num Benfica poderoso como foi no passado.

   Na verdade entendo que consideram o Benfica como um símbolo do salazarismo, e que, sem ser banido por razões de incompatibilidade ética, deve ser contido, a fim de também o desporto refletir a mudança do regime. Assim o Benfica é tolerado mas monitorizado, controlado e regularmente, enfraquecido. A “democracia” exige novos campeões; ainda alguém pensaria que a liberdade de abril não passa de um eufemismo metafórico.

  Porém, há outras causas no processo; a causa da regionalização. O Futebol Clube do Porto tem uma missão política a cumprir, acredito que congeminada com o Partido Socialista, de criar uma identidade regional, congregando as populações locais em torno do clube contra o “centralismo de Lisboa”, representado pelo Benfica, identificando este como inimigo comum.

   Finalmente, a causa da paz desportiva e cívica; a obsessão pelo Benfica de um homem doente, incapaz de perceber o caráter nobre do desporto, incapaz de perceber que a conjuntura histórica que fez do Benfica o clube prestigiado que é é irreversível e irrepetível, que o ressentimento é mau conselheiro e denunciador de frustração e subalternidade, que só a competência e lealdade desportiva suscitam o respeito e admiração alheios, alimentou e difundiu um ambiente de ódio entre os adeptos e populações que só é atenuada pelas vitórias do seu clube, dado o caráter geralmente conciliador dos dirigentes e adeptos encarnados.     

   Neste contexto percebe-se a subalternização dos restantes clubes da cidade invicta, Boavista Futebol Clube e o Futebol Clube Salgueiros e o ostracismo e segregação de que têm sido vítimas os adeptos benfiquistas que têm a coragem de o assumir.

   Tudo isto se passa aos olhos de todos, com a complacência de todos, com os encómios de alguns, e, pasme-se, em nome da liberdade e da democracia! Chegámos ao vexame de assistir ao alcandoramento a herói regional de um meliante conhecido por ameaçar os árbitros de futebol e suas famílias e ao cruzar de braços das autoridades policiais.  

   Os adeptos do Benfica têm o poder que a democracia lhes confere; usem-no! Se o Partido Socialista quer acabar com o Benfica, enfrentemos e combata-mos este partido, denunciando-o publicamente e negando-lhe o voto. Não há democracia quando os poderes públicos interferem no desporto favorecendo uma ou algumas das partes, e, ou, omitindo o seu dever de cumprir e fazer cumprir, universalmente, a lei.



Peniche, 8 de Maio de 2022

António Barreto