Desporto

sábado, 20 de janeiro de 2018

Benfica; financiamento e formação

   De acordo com uma crónica do CM de 13/01/2018 no seu suplemento Sport, no final da época de 2016/2017, a sociedade Benfica SAD registava um passivo de 438,3 milhões de euros e 284,5 milhões de euros de dívida financeira, valores sensivelmente idênticos aos que se verificavam no início do ciclo do tetra campeonato em 2013/2014. Neste período realizou 359,3 milhões de euros em vendas, cujos custos ascenderam a 57,8 milhões, resultando num resultado líquido de 301,5 milhões, reduziu o passivo bancário de 190 milhões para 68,5 milhões e aumentou os empréstimos obrigacionistas de 95 milhões para 216 milhões. Também recentemente, a UEFA, deu conta de um passivo líquido da Benfica SAD de 309 milhões de euros; o segundo maior dos clubes europeus, logo atrás do Manchester United.
 
   Se tivermos em conta a atual conjuntura bancária em Portugal, caracterizada pelo encerramento de vários bancos e a exigência aos restantes, pelas autoridades de supervisão, de aumento dos rácios de capital, menor risco nos empréstimos concedidos e de limpeza das imparidades dos seus balanços, e ainda o encerramento do fundo de investimento da SAD por imposição da FIFA, perceberemos a enorme pressão financeira que se abateu sobre o Benfica. Com uma dívida líquida de cerca de 150 % do seu orçamento anual - grosso modo, de 200 milhões de euros; o do United, apesar de maior em termos absolutos, constitui apenas cerca de 30 % da faturação anual deste clube, próxima dos 1000 milhões de euros, o Benfica atingiu o limite da sua capacidade de endividamento financeiro.

    A solução encontrada para fazer face à pressão bancária - amortização do capital - e ao encerramento do fundo,  foi a formação. Mesmo a tempo! Com efeito, graças ao investimento iniciado nos dez anos anteriores, o Benfica conseguiu colocar vários jovens das suas escolas no mercado, realizando o capital necessário à resolução do fundo e aos compromissos bancários do momento. Uma contrariedade para os adeptos, que esperavam desfrutar  da excelência dos seus ídolos emergentes, dos quais, o mais mediático, Bernardo Silva, mas também João Cancelo, Ivan Cavaleiro e outros.

   Superado o momento compreende-se a incontestabilidade da aposta na formação, quer pelo financiamento direto que propicia - com maior valor acrescentado face à redução de custos correspondentes -, quer pela redução de custos na aquisição externa de jogadores para a equipa de seniores. O desafio consiste em fazê-lo mantendo ou elevando, quer o nível da formação quer o da competitividade desportiva da equipa sénior, sem a qual nada funcionará. Compreende-se assim o projeto de expansão da infraestruturas do Seixal, que visam massificar a formação; alargando a base de recrutamento, melhora o caudal de jogadores de alto nível.

   O fundo de investimento da SAD constituía uma almofada financeira que permitia estabilizar a tesouraria e a equipa, dando-lhe competitividade, e ainda a realização de apreciáveis mais-valias regularmente. Infelizmente, com o falso pretexto da origem suspeita dos capitais dos fundos, provavelmente pressionada pelos grandes clubes, a FIFA impôs a abolição dos mesmos. Inexplicavelmente consente certas operações, essas sim, escandalosas, de patrocínio das competições por entidades proprietárias de clubes que nelas participam. É por estas e por outras que, quer a FIFA, quer a UEFA, carecem de credibilidade junto dos adeptos do futebol.

   Contudo, uma realidade preocupante interpela-nos; apesar da receita de vendas que se verificou no período indicado, o passivo manteve-se - note-se que a UEFA regista uma redução do passivo líquido de oito por cento, cerca de 26 milhões de euros. Compreende-se a necessidade de investir para ganhar, mas não se continuará a ganhar amarrado a um passivo tão elevado. Este é o grande desafio a sobrepor-se ao anterior, a exigir gestão económica mais criteriosa. Grosso modo, podemos identificar elevados custos de intermediação - 57,5 milhões de euros - que urge reduzir a metade. Por outro lado, a estratégia de recrutamento de jogadores deve ser revista; o clube continua com cerca de uma centena de jogadores nos seus quadros disseminados por outros clubes!Compreendo que constitua um negócio paralelo que propicie um fluxo financeiro regular, mas cujos resultados carecem de validação. Há que fazer um balanço económico setorial detalhado que permita tirar conclusões definitivas. Quanto a mim, não se justifica, quer pelos encargos diretos, quer pelo esforço administrativo e comercial inerente, quer, sobretudo, pela aposta na formação. Identificar e eliminar gorduras numa estrutura que continua a crescer é tarefa a não descurar, tal como a redução dos custos de financiamento, através da rotação do capital. Por mim, sugeriria uma estratégia de redução gradual do passivo alocando à amortização do capital, por exemplo, 50 % das mais-valias da venda de ativos, implacavelmente.

   Um olhar crítico do endividamento do Benfica SAD, remete-nos para a opção da construção do Estádio, pois é essa a causa primordial. Foi a opção política de realização de um grande evento desportivo em Portugal que arrastou os clubes nacionais para um endividamento que os asfixia, retirando-lhes competitividade face aos congéneres externos. No caso do Benfica, é altura de os benfiquistas fazerem um balanço da opção pela construção do novo estádio. Recordo o propósito anunciado de o financiamento ser liquidado em doze anos com o acréscimo de receitas que proporcionaria e recordo o projeto de requalificação do velho estádio, cujo custo era de 4 milhões de contos - cerca de 20 milhões de euros. Salvo o erro, o passivo do Benfica nessa época era de 2 milhões de contos - cerca de 10 milhões de euros. Com um passivo de 30 milhões de euros, um investimento assegurado de 100 milhões na constituição da SAD, a competitividade do clube seria maximizada logo no primeiro ano e as vitórias poderiam ter surgido mais cedo. Sei que pouco adianta, agora, este exercício, mas também sei que compreender o passado é a melhor forma de prevenir o futuro.
  

   PS: Excelente vitória de 3-0 sobre o Desportivo de Chaves, graças a um futebol de grande qualidade até à última meia-hora de jogo, ocasião em que Rui Vitória mandou abrandar e o jogo se tornou fastidioso. Estádio cheio, dinâmica fantástica na recuperação da bola, criatividade e intensidade na circulação da bola e movimentação dos jogadores, e grandes golos, em especial o primeiro. A equipa sintonizou-se com os adeptos ganhando maior motivação. Preocupação com a lesão de Krovinovik. Dois bons Treinadores que se limitaram a explicar o jogo proporcionando a quem os ouviu, a oportunidade de aprender a desfrutar melhor do espetáculo do futebol. Luís Castro, mais uma vez, mostrou ser um portista invulgar, a merecer a minha saudação.

Força Benfica!

  



  

  

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

O Benfica quer ganhar

    
Depois da passagem vitoriosa por Moreira de Cónegos, a equipa do Benfica vence a equipa do Braga com uma exibição convincente, mostrando-se determinada a lutar pelo título. Perante um Braga táticamente bem orientado e dotado de bons jogadores, os jogadores encarnados apareceram confiantes e determinados, no novo modelo tático, concretizando por três vezes em lances bem definidos de grande primor técnico. Pressionando em todo o campo retirou iniciativa ao adversário. Criatividade e intensidade foram os outros ingredientes para levar de vencida os arsenalistas. Apenas nos cerca de vinte minutos finais a inesperada pressão do Braga fez vacilar os encarnados, rendendo um golo aos minhotos, que ameaçaram mais estragos. Um lance de antologia já nos descontos, alardeando a garra e talento dos benfiquistas, pôs fim ao "susto", estabelecendo o resultado final.
 
   Notam-se ainda erros primários, como alívios defensivos para a zona frontal, passes ao adversário, retenção inoportuna da bola, centros mal medidos e, ainda, alguma desarticulação no setor defensivo - como foi o caso do golo sofrido (algo parecido ao do Sporting). Julgo que terá faltado, também, melhor gestão do esforço, uma vez que, na ponta final, alguns defesas parecia terem "falta de pernas". Há margem de progressão, assim o Treinador e Dirigentes consigam manter o balneário blindado ao "estardalhaço" que anda por fora.
 
   Varela saíu em falso, não sei porquê, Ruben Dias continua a aliviar para zonas perigosas e Grimaldo falhou a marcação no lance do tento arsenalista. De resto, todos bem, com Cervi, Krovinovik, Sálvio e Jonas endiabrados e Raul a justificar mais minutos.
 
   Soares Dias, não esteve bem. Parece condicionado. Ele, e os colegas em situação idêntica, deviam recusar apitar, explicando os seus motivos. Assim é que não é nada.
 
   A interrupção Estoril-Porto ao intervalo pode justificar-se pelas razões aduzidas - de segurança -, mas o que é certo é que, tendo em conta as personagens envolvidas e o resultado desfavorável aos azuis, fica sempre a dúvida. O que é certo é que, quando a Justiça falha, o crime se perpetua.
 
(Cândido Portinari - Lampião e Maria Bonita, 1947)

sábado, 6 de janeiro de 2018

Hara Kiri


    Paradoxalmente, com o explícito objetivo de conquistar o quinto campeonato consecutivo, o Benfica parece ter cometido "suicídio" desportivo graças a desastrosas e sucessivas medidas de gestão, abrindo o caminho do título aos adversários. A saída de quatro jogadores invulgares,  fragilizou os respetivos setores abalando a confiança dos restantes, inseguros da valia da nova formação. As alternativas às saídas não corresponderam em nível idêntico, tendo diminuído as capacidades defensiva e ofensiva, desequilibrando a balança da competitividade em favor dos adversários. Com efeito, Ederson é único, se não o é já, em breve será o melhor guarda-redes do mundo. Um caso raro, com grande impacto na equipa., direto, pelas defesas "impossíveis" e assistências, e implícito, pela confiança que gerava nos colegas . Nelson Semedo é um defesa direito de topo, rápido e criativo, jogador de área a área, defende bem e ataca melhor, destemido nos duelos, acede à linha de fundo facilmente, assistindo, ou flete para dentro assistindo ou finalizando. Lindeloff ,sem alardear grande excelência técnica, garantia com Luisão, percebe-se agora, o quase perfeito sincronismo do eixo defensivo, imbatível no jogo aéreo. Mitroglou é um tipo de jogador raro, conjugando como poucos a robustez atlética com a apurada técnica, pelo chão e pelo ar, a que acrescenta excelente leitura de jogo ofensivo. Um jogador letal que muito contribuiu para a conquista do título da época anterior.
 
   A equipa ressentiu-se e só agora, após o dérby maior, começa a recompor-se. Dos substitutos, só Ruben Dias parece ter capacidade de fazer esquecer o antecessor; apesar de alguma imaturidade é portador da "mística" adquirida nos longos anos de formação, revelando robustez física, mental e capacidade de liderança. Será o futuro Capitão. O bravo André Almeida, generoso, abnegado, lutador, precioso, carece da criatividade do seu antecedente, decaindo o poder ofensivo da ala direita, sobrecarregando Sálvio, retirando-lhe impetuosidade e criatividade. Varela é um bom guarda-redes, mas aquém da valia do antecessor e das necessidades da equipa, revelando falta de oportunidade nas saídas e de qualidade na execução das manchas. Quanto à saída de Mitroglou, foi compensada com o robustecimento do meio-campo, privilegiando um 4-3-3, de que resultou maior equilíbrio na luta do meio-campo, mas menor capacidade de finalização, com a movimentação de Jonas coartada e este mais vulnerável à marcação.

   Julgo que Raul Jimenez poderá fazer de Mitroglou. Tem todas as condições para tal. Seferovic também. Ambos carecem de trabalho específico e o tempo escasseia. Tal opção, remete a equipa para o 4-4-2/4-2-4, induzindo vulnerabilidade no meio-campo face ao 4-3-3. Conseguir o dois em um é o segredo. Tal poderá ser conseguido selecionando corretamente o perfil dos segundo e terceiro médios. Pizzi e Krovinovik parece terem características adequadas; são inteligentes, tecnicamente evoluídos e lutadores. É uma questão de dinâmica e esta resulta do treino, das ideias do treinador e da sua capacidade de as fazer aplicar. Dinâmica e sincronismo têm constituído um dos maiores handicaps da equipa, que só episodicamente ostenta. Concentração tática e resistência mental coletiva, são atributos episódicos no jogo.

   Por tudo isto, para defender o título, julgo ser necessário, ao Benfica, ir ao mercado por um guarda-redes e um defesa direito. Pelo menos. Noto que ainda há défice de cruzamentos da ala esquerda; há talento, mas, ainda, algo incompleto. Cervi é tremendo lutador e forte nos duelos com bola, mas vulnerável ao choque. Zivkovik tem qualidades semelhantes, completando com maior robustez física e melhor meia distância. Nenhum deles parece ter, ainda, "agarrado" o lugar.

   Quando há interesse real de grandes clubes por um jogador, casos de Ederson, Nelson e Lindelof, a saída é inevitável. Mas, neste caso, falhou o planeamento por ter relativizado a importância do impacto destas saídas. Por displicência, creio. Também por contingências financeiras, estou certo. Mitroglou, porém, podia e devia ter ficado. Não queria sair e ainda não tem substituto à altura. Nem terá, tão cedo. Há duas formas de ganhar dinheiro; já, sacrificando o futuro, ou mais tarde ganhando mais. A opção depende da "almofada" disponível. Neste caso, parece ter havido falta dela. Mas...também se tem verificado falta de critério na aquisição de jogadores sem préstimo consolidando a tese da displicência. E, onde há displicência há decadência.

   Displicente foi também o planeamento da pré-época, vexatória para o clube em termos competitivos e sem eficácia na constituição do quadro de jogadores.

   Os sinais estão todos aí; as vitórias não acontecem por acaso, antes, como resultado da união, argúcia e tenacidade.

   Entregar o "ouro ao bandido", nunca! 

(Diego Rivera - Retrato de Julieta, 1945)

António Barreto JR

Still Fighting

      A equipa do Sporting chegou ao derby de quarta-feira passada, confiante; o primeiro lugar Ex aequo e três pontos à frente do rival, garante-lhe, na pior hipótese, a paridade, com maior ou menor dificuldade a equipa vai ganhando os jogos internos, a campanha europeia tem sido moralizadora, o modelo de jogo parece consolidado e validado. Fora das quatro linhas, uma atividade frenética da "estrutura" ameaça abalar o grande rival, o dinheiro parece jorrar a rodos...o sonho parece possível.
 
   Pelo contrário, a equipa do Benfica apresenta-se ansiosa, instável, consequência de uma campanha  irregular, desastrosa na europa e frágil nas provas internas das quais só o campeonato resta. Algo já previsível nos testes da pré-época após a severa decapitação do plantel. Os três pontos do topo da tabela, contudo, alimentam uma discreta esperança na vitória.
 
   Estas circunstâncias refletiram-se na postura das equipas; a do Sporting, tranquila, concentrada, disciplinada, coesa, expectante. A do Benfica, nervosa, sôfrega, algo dispersa e moderadamente intensa. O golo madrugador dos verde-brancos resulta da conjugação daquelas dinâmicas; avançados do Sporting concentrados no posicionamento e no passe e defesas do Benfica desatentos no alívio e na marcação.  Com efeito, o corte de Ruben Dias enviou a bola direitinha para os pés do adversário, revelando insuficiente leitura do lance. Este, manteve a serenidade ante a hesitação dos dois defesas encarnados, efetuando o passe "redondo" para o colega que, rematando, beneficiou de uma "carambola" que conduziu o esférico, em balão, para a frente da baliza, onde apareceu Gelson a finalizar de cabeça, em velocidade e sem oposição, surpreendendo os defesas, ocupados exclusivamente em seguir o esférico, e o guarda-redes, que nada podia fazer. Portanto, neste lance; concentração tática, serenidade e sorte do lado dos verde-brancos e imaturidade e deficiência tática do lado dos encarnados.  
 
   O avanço no marcador reforçou a confiança da equipa do Sporting, que construíu nova oportunidade ainda por Gelson, e constituiu um incentivo para os jogadores do Benfica aumentarem a intensidade e profundidade de jogo. Sucediam-se os lances ofensivos dos encarnados, algo inconsequentes; atabalhoada definição das movimentações e passes associada ao superpovoamento defensivo, resultavam em remates frouxos, precipitados e mal direcionados. Ainda na primeira parte, ficou na retina o tremendo petardo na trave a remate de Krovinovik, com Patrício inapelavelmente batido. Melhor sorte neste lance poderia ter catapultado os encarnados para exibição de gala.
 
   Não desfaleceram estes, mantendo-se o padrão de jogo, com os verde-brancos a apostar no contra-ataque. As entradas de Raul Jimenez, Rafa e João Carvalho, trouxeram mais velocidade e versatilidade ao ataque benfiquista onde Jonas, até então, batalhava desamparado. Finalmente os sportinguistas defendiam como podiam, esvaindo-se a tal serenidade que até então ostentaram. Finalmente o Juiz da partida vislumbra o lance que permitiria pôr justiça no marcador, para desespero dos verde-brancos.
 
   Jogo marcado por decisões polémicas e capitais da equipa de arbitragem e do vídeo-árbitro, todas em prejuízo da equipa do Benfica, ficando demonstrado que nenhuma tecnologia servirá ante a promiscuidade e fragilidade das instituições.
 
   O futuro dirá quem saiu melhor deste jogo; o Sporting manteve a distância do mais temido rival, mas perdeu posição para o rival nortenho e foi alvo de golpe psicológico negativo; O Benfica perdeu posição para o líder mas não deixou fugir o "eterno" e ostensivo rival, mantendo-se na luta pelo título. A boa exibição dos encarnados pode ter um efeito motivador nos jogadores e, com alguns acertos, no plantel e na tática, catapultá-los para uma segunda volta mais frutuosa, quem sabe, vitoriosa.
 
   Na conferência de imprensa, Rui Vitória manteve o seu discurso "redondo", sonolento, embora, desta vez, com alguma assertividade relativamente à apreciação da componente arbitral. Já Jorge Jesus exibiu a prosápia dos fanfarrões afirmando-se seguro da superioridade da sua equipa e denunciando-se pela desvalorização e omissão de fatos relevantes.
 
   Neste jogo ficou demonstrada a vulnerabilidade das instituições desportivas, e não só, que parece ter uma agenda para o campeonato, como já se verificou noutras modalidades, como a do hóquei em patins na época anterior.