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sábado, 23 de setembro de 2023

Os Puros e os Ímpios

 

 Puros e os Ímpios


O conceito de povo escolhido, povo eleito por Deus para salvação da humanidade, é geralmente atribuído aos Judeus. O seu passado de escravatura e perseguição, espécie de expiação santificadora, continua a sensibilizar o comum dos mortais.


Outros povos, como por exemplo, os eslavos e os germânicos,têm a mesma visão de si próprios – ver em Hannah Arendt em As origens do Totalitarismo. Por esse mundo fora não faltam casos semelhantes. Agostinho da Silva pensava algo parecido a respeito de Portugal e dos portugueses, o desígnio divino do quinto império, ideia, creio, com origem no pensamento do Padre António Vieira.


Em todas as épocas, em todas as geografias, em todos os regimes, com ou sem contornos celestiais, encontramos fenómenos derivados; gente, maioritária ou não, que se considera detentora da verdade e do dever, divino ou cívico, de a impor aos outros, pela persuasão da força, da astúcia ou da retórica.


A tentação dos poderes de cada momento é de impor aos “ignaros”, aos “súbditos”, aos “pobres de espírito” a sua visão da história, do mundo e da via para a “Terra Prometida”; algo que sempre sucederá num futuro longínquo, tão longínquo que nenhum dos contemporâneos o poderá testemunhar.


Tal, porém, não é exclusivo dos regimes totalitários revolucionários - Rússia e Cuba -, paradoxalmente também se verifica nos democráticos onde as leis, geralmente, acabam por refletir, não os interesses e preocupações do povo, mas os dos partidos maioritários, dos seus dirigentes, dos interesses económicos e sociais que gravitam à sua volta e os sustentam.


Pior ainda, boa parte dos partidos inspiram-se e vinculam-se a organizações internacionais externas adotando as respetivas ideologias e estratégias que procuram impor, gradualmente, às respetivas populações através da demagogia e do assistencialismo.


De facto, quer Hitler, quer Hugo Chávez ou Erdogan - e, em minha opinião, mais recentemente, Lula da Silva -, chegaram ao poder pela via democrática, tendo instituído - no caso do Brasil ainda no início - ditaduras que as respetivas populações, por si só, foram ou são incapazes de reverter.


O Nazismo, fundado no conceito da superioridade racial germânica, da sua raiz ariana, perdura ainda, na mente das gerações atuais, pela desumanidade que o caracterizou, pela ameaça real que representou para a Europa e para o Mundo, mas também por ser o mais conhecido das massas, graças à propaganda decorrente da vitória militar ocidental.


As comunidades judaicas foram as suas principais vítimas. Anna Arendt no seu livro “As Origens do Totalitarismo”, refere que, em caso de vitória alemã, outros vítimas se seguiriam, paulatinamente, gradualmente; os povos eslavos - povos de origem russa que compreendem hoje os países escandinavos, Polónia, Bulgária, Hungria, Eslovénia, Sérvia, Macedónia e Croácia -, e até os os cidadãos germânicos com doenças crónicas - a fazer lembrar a solução preconizada por Sócrates, na sua República, para os doentes incuráveis.


Parte desses planos relativa ao extermínio dos povos não germânicos, principalmente dos eslavos, pode ser encontrada no “Bréviaire de la Haine”, de Léon Poliakov, Paris, 1951, cap. 8. Um projeto de lei de saúde do Reich, escrito pelo próprio Hitler, mostra que a máquina de destruição Nazi não se teria detido nem mesmo diante do povo alemão. Neste projeto ele propõe “isolar” do resto da população todas as famílias que tenham casos de moléstias do coração ou do pulmão sendo que o próximo passo nesse programa era, naturalmente, a liquidação física. Este e vários outros projetos preparados para depois da vitória estão numa circular aos chefes distritais,,,.Neste contexto, há ainda planeada a promulgação de uma “legislação global quanto a estrangeiros”, por meio da qual a “autoridade institucional” da polícia promoverá o embarque para os campos de concentração de pessoas inocentes de quaisquer crimes, desde que consideradas de algum modo “estranhas”…. (anotações em “As Origens do Totalitarismo, de Anna Arendt).


Se, no caso do nazismo a seleção populacional radicava na pureza da raça, no caso soviético centrou-se na pureza ideológica e no culto do poder paternalista e totalitário. São conhecidas as sucessivas purgas com que Estaline, implacavelmente, aniquilou todos os pares e correligionários que, de alguma forma lhe poderiam disputar o poder.


...Segundo W. Krivitsky, cuja excelente fonte de informações conficenciais é a GPU: “Em lugar dos 171 milhões de habitantes estimados para 1937, apenas foram recenseados145 milhões; assim, desapareceram 30 milhões de pessoas na URSS.” Como se sabe, só a liquidação dos kulaks no início dos anos 30 havia custado perto de 8 milhões de vidas humana. (anotações em “As Origens do Totalitarismo”, de Anna Arendt).


Em todas as épocas, em todos as geografias, com mais ou menos violência não faltam culturas, ideologias, que dividem o mundo entre puros e impuros. Jesus, tanto quanto sei, foi o primeiro grande doutrinador a suprimir este conceito, a divisão das pessoas entre fiéis, blasfemos, gentios e iníquos, pregando a igualdade de todos os seres humanos perante Deus.


Porém, paradoxalmente, foi a sua própria Igreja, quem, durante séculos, desde tempos imemoriais, perseguiu, com violência extrema, os “impuros”; entre eles os cristãos que, de algum modo desrespeitavam os padrões definidos no Concílio de Niceia, de que a Santa Sé, foi zelosa guardiã.


Em Portugal todos nos lembramos da infame perseguição e expulsão dos Judeus e Cristãos-Novos, iniciada no século XV - A Santa Inquisição, fundada em 1184 só foi extinta em 1842. Mas também da feroz perseguição, nos séculos XVIII - Marquês de Pombal - XIX - regimes liberais - e XX - 1ª República - aos Jesuítas e aos eclesiásticos da Igreja Católica, regular e irregular.


Assim, o desaparecimento de arquivos, manuscritos, livros e instrumentos científicos, cuja existência e uso estão documentados, não terá ficado a dever-se só ao Terramoto ou à incúria, mas a uma estratégia deliberada do Marquês.

Mil e cem jesuítas são então expulsos do reino e mandados para os Estados papais. E aqueles que tinham particular influência na corte e na sociedade, metidos nas masmorras. Ou condenados à morte, como o padre Malagrida, queimado no Rossio em 1761.Os missionários do Brasil são trazidos para a metrópole, alguns morrem na viagem, outros vão também ficar a ferros.

O resto da Europa católica seguiu o exemplo português….Mais de cinco mil sacerdotes expulsos e embarcados à força para os Estados papais e duzentas e cinquenta casas, residências e colégios fechados, foi o balanço.


...Identificados com a reação e com as classes dominantes os religiosos eram os bodes expiatórios das revoluções. Na Comuna, em Março de 1871, vinte e quatro eclesiásticos, entre eles o arcebispo de Paris, monsenhor Darboy, foram sumariamente fuzilados.

...Muito do anticlericalismo e do anticatolicismo dos republicanos portugueses vem desta linhagem. A França era, e iria ser por muitos anos, a fonte da cultura política da esquerda Portuguesa.


...Em 28 de Maio de 1834, Joaquim António de Aguiar publicara um decreto em que extinguia em Portugal Continental e nos domínios portugueses todas as ordens religiosas, o que lhe valeu a alcunha de “Mata-frades”.

...Em 1910, quase um século depois, a situação repetia-se. Com a sua retórica humanitária, os republicanos queriam salvaguardar as aparências, mas Afonso Costa era decidido e despachado: manda fechar os conventos e arrolar-lhes os bens. Quanto aos Jesuítas, os inimigos de estimação, as suas casas e residências são invadidas por revolucionários civis, polícias e soldados, que prendem como criminosos os inacianos e os escoltam para Lisboa….A República não deixa os créditos da modernidade por mãos alheias: os padres são também objeto de testes antropométricos, de acordo com as regras de Lombroso, para comprovar cientificamente as suas “tendências criminosas inatas”.


...Para a laicização integral da vida pública e social, proibiram-se então os religiosos e sacerdotes de usar as suas vestes em público. “devendo o (infrator) ser preso pelas autoridades e podendo sê-lo por toda a pessoa do povo em flagrante delito”. Na mesma linha, foram retirados os crucifixos dos edifícios público, os nomes de santos dos quartéis e fortificações, abolido o juramento religioso, proibido o culto na capela da Universidade de Coimbra e fechados os cursos de Teologia e Direito Eclesiástico. E acabou-se, evidentemente, com a formação religiosa nas escolas. Escrevia então António José de Almeida:

A República libertou a criança portuguesa, subtraindo-a à influência jesuítica, mas precisa agora de a emancipar definitivamente, de todos os falsos dogmas, sejam os de moral ou de ciência…. A religião foi banida da escola. Quem quiser que a dê à criança no recato do lar, porque o Estado, respeitando a liberdade de todos, nada tem com isso.”


...O padre Fragues, confessor da rainha, morto a tiro e à coronhada na casa dos Lazaristas, fora uma vítima simbólica, na aurora da revolução. Nos primeiros dias, o poder republicano usara o pretexto de proteger os religiosos da fúria popular para os prender e expulsar do país. E não fora difícil: bastara ressuscitar a legislação antijesuítica e anticongregacionista, de Pombal, Joaquim António de Aguiar e Anselmo Brancamp. Foi o que fez Afonso Costa. Não era preciso inventar nada.


...António Macieira, digno continuador de Afonso Costa, prosseguiu com as deportações dos bispos, as sanções contra os párocos reacionários e o confisco dos bens da Igreja. Para demonstrar o apoio popular às medidas anti-religiosas, uma vasta frente de “organizações cívicas” - liderada pela Associação do Registo Civil, promove, na tarde de 14 de Janeiro de 1912, uma manifestação. A iniciativa contou com dezenas de agremiações, da filarmónica dos Alunos de Apolo à Liga das Mulheres Republicanas, da Carbonária às Associações de Logistas.

O espírito da convocatória estava todo na mensagem e nas palavras de ordem da manifestação: “Da subjugação completa do clericalismo depende o triunfo definitivo da República.”


...”O povo, que assiste à passagem do cortejo, aplaude” (em “Nobre Povo, os Anos da República” de Jaime Nogueira Pinto)


Não tenho ilusões quanto à moderação e tolerância atuais. É fácil descortinar os herdeiros políticos da ala extremista do Partido Democrático. O radicalismo anticatólico e marxista, continuam bem vivos nos alegados defensores da “igualdade” e das minorias, que, pacientemente, passo a passo, vão esgravatando, desestabilizando, desagregando, fomentando a desarticulação económica e social, dividindo a população, hostilizando os “talassas”, à espera do momento oportuno para a grande viragem, apoiados por estruturas do Estado controladas por correligionários infiltrado


Soldados dividindo as vestes de Jesus

Peniche, 23 de Setembro de 2023

António Barreto