Desporto

sexta-feira, 26 de julho de 2019

Portugal e o Futuro IV (António de Spínola, Arcádia)


Assim, o “germanófilo”, “reacionário” e “ditador” António de Spínola, arquitetou um projeto político assente em três princípios:

- O do reconhecimento do direito dos povos à autodeterminação (princípio consensual saído da conferência de Yalta, realizada entre as potências aliadas no final da II Guerra Mundial), cuja consequência se traduziria na autonomia progressiva de cada parcela, com crescente participação de instituições africanas.

- A adoção do primado da consulta popular, materializando o conceito segundo o qual a Nação é a sede da soberania. O pretexto da impreparação da população enquanto fundamento para a denegação do referendo, justificaria, por si só, a dispensa das comunidades dos deveres de cidadania como consequência da supressão do exercício dos seus direitos fundamentais. Tão só, o pretexto de uma expetativa desfavorável constitui argumento para a recusa do referendo, pois é no respeito pela vontade dos povos que se acolhem sob a bandeira das quinas que teria de residir a força da “nossa” razão, no fundo, a legitimação do poder.

- Finalmente, o processo teria de ser acompanhado de ampla difusão pública, condição indispensável para a unidade interna e a compreensão e adesão externa.

   O principal risco desta solução inviabilizaria a adesão ou mesmo de associação à Comunidade Económica Europeia. Porém, os acordos comerciais, em princípio possíveis, atenuariam esse impacto. Por outro lado, salvaguardando-se a integração económica do espaço português, abriam-se as perspetivas dos mercados africano e sul-americano.

   (Hoje, 33 anos após a adesão à CEE/EU, concitando todos os fatores, soberania e progresso económico, permanece a dúvida quanto aos reais benefícios, para os portugueses, da opção seguida, sobretudo no capítulo da perda de soberania e da insanável dependência económica. As economias locais têm vindo a ser desmanteladas, os territórios do interior abandonados, a modernização da economia fracassou, a divergência económica e social acentua-se face aos parceiros europeus e o endividamento galopante deixou Portugal vulnerável ao designado neocolonialismo praticado pelos críticos ativos do colonialismo clássico).

   António de Spínola tinha ideias estruturadas quanto à geopolítica internacional e quanto à posição de Portugal no mundo; tinha o sentido da portugalidade e uma ideia muito precisa de organização sociopolítica em torno do que designou como República Federal de Portugal.

   Defendia, convictamente, que o futuro de Portugal só seria viável num contexto de pluralidade numa comunidade capaz de manter coesas as parcelas do todo português, à margem de estatutos políticos.

   Propunha pois a reformulação do ideário nacional, transformando-o numa ideologia unificadora pela transparência e pela aplicabilidade dos princípios proclamados. A uniformidade normativa imposta pela Lei fundamental em vigor à época, não respondia à diversidade social e económica das populações de todos os territórios, constituindo, por si só, fonte de tensões revolucionárias independentistas. Assim, só uma constituição federativa de estilo próprio poderia corresponder ao princípio unificador, contemplando o princípio da especialidade das leis, que permitiria a cada parcela adaptá-las à sua realidade, à luz de um lato sentido de solidariedade. O “Estado Plurinacional”, característica real do Estado Português, seria sustentado pela adesão plena das suas “nações-membros”. Seria, sim, o fim da unidade imperial mas não da unidade nacional. A excecional capacidade miscigenadora do povo português seria o seu suporte. E a consciência da época já não aceitava impérios.

   A eficácia da integração económica do todo português requeria complementaridade de economias especializadas, estabilidade monetária territorial e interterritorial, equilíbrio das balanças de pagamentos e crescimento conjunto sem alteração sensível da estrutura de comércio. A equidade deste processo exigia um programa de transferências dos Estados mais desenvolvidos para os mais atrasados, evitando-se a assimetria do crescimento económico das partes.
Peniche, 26 de Julho de 2019
António Barreto*