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sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Portugal e o Futuro VI (António de Spínola, Arcádia)

Na implementação do sistema, optar-se-ia pela constituição federal do tipo americano, caracterizada pela igualdade de direitos das partes, em detrimento da do tipo soviético em que havia diferenciação de direitos. Todos os territórios ultramarinos receberiam o mesmo grau de descentralização de poderes; governo próprio, individualidade jurídica e plena autonomia administrativa e financeira. Tal autonomia não dispensaria as transferências para os estados mais pobres, à semelhança do que ocorria na época entre a metrópole e as províncias pobres.
   Neste contexto, também o território metropolitano, que incluiria as ilhas adjacentes sem alteração de estatuto, teria de organizar-se enquanto província autónoma, com as mesmas prerrogativas de todas as outras.
   Os poderes estaduais consistiriam no legislativo, no executivo e no judicial. Os Governos provinciais e correspondente articulação administrativa seriam da competência exclusivamente regional.
  Os Governadores provinciais, numa primeira fase, continuariam a ser designados pelo Governo Central sob proposta das Assembleias Legislativas provinciais e ulteriormente, por eleição por sufrágio direto no âmbito das respetivas províncias.
   Às Assembleias Legislativas provinciais, eleitas nos respetivos Estados conforme o Estatutos por eles definido, competiria legislar no âmbito da autonomia federal. Tais Estatutos evoluiriam para a forma jurídica de Constituição Estadual enquanto as Assembleias Legislativas transformar-se-iam em Parlamentos Estaduais cuja autonomia lhes conferiria ampla competência, representatividade e isenção.
   A composição, forma de sufrágio e articulação das Assembleias Legislativas seria adaptada às características de cada região, não havendo lugar a restrições de representatividade da massa populacional, ainda sujeita à influência das estruturas tribais no complexo sistema de relacionamento entre sociedades africanas. Estruturar a representação na base das elites, aculturadas e destribalizadas, ignorando as massas, apegadas ao tradicionalismo, configuraria um regime neocolonial, tal como os prevalecentes em África, onde a descolonização, salvo raríssimas exceções, não proporcionou a verdadeira independência; apenas substituiu a dependência do colono branco pela do negro.
   Avança, António de Spínola, com o exemplo da Guiné, onde a participação das massas era assegurada, diretamente, no Congresso do Povo, que, em reunião anual, discutia, deliberava, julgava e aprovava conclusões com força executiva suficiente. O Congresso estaria vinculado à Assembleia mediante regras, constituindo esta a extensão daquele, ficando assim, legitimada a representatividade e, consequentemente, o poder legislativo. A experiência na Guiné demonstrou que, por mais impreparadas que estejam as massas e por mais que as suas elites delas estejam divorciadas, a participação efetiva do povo é possível.
   A nível executivo, o funcionamento de cada Governo seria definido por Estatutos próprios aceitando-se, inicialmente, a ação coordenadora do Governo Central. António de Spínola considerava aceitável a estrutura em vigor das Províncias de Governo Geral, carecendo de adaptação às realidades locais; haveria que proceder à arrumação étnica e proporcionar a progressiva atenuação das diferenças culturais que, por sua vez, daria lugar à miscigenação e progressiva síntese natural. Fora de questão estava a possibilidade de adoção de qualquer tipo de padrão único, inevitavelmente desajustado às realidades locais.
   Quanto ao poder judicial, competiria a cada província a supervisão em conformidade com as disposições legais lá votadas, com recurso aos tribunais federais nas questões relativas às leis gerais do país.
   O grau de descentralização seria definido pelo Estatuto Constitucional, que regeria o conjunto preservando a autoridade do Governo Central o qual disporia de poder de coordenação e controlo adequados, garantindo assim o princípio da unidade na pluralidade, até à consolidação do novo sistema. A diferenciação da descentralização seria assegurada em função da especificidade de cada região.
   No plano económico, a desejada livre circulação de pessoas e capitais seria alcançada paulatinamente, respeitando as assimetrias do momento, evoluindo por meio de negociações interestaduais com foros de lei federal.
   Dada a descontinuidade do território e as diferentes realidades de cada região, a complexidade das relações comerciais externas poderia conduzir a políticas aduaneiras diferenciadas pondo em causa o princípio da livre circulação de bens. Algo que Spínola considerava ultrapassável com estudo adequado e flexibilidade.
Peniche, 02 de Agosto de 2019
António Barreto*