Desporto

domingo, 28 de março de 2021

Os Pobres (III)

 Artesãos, Operários e Proletários

   Inspirada pela literatura de R. Hoggart - The uses of Literacy, de 1957 - e E.P. Thompson - The Making of the English Working Class, de 1963 - sobre o operariado inglês, M. F. Mónica decidiu fazer um levantamento da história operária lusa.

O Caso da Marinha Grande

   Confrontada com a falta de documentação percebeu que tal resultava do analfabetismo generalizado dos operários portugueses, contrastando com os congéneres ingleses que há muito sabiam ler e escrever. Teria que ir às cidades operárias, entre conversas com populares e consulta de periódicos locais, fazer o levantamento possível. Foi assim que, em 1977, decidiu ir à Marinha Grande, na senda da revolta de 13 de Janeiro de 1936 dos operários vidreiros contra a legislação sindical de Salazar.

   Para sua deceção, depois de ouvir alguns testemunhos e inteirar-se do padrão de vida da população local, percebeu que, nem a referida revolta teria tido a dimensão que os comunistas lhe atribuíram nem os operários locais passavam fome. Em vez das habituais bicicletas e boinas que esperava encontrar, os operários da Marinha Grande deslocavam-se em Toyotas, vestiam-se à moda, frequentavam coletividades e faziam piqueniques na praia de S. Pedro de Muel. Não vivendo bem, eram relativamente prósperos. Não passavam fome, como acontecera às gerações que os precederam e sucedia noutro tipo de operariado, como o do têxtil.

A Indústria textil

   A próspera indústria têxtil entrou em crise nos finais do século XIX. A mecanização dos teares, na sequência da Revolução Industrial, a oferta de mão-de-obra feminina e de camponeses, atirou os operários manuais para a indigência. Em 1865, um tecelão ganhava 400 réis diários - 8800 réis mensais -, em 1881, já só ganhava, em média, 250 réis - 5500 réis mensais. Por outro lado, o custo de vida subia drasticamente: Em dez anos o alqueire de milho aumentou 17,4 %, valendo, em 1900, 642 réis, e a carne de vaca, no mesmo período, aumentou 9,7 % atingindo os 409 réis por quilo. A vida dos trabalhadores tornou-se um inferno. Esta crise culminou em três violentas greves: a de Gouveia, a do Porto e a de Santo Tirso.

Em 1880 a indústria algodoeira ocupava cerca de 40 mil trabalhadores; 4500 operários distribuídos por Lisboa, Porto, Tomar e Alcobaça e os restantes trabalhando em casa. Os operários algodoeiros exigiram melhores salários e melhores condições laborais - o horário semanal era cerca de 60 horas; 10 horas diárias incluindo sábados - medição do tecido à sua vista, restrições no acesso ao exercício da atividade e até proibição do exercício da indústria fora de Lisboa e Porto. Por seu lado, os industriais exigiam ao governo a alteração das pautas alfandegárias, a repressão do contrabando, a criação de tribunais árbitro-avindores e a regulação do preço do fio. Enquanto isso, alargavam o horário de trabalho, aumentavam o rigor do controlo fabril e desrespeitavam as leis laborais. Quanto ao Governo, alterou as pautas alfandegárias em 1890 e 1892, bem como a legislação laboral. Tal levou o patronato do Porto a aumentar os salários, suprimindo esse aumento em 1895, alegando o elevado custo de produção face aos teares mecânicos. As ameaças de greve de nada serviram. A exportação para as colónias ajudou a minorar a crise num curto período mas os grandes beneficiários terão sido os patrões. Os tecelões reagiram ao pedido de industriais ingleses de licenciamento para instalação em Angola de uma tecelagem, advertindo os patrões para o risco de emancipação das colónias. Para escapar ao crescente rigor fabril, muitos tecelões e tecedeiras optaram pela produção caseira, trabalhando, em condições miseráveis, muito mais horas para obter o mesmo rendimento, ou menos. Ao fazê-lo perderam o controlo sobre a formação e o acesso à profissão tendo aumentado drasticamente a concorrência. Apesar de deplorável, o trabalho fabril era preferível ao do campo, mais miserável ainda. Os camponeses preferiam o salário regular que complementavam com a produção agrícola das suas courelas.  




Fonte: Os Pobres, de Maria Filomena Mónica

Peniche, 27 de Março de 2021
António Barreto