Desporto

sábado, 20 de novembro de 2021

Mansos, os portugueses? Não!

 

 A propósito dos portugueses:

O Povo português andou sempre em guerras, desde antes da fundação da nação! Primeiro com o imperador castelhano Raimundo, até ao tratado de Zamora em 1143, depois com os árabes e castelhanos, pela expansão territorial até 1279. Seguiu-se o povoamento em ambiente de guerra permanente, com auxílio dos francos e ordens religiosas, até ao início da epopeia marítima, em 1415, com a conquista de Ceuta. Toda a expansão ultramarina está recheada de episódios militares, sobretudo, ao longo das costas ocidental e oriental de África e Ásia; Guiné, Congo, Angola, África do Sul, Moçambique, Índia, Indonésia e Japão. Por ocasião da restauração, no século XVII, os portugueses, pobres, famintos, sob a égide da nova aristocracia que levou D. João IV ao trono, foram grandes ao travar várias guerras em simultâneo, na Europa, contra os Espanhóis, no Brasil, em Angola e no atual Ghana, contra os holandeses. No século XVII, na Campanha do Rossilhão, dos Pirinéus ou da Catalunha, ao lado dos espanhóis, contra os franceses! Quase todo o século XIX foi passado em guerras, logo a abrir, em 1801, na sequência da Campanha do Rossilhão, a Guerra das Laranjas, ou Guerra Fantasma, contra "nuestros hermanos" em que perdemos Olivença, logo a seguir, em 1807, iniciou-se a guerra Peninsular contra os franceses. Finda esta, com o país devastado, tivemos em 1820 a 1822, a Revolta Liberal e independência do Brasil a que se seguiu a Guerra Civil de 1832 a 1834, e em 1846 a Revolta da Maria da Fonte que deu lugar à Guerra Civil da Patuleia, entre cartistas e Setembristas - guerra em que o Povo de Santo André de Frades, com a filha do sapateiro à frente (alegada Maria da Fonte), vestida de vermelho, destruiu à machadada as portas da igreja onde a D. Maria tinha mandado prender as mulheres que correram com os fiscais que queriam cobrar a taxa funerária e impedir o funeral tradicional. Sim, esta foi a verdadeira, espontânea, revolta popular, iniciada pelos camponeses minhotos, secundados por todo o povo, contra a asfixia tributária de Costa Cabral e D. Maria II. Uma luta desigual entre pobres camponeses e alguns soldados - miguelistas (é desse tempo o célebre Zé do Telhado; um apoiante miguelista que, finda a guerra liberal, continuou a guerra de guerrilha) - lutavam com varapaus, foices, ancinhos, calhaus e o que viesse à mão, contra armas de fogo e a cavalaria do general Saldanha! Neste século, em 1847, ainda tivemos as épicas greves do Porto, de Santo Tirso e de Gouveia! Não me digam que este povo é manso e carrancudo. Não! Não é! Nunca foi! Mas querem que seja! Tivemos o golpe republicano de 1910 e uma atribulada 1ª República, com golpes de fações políticas, prisões arbitrárias execuções sumárias - a detenção dos operários da Calçada do Combro e o morticínio da Noite Sangrenta -, e greves - a de 1912 dos camponeses de Elvas a que solidarizaram os operários de Lisboa, a greve dos operários das conserveiras de setúbal, onde foi morto pela GNR um operário, a dos camponeses do Ribatejo - até à intervenção militar de 1926 que fundou a 2ª República e trouxe Salazar que ainda se viu a braços com a Revolta dos Marinheiros, a Revolta da Marinha Grande e a Revolta da Madeira. Durante 13 anos, travámos uma guerra externa em três frentes com inimigos apoiados por todos os n/"amigos" de hoje; Suécia, Noruega, Holanda, Bélgica, Alemanha, França, Inglaterra, USA, e ainda URSS, Cuba e China! Não me digam que este povo é manso e macambúzio. Os Portugueses foram e são bravos, apenas os maus líderes os fizeram esquecer isso! Miguel de Cervantes, no regresso da batalha de Lepanto, descrevia ao seu camarada de armas, na amurada do galeão à chegada a Lisboa, com comovente admiração e respeito, o magnífico povo de Lisboa, cortês, corajoso, leal e justo da maior cidade da Europa desse tempo, onde o Tejo era uma floresta de mastros interminável. Leiam e comovam-se com a história de Portugal, como me aconteceu. Respeitem os portugueses. Respeitem-se.


A Revolta da Maria da Fonte

Peniche, 20 de Novembro de 2021

António Barreto

domingo, 14 de novembro de 2021

A Batalha de Zama

 A Batalha de Zama 

      “Na cauda de tudo, atrás dos carros das máquinas de guerra e das últimas filas dos esquadrões, desenrolavam-se as récuas de camelos e dromedários, mugindo rouca e longamente, carregados de bagagens, de vitualhas, de munições, com colares de guizos e chocalhos ao pescoço; e por entre as récuas insinuava-se a multidão de mulheres de mercenários, de todas as formas, de todas as cores, de todas as idades: umas trigueiras como tâmaras maduras, outras da cor esverdeada das azeitonas, outras amarelas como cidras; vendidas umas pelos marinheiros, roubadas outras às caravanas, tomadas nos saques das cidades, amadas enquanto moças e belas, deitadas para o monturo da imundice depois de terem servido às orgias do exército inteiro, para irem morrer pelas margens dos caminhos com as bestas de carga abandonadas. Eram númidas vestidas de pele de dromedário, cirenaicas de sobrolhos pintados a azul acocoradas sobre esteiras tocando liras e cantando, siracusanas com placas de ouro nos cabelos, lusitanas de colares de conchas, gaulesas vestidas de peles de lobo, líbias montadas em burros, negras do Sudão e dos confins da África incógnita - esperando todas que a batalha terminasse para começar a orgia e se entregarem nos braços dos soldados ensopados em sangue. Por entre as mulheres estavam os velhos, as crianças, os estropiados, os coxos detritos das batalhas, resíduos miseráveis da guerra, curando as suas chagas, com um resto de armadura amolgada por pedras de catapulta, com as barbas e os cabelos espessos empastados em lama, com cotas de malha despedaçados através de cujos rasgões se viam as cicatrizes mal fechadas de feridas horrendas que os cães lambiam caridosamente. Os coxos abordoavam-se aos cotos das lanças partidas.”


Batalha de Zama

Peniche, 14 de Novembro de 2021

António Barreto

Créditos:

“A História da República Romana” de Oliveira Martins

Aforismos

 Aforismos, nova fornada:


De prudência é não querer o que se não pode haver.

Depois de um bom poupador, um bom gastador.

Depressa se gasta o que depressa se ganha.

Do indigente ninguém é parente.

É bastante rico quem nada deve.

Frade, freira e mulher rezadeira, três pessoas distintas e nenhuma verdadeira.

As mulheres são sempre melhores para o ano que vem.

Cantar, andando, encurta caminho.

Caminho começado é meio caminho andado.

Conhece-se o marinheiro quando vem a tempestade.

De graça, nem os cães vão à caça.

Deus ajuda a quem muito madruga.

Estrada de mil léguas começa por uma passada.



Peniche, 14 de Novembro de 2021

António Barreto

Créditos : "A Sabedoria dos Provérbios"

sábado, 13 de novembro de 2021

Arquimedes de Siracusa

 

Arquimedes de Siracusa

 

   “Durou o cerco oito meses; veio o exército cartaginês de Himilco socorrer Siracusa e ocupou Agrigento. Marcelo viu-se entre dois fogos, quase perdido: a ilha inteira, com medo dos romanos, dera-se ao púnico; mas batido Himilco, o Verão com as febres paludosas do Anapo acabou de destruir o exército cartaginês. Finalmente, no Outono de 542, Siracusa foi tomada de assalto, saqueada, exterminados os habitantes. Conta-se que durante a matança, um soldado descobriu Arquimedes, só e indiferente a tudo, na contemplação de um problema que o preocupava; o soldado mandava-lhe que fosse à presença de Marcelo- - Onde? -. Volta Arquimedes; e tornou à sua contemplação. O soldado atravessou-lhe o ventre com a espada. É assim que a realidade se vinga duramente dos povos contemplativos: mata-os.”

“A História da República Romana”

Oliveira Martins

Arquimedes de Siracusa


Peniche, 13 de Novembro de 2021

António Barreto

sábado, 30 de outubro de 2021

Escola Náutica e Camaradagem

  Esta é uma medalha comemorativa dos 50 anos do meu curso elementar de Máquinas na Escola Náutica, atribuída igualmente a todos os alunos de então. Um evento organizado por alguns colegas com o patrocínio da Escola Náutica Infante Dom Henrique e que teve lugar no último sábado nas suas instalações de Paço D’Arcos.

    É espantoso como, num período social e economicamente difícil, em tão pouco tempo, cerca de dois anos, se estabeleceu entre todos nós, independentemente da especialidade, máquinas, ponte, comissariado ou telegrafia, tão persistente vínculo de amizade e camaradagem, nalguns casos fortalecido pela vida marítima conjunta que se seguiu.

   No que me diz respeito, tive oportunidade de rever e abraçar alguns grandes amigos desse tempo, daqueles que estão sempre connosco e que não via há 50 anos. Igualmente gratificante foi rever e refrescar a memória relativamente a todos os outros.

   Desculpem a imodéstia, mas, somos gente boa, gente de coração nobre, com espírito de camaradagem e de missão, gente com talento e memória. Desta "fornada" saíram Comandantes, Chefes de Máquinas, Engenheiros, Médicos, Advogados, Armadores, Empresários - grandes, médios e pequenos - ciclistas, desportistas e artistas. Recordo um dos colegas que foi de bicicleta a Roma para cumprimentar o Papa e outro, o Jorge Mendes, da "fornada" seguinte", que conquistou o seu lugar na cena musical nacional ao vencer o Festival da Canção de 1987 com o belíssimo tema “Neste Barco à Vela”, integrando o Duo Nevada, que acaba de editar o seu novo trabalho, “Ruas de Mar”, com temas originais, e que nos brindou com uma bela atuação.

   Foi uma homenagem bonita e comovente onde os que “já partiram” não foram esquecidos. Naquele minuto de silêncio, de pé, recordei o colega Melo, o reguila de Alfama, gingão, irreverente, cordial e descontraído, que me convenceu a comprar a primeira viola, por 1750$00 (cerca de €8,50), no João Pedro Grácio, ali mesmo frente à prisão do Limoeiro onde tinha a sua oficina. No que me diz respeito, ficou fortalecido o vínculo afetivo aos navios, ao mar e aos meus queridos colegas. Deixei os navios e o mar há cerca de 40 anos, mas sou e serei sempre um homem do mar. Um entre muitos, um entre todos os que estiveram presentes.

   Do fundo do coração, agradeço à minha Escola ter-se lembrado de nós e aos colegas Mota, Soares e João, a persistência, a paciência, com que, durante meses, reuniram a "tripulação" dispersa e organizaram esta singela e comovente homenagem. É preciso ter os "porões" cheios de amizade para o fazer.

   Aqui em Peniche ou em Buarcos, a minha porta e o meu coração estarão sempre prontos a receber-vos.

.   



Obrigado

Peniche, 25 de Outubro de 2021

António Barreto

domingo, 26 de setembro de 2021

"Duas Palavras Sobre Jorge Sampaio"

 

Respeito quem, obedecendo a imperativo de consciência, tem a capacidade de dissidir das ideias ou poderes dominantes. Geralmente gera desconforto, e até represálias, aos respetivos autores, mesmo em regimes democráticos, onde a liberdade de expressão é um dos pilares vitais. Jorge Sampaio teve a coragem de o fazer num tempo em que tal poderia implicar, não apenas desconforto social, mas tortura e morte. Por isso o respeito.

   Dito isto, confesso que não tenho grande consideração por pessoas cultas que defendem o socialismo. Além de gerador de pobreza, como a história demonstra à saciedade, o socialismo assenta na total submissão do cidadão ao Estado, por sua vez controlado e ocupado pelo partido. A liberdade é o maior bem a que o ser humano aspira. Ao impor ao cidadão a sua visão de felicidade, o socialismo, retira-lhe o seu bem mais precioso, a liberdade.

   Contudo, o vínculo democrático de Jorge Sampaio é inegável; na Faculdade de Direito de Lisboa, onde se licenciou em 1961, exerceu intensa atividade política de oposição à ditadura, primeiro enquanto Presidente da respetiva Associação Académica, depois como Secretário-Geral da Reunião Inter Associações Académicas (RIA) - em 1961-1962 - coprotagonizando a contestação estudantil que se manteve até ao 25 de Abril. Enquanto Advogado, teve ação de relevo na defesa de Presos políticos no Tribunal Plenário de Lisboa. Nas eleições de 1969 foi candidato à Assembleia Nacional pelo CDE (Comissão Democrática Eleitoral). Posteriormente manteve intensa atividade política e intelectual de oposição à ditadura, integrando vários movimentos de resistência, defendendo uma alternativa democrática de matriz socialista.

   Impulsionador do MES (Movimento de Esquerda Socialista), agremiação de intelectuais de esquerda de formação marxista, desvinculou-se em pleno congresso fundador ao perceber a natureza radical do movimento. Já em pleno PREC (Período Revolucionário em Curso), apoiou Grupo dos Nove do MFA, que se opôs à deriva totalitária, a que foi posto termo no 25 de Novembro de 1975. Estes factos, por si só, comprovam, em contextos diferentes, a cultura democrática de Jorge Sampaio.

   Posto isto, há rumores de queixas de vítimas dos excessos praticados no PREC, caso de Artur Agostinho, preso em Caxias, a quem Jorge Sampaio terá recusado defesa judicial, alegando insuficiente conhecimento do prisioneiro, apesar de ter sido seu patrono anteriormente, em vários casos de pequena monta. A ser verdade, não é bonito.

   Por outro lado, que saiba, não se terá oposto à tragédia que foi a descolonização, sendo por isso, quanto a mim, cúmplice do genocídio de que os portugueses, pretos e brancos, civis e militares, foram vítimas no decurso do processo, em todas as ex-colónias.

   Mais recentemente, considero-o, em parte, responsável pelos danos causados ao país pelo governo de José Sócrates. Ao dissolver a Assembleia da República, pondo fim ao governo errático de Santana Lopes, atirou o país para os braços do seu partido, que se revelou incapaz de o preparar para as crises que já se vislumbravam no horizonte.

   Parece-me também que Jorge Sampaio foi o precursor da “geringonça” - que, alegremente, conduz o país para a ruina económica e anarquia social - quando se aliou à esquerda radical na Câmara Municipal de Lisboa.

   Recordo ainda, quando, nos primórdios do Governo de Durão Barroso, perante a avalanche reformadora deste, Jorge Sampaio, então Presidente da República, recorreu ao caso dos toiros de morte de Barrancos para a travar. E conseguiu.

   Finalmente, ficou-me na memória a resposta que deu a um jornalista que o interpelava acerca das soluções para a crise. Respondeu Sampaio, refletindo uma característica eminentemente socialista: “ os empresários têm que trabalhar mais”! Lembro-me de ter pensado, “se quiserem!”. E logo depois: “mas como podem os empresários trabalhar mais se já trabalham 12, 14 e 16 horas diárias, muitos sem fins-de-semana nem férias? Trabalhar melhor, sim, seria possível, sem a crescente asfixia do Estado”. Mais tarde percebi; os governos socialistas, não se preocupam em criar as condições para o desenvolvimento da Sociedade Civil, consumidores e empresas, para que esta crie mais empregos e riqueza: aumenta o contingente do funcionalismo público e apresenta a fatura às empresas e cidadãos, agravando os impostos, criando outros, tal como novas e intermináveis taxas, e fazendo uso de uma infinidade de artifícios, diretos e indiretos, sempre por “boas e indiscutíveis causas”, onerosos para cidadãos e empresas. A fórmula do empobrecimento!

   E é isto que se me oferece dizer quanto a Jorge Sampaio; enquanto homem e político, respeito a sua dimensão humanista e democrática mas, enquanto político, reprovo o seu envolvimento num caminho em que não acredito.


Peniche, 26 de Setembro de 2021

António Barreto    

sábado, 21 de agosto de 2021

Cartão Vermelho ao Cartão Vermelho

 

   Quando o Governo socialista tomou posse, em 26 de Novembro de 2015, pensei “com os meus botões”, que o Benfica iria ter problemas. Não me enganei. Depois de várias peripécias, assistimos, estupefactos, em 07 de Julho de 2021, à detenção do Presidente do Benfica, à ordem do Ministério Público, suspeito de ilícitos vários (abuso de confiança, burla qualificada, falsificação, fraude fiscal e branqueamento de capitais) no âmbito das investigações às dívidas ao Novo Banco, conduzindo ao seu afastamento voluntário da Presidência do clube.

   Ao longo dos anos, a complacência institucional, desportiva e não desportiva, judicial e política, relativamente aos repetidos casos de adulteração das competições desportivas, fez-me nascer a ideia de que, a certa altura, se estabeleceu um consenso implícito entre alguns atores desportivos e políticos, quanto à necessidade de reorientar o ordenamento desportivo dominante do país.

   Há que enfrentar os factos e denunciá-los; o Benfica é visto, por alguns setores políticos como um símbolo do salazarismo. Um clube que projetou Portugal no mundo, envolto num aura de sucesso e fascínio, pela coragem, cortesia e qualidade da sua arte. Um microcosmos do Portugal multicultural e pluricontinental com que Salazar sonhava, capaz de enfrentar os colossos europeus e mundiais de futebol. Uma ponte emocional que parece não agradar aos protagonistas da nova ordem, eventualmente mais interessados na ascensão das alegadas “vítimas desportivas”, finalmente “libertas das garras da ditadura”.

   Por outro lado, a característica agregadora do popular clube de Eusébio, Coluna, Simões e Cª, não é vista com bons olhos para os que se têm empenhado em desmantelar a matriz cultural tradicional do país, algo hoje bem à vista de todos cada vez com mais evidência.

   Numa frase metafórica, arrisco dizer que “Os “deuses” estão contra o Benfica”.

   Empossado o novo Governo, não tardou a ser anunciada, pela Comunicação Social, turbulência no Ministério Público relacionada com “rotação” de procuradores e respetivas hierarquias. Não sei como se processam estas movimentações e até me parece normal que ocorram por ocasião das mudanças de Governo, salvaguardados os trâmites legais. No entanto, pensei, novamente “com os meus botões”, que, a máquina socialista estava a tratar de prevenir a defesa das suas hostes.

   Não sei se é verdade ou não, mas o que é facto é que, a partir daí, choveram queixas no Ministério Público contra o Benfica, todas elas investigadas com grande aparato, muitas tendo como denunciante o, então, Presidente do Sporting, Bruno de Carvalho. Um caso emblemático foi o dos vouchers, investigado inúmeras vezes, apesar dos sucessivos arquivamentos. Outro foi o da publicação de correspondência do clube, graças à rejeição da providência cautelar pelo juiz do Tribunal de Primeira instância do Porto, com a alegação surpreendente de que tais publicações não resultariam numa perda de adeptos para o clube. Durante cerca de oito meses, o nome do clube foi arrastado na lama, só terminando quando o Tribunal da Relação do Porto deu provimento à Providência Cautelar. É neste contexto que, mais uma vez, vem a público a socialista Dr.ª Ana Gomes, defender com unha e dentes o pirata informático envolvido neste episódio, apresentando-o como herói nacional e mundial, lançando acusações veladas ao Presidente do Benfica, ignorando os danos que, à margem da lei, estavam a ser feitos ao clube e seus sócios e adeptos. Cabe aqui recordar que foi a sua colega de partido, Arquiteta Helena Roseta que, anos antes, se insurgiu, na Câmara de Lisboa, contra os benefícios fiscais atribuídos pelo município ao clube relativos à construção do seu Museu, apesar de definidos em protocolo com todos os clubes da cidade. A mensagem é clara; Lisboa não tem interesse num museu do Benfica na cidade.

   Cabe aqui recordar, sumariamente, outros episódios anteriores através dos quais percebi que o clube iria ser vítima de ataques reputacionais. O primeiro foi a resolução do Fundo de Investimento de Jogadores ordenada pela F.I.F.A. - e pedida por Bruno de Carvalho desde que chegou à presidência do rival. Em tempo recorde o clube teve que se desfazer de uma solução que lhe permitia contratar jogadores de craveira mundial, mercê de um esforço financeiro elevadíssimo, cerca de 95 milhões de euros, obtidos, in extremis, com a venda de jogadores da formação. Outro foi o das restrições ao financiamento bancário aos clubes de futebol ordenadas pelo Banco Central Europeu, na sequência da crise bancária de 2011. Neste caso o clube substituiu, com sucesso, os bancos pelo mercado obrigacionista. Para mim ficou claro que o próximo passo consistiria no ataque à reputação do clube. Afinal foi o que foi feito no tempo de Vale e Azevedo; recusa de financiamento e congelamento das contas bancárias. Não me enganei. Ele aí está em grande força. O que tem “graça” é que a alegada proibição de empréstimos dos bancos aos clubes não se aplicou a todos eles. Pelo menos o rival Sporting continuou a ser financiado e beneficiado com sucessivos perdões de dívida, como se se tratasse de um dos desígnios nacionais. Enquanto isso, o Benfica saldava quase na totalidade a sua dívida bancária num montante idêntico! Bem vistas as coisas, o Benfica parece ter sido o colateral do financiamento dos rivais.

   É demasiado para eu acreditar em coincidências.

   Vejamos agora o caso do ex-Presidente do Benfica Filipe Vieira. Se estava a ser investigado desde 2018, como foi noticiado, porque foi detido exatamente quando decorria uma operação obrigacionista? Mais uma coincidência, claro! Pode ser, mas eu não acredito. Estou convencido de que o propósito primário, ou secundário, era o de fazer fracassar o financiamento do clube e comprometer a nova época. Esta suspeita ganhou mais força hoje mesmo, ao ser anunciada na imprensa uma investigação ao projeto de internacionalização do Benfica, alegadamente suspenso em virtude da crise pandémica que atravessamos. O caso é que tal ocorre quando o clube está no meio do processo de qualificação para a Liga dos Campeões. Bate tudo certo. Ou não? A entrada nesta Liga proporcionará farta receita ao clube, indesejada pelos rivais e seus “amigos”.

   Vejamos ainda; como é possível que, no campeonato transato, em 34 jogos, o Benfica tenha tido apenas duas grandes penalidades a favor sem levantar o protesto geral da opinião pública, em particular dos comentadores desportivos, alegados defensores da verdade competitiva? Pois é! É possível porque ao fim de tantos anos, pelas razões aduzidas acima, se estabeleceu uma espécie de consenso geral contra o clube, como se se tratasse de um “justo acerto de contas” “das autoproclamadas vítimas do fascismo”.

   Por mim, jamais darei o meu voto, ao político ou partido que fizer mal ao meu clube, nem a quem não tenha projeto idóneo para restituir a credibilidade ao desporto nacional. É tempo de acabar com os preconceitos políticos no desporto, tratando todos por igual.

   PS: Espero que o projeto de internacionalização do clube vá para a frente, não só porque tal proporcionará o seu crescimento económico e competitivo, como possibilitará a participação desportiva de eventuais participadas em campeonatos de outra dimensão.

Cabe aos benfiquistas defender o seu clube.

Amadeo de Sousa Cardoso e Emmérico Nunes (Paris, França). 

Data de produção da fotografia, 1907


Peniche, 21 de Agosto de 2021

António Barreto

quinta-feira, 15 de julho de 2021

As Razões de uma Dissidência

 Peniche, 19 de Dezembro de 2018

Por, António José Rodrigues Barreto:

Sócio nº 34689

Exmo. Sr. Presidente do Benfica, Sr. Luís Filipe Vieira

 

   Tendo em conta que por várias vezes lhe reiterei o meu apoio à frente dos destinos do Benfica, impele-me o dever de consciência a comunicar-lhe que não me é possível mantê-lo.  

   No universo Benfica sou um grão de areia e, nele, a nada mais aspiro, mas tal como diz o poeta: “la areña es un puñadito pero hay montañas de arena” (Atahualpa Yupanki - El Payador Perseguido).

   A minha perceção mudou na época transata perante uma sucessão incompreensível de desastrosas decisões; tantas e tão más que, até prova em contrário mantenho a convicção de que “o Benfica” não quis ganhar o campeonato. Vejamos:

   Vendeu-se tudo o que tinha mercado dizimando a equipa; desguarnecendo-a na baliza, na defesa, no meio campo e no ataque. Fomos enxovalhados na Liga dos Campeões deixando uma nódoa que perdurará por muitos anos entre os adeptos do futebol, e em especial, no coração dos do Benfica.

  Depois do desastre europeu, perdemos o campeonato - “por uma unha negra”; teria bastado por exemplo, trazer o Odisseias em Janeiro ou não ter deixado sair Júlio César - que sabe tudo de técnica de baliza -, ou ter recuperado o Mitroglou - o homem dos golos, insatisfeito e triste no Marselha -, ou o Gaitan em Janeiro - o “abre-latas” deslocado no Atlético. Enfim, de uma estrutura competente esperavam-se melhores decisões. Os empréstimos - Douglas e Gabigol - foram um fracasso. As baixas de Krovinovick e Jonas, situando-se no espetro das contingências previsíveis, não foram compensadas. Um tremendo fracasso de gestão desportiva.

   O anúncio da amortização da dívida bancária prenunciava o desastre, e o do novo ciclo de obras confirmou-o. Num primeiro tempo pensei: - caramba! O Benfica está imparável; vamos dar o salto qualitativo que faltava. A pouco-e-pouco porém, à medida que iam sendo conhecidos os detalhes, foi-se desvanecendo o entusiasmo. Tudo não passou, afinal, de uma estratégia de compensação da frustração dos adeptos, tentando induzir-lhes a ideia de que “perdemos por uma boa causa”, “o futuro será glorioso”. Algo que já ouvíramos durante cerca de onze anos. Vejamos agora mais de perto alguns eventos recorrendo apenas ao que é do conhecimento público, único recurso de que disponho:

   A amortização da dívida bancária foi do interesse dos bancos não do Benfica - os mesmos que têm financiado os rivais através de empréstimos, doações e reestruturações. O clube-SAD poupa cerca de 16 milhões de euros por ano em juros, em contrapartida, durante o período do contrato, o clube-SAD abdicou de 40 milhões de euros anuais. Um saldo negativo de 24 milhões de euros por ano; a diferença provável entre sucesso e fracasso.

   Por outro lado, o recurso à antecipação de receita para liquidação de passivo bancário quando, salvo o erro, na época correspondente se faturou cerca de 240 milhões de euros em jogadores, foi uma enorme deceção. Se a mais-valia desta receita foi alocada à despesa corrente, significa que o clube-SAD está mal, muito mal. E, nesse caso, o futuro do Benfica é preocupante. Um bom método de gestão aconselharia a que a dívida fosse paga sem pôr em causa a competitividade da equipa principal; por exemplo, alocando ao serviço da dívida 50% da mais-valia da transação de jogadores e o restante à atividade operacional; 25% para investimento e o restante para despesa corrente.

   Relativamente às anunciadas obras, apesar da exuberância do projeto, que analisarei em detalhe mais à frente, há que enquadrá-lo no objetivo primordial, a saber; contribuir para a melhoria da competitividade desportiva da equipa principal de futebol, pedra de toque de todo o universo do clube rumo ao mais alto patamar. Quer o investimento, quer os custos operacionais associados, poderão comprometer por muitos anos a desejada ascensão desportiva da equipa. Algo que deverá ser bem fundamentado e explicado aos associados, acionistas e investidores. Como é que um colégio, mais 16 campos de treino - salvo o erro -, um hotel, um lar e um centro de alto rendimento, contribuem para formar uma equipa de futebol sénior de nível mundial? Essa é a questão primordial.

   O Presidente enfrentou a época em curso sob a égide da credibilidade institucional, estabilidade e lealdade ao treinador. Responsabilizando-se pelo desastroso desfecho da época transata, decorrente da sangria de efetivos, acreditou que, dotando a equipa dos recursos humanos adequados, esta recuperaria o sucesso desportivo rumo à “reconquista”. Infelizmente enganou-se; a época está a falhar e, se nada for feito entretanto, espera-nos, de novo, rotundo fracasso. A equipa técnica não consegue implementar o seu modelo apesar dos bons jogadores de que dispõe. Estes, desorientados com a falta de liderança, jogam como sabem, com empenho mas desarticuladamente, incapazes de provocar roturas nas defensivas contrárias - a não ser, em combinações ocasionais de 2, 3 jogadores e graças ao talento de alguns deles. O desânimo apossou-se da equipa. Os adeptos afastam-se deixando o Estádio vazio e a BTV sem audiência. Isto não é o Benfica, o grande Benfica com que os adeptos sonham.

   Perante os persistentes ataques de que o clube-SAD tem sido alvo, a necessidade de união entre benfiquistas é óbvia, motivo pelo qual reconsiderei, porém, a recente inversão duma decisão coletiva relacionada com a mudança da equipa técnica em sede de Conselho de Administração justificada por uma alegada e solitária revelação, foi a gota de água; fiquei a perceber que, no Benfica, os membros do Conselho de Administração não passam de adereços, sujeitando-se, obedientemente, à ditadura presidencial. Cabe aqui dizer que o Presidente não foi eleito para tomar decisões; foi eleito com uma equipa, para, co-responsavelmente, tomar boas decisões. Manter a atual equipa técnica em funções é, quanto a mim, uma péssima decisão. Veja o meu caso; toco umas peças de música clássica na guitarra mas não sou capaz de tocar Paganini.

   Relativamente ao seu projeto para o futuro do Benfica-SAD; considero correta a aposta na formação, porém não tenha ilusões; sem um Treinador carismático e sem uma equipa capaz de ganhar, “perfumando” os relvados, o projeto ruirá sem apelo nem agravo. Ninguém da formação interna - ou fora dela - quererá jogar num benficazinho, conformado, resignado às derrotas, quando, no processo de formação, aprenderam as virtudes do inconformismo, da ousadia e da vitória.

   Do “novo ciclo de betão”, completando o que disse atrás no caso da formação, o aumento do número de campos de treino e o melhoramento das condições de apoio aos formandos - residencial e colégio -, aumentará a base de recrutamento e, consequentemente, a emergência de novos e melhores talentos. É verdade. Mas também é verdade que, a partir de certo ponto, por mais campos de treino de que se disponha, o retorno desportivo será marginal face do investimento efetuado. De todo o modo, uma rede de “olheiros” bem montada é vital para o sucesso do projeto. Investir recursos infrutiferamente é um mau ato de gestão. Por outro lado, assumir publicamente o recurso da formação como condição exclusiva da competitividade europeia da equipa, como o Presidente fez recentemente, é uma imprudência que desmobiliza todos os outros contributos, afinal, imprescindíveis. Imagino o estado de espírito dos atuais jogadores externos perante tal propósito.

   No caso do Centro de Alto Rendimento, julgo que se destinará ao desenvolvimento da secção de atletismo, com vista a consolidar o domínio interno e a disputar os grandes torneios internacionais. Muito bem. O Benfica e o país carecem de melhor representatividade nestas disciplinas. Mas não se iluda; se a competitividade da equipa principal de futebol for afetada, ninguém, entre os benfiquistas, quererá saber do atletismo.

   Quanto ao hotel; se é uma forma de viabilizar economicamente um edifício histórico do clube, cuja alienação nunca seria compreendida pelos sócios, desde que não ponha o essencial em causa, é uma boa decisão.

    Fazendo agora uma breve retrospetiva à sua gestão e começando pelo fim:

   O tetra campeonato foi conquistado quando o Benfica se tornou independente em termos de direitos desportivos. Essa independência enchia os benfiquistas de orgulho, um orgulho que se refletia na motivação da equipa e na qualidade de jogo. Os bons resultados brotaram desta força. O recente contrato com a NOS, anunciado com exuberância, foi o princípio do fim, uma “machadada” no orgulho dos benfiquistas, que, estou certo, prefeririam aumentar a sua contribuição, a sujeitar-se ao garrote portista.

   As consequências não se fizeram esperar; com uma conjuntura governativa favorável e a paciente reconstituição do grupo que detém a Sport-TV - com os tradicionais aliados, Amorim, Sonae, angolanos e um “ponta de lança” do foro político-desportivo – alegadamente, reativaram-se os processos de condicionamento das equipas concorrentes através do controlo do respetivo financiamento.

   O resultado está à vista; sucessivos casos de assistências para golo à equipa opositora, árbitros a aplicar as leis do jogo de forma arbitrária e a comunicação social cantando loas aos “heróis” da democracia. Enquanto isso, o Benfica e seus Dirigentes são enxovalhados na praça pública, quase diariamente. Cabe aqui assinalar a débil reação da estrutura encarnada revelando total incapacidade de terçar armas no espaço público, onde se joga grande parte do sucesso ou insucesso desportivo. A saída de João Gabriel deixou um grande vazio na área da comunicação.

   No campo dos direitos desportivos, o aparecimento de um novo player, a Eleven Sports, consolida a minha convicção de que o negócio com a NOS foi um erro; “entregou-se o ouro ao bandido”! Uns meses mais e a receita poderia ter sido bem superior e, sobretudo, não se teria facilitado a restauração do poder do rival. Agora temos o deserto pela frente.

   Olhando mais para trás, sendo certo que, como diz o bom povo, “o que não tem remédio remediado está”, à luz dos recentes eventos, merecem-me breves considerações alguns outros casos.

   A tomada de decisões numa instituição do tipo do Benfica, sujeita a abundante escrutínio público, onde, muitas vezes, a emotividade se sobrepõe à racionalidade, é problemática. Num universo tão vasto e heterogéneo de funcionários, atletas, jogadores e adeptos, a unanimidade é quase impossível de obter exceto quando se ganha.  Daí a importância da colegialidade da tomada de decisão, sem prejuízo do papel mobilizador, moderador e decisório do líder. Por outro lado as plataformas de comunicação disponíveis devem abrir-se aos adeptos para que possam, livremente, expressar as suas opiniões e fazer o seu escrutínio. Este processo, se autêntico, induz novas ideias e ajuda a “calibrar” os assuntos em discussão. O oposto do que atualmente se pratica no universo encarnado.

   No lote dos temas fracionários situa-se o caso do novo Estádio. Recordo o saudoso Jorge de Brito ter referido, a certa altura do seu mandato, que preferiria um Estádio mais pequeno e mais confortável. Lembro o contexto em que se avançou para a construção dos novos Estádios - o da realização do europeu de 2004. O Benfica parecia irremediavelmente afastado do processo. Temia-se, creio, o desânimo dos adeptos encarnados. Hoje parece-me claro que todo o processo do euro 2004 foi conduzido para dar resposta ao projeto Roquete.

   Temos um Estádio moderno, confortável, bonito, talvez mais económico, mas, mais pequeno, de série, sem memória, sem história, sem o “terceiro anel”. Temos também uma dívida que retirou - e retira - competitividade à equipa. O Estádio está pago - anunciou o Presidente. Não sei se “se pagou a si próprio” nos doze anos previstos. Não sei se alguma vez pagará todos os custos não financeiros decorrentes.

   Os factos ajudam-nos a perceber melhor o outro lado das consequências desta opção; a Direção anterior tinha pronto um projeto de recuperação e modernização do velho Estádio, da autoria do mais conceituado arquiteto da época - Tomás Taveira - que custava quatro milhões de contos - cerca de vinte milhões de euros. Teria sido possível investir de imediato na competitividade da equipa. Em contrapartida a opção adotada gerou uma dívida que implicou uma longa travessia no deserto que ameaça agora prolongar-se após o breve interregno do “tetra”.

   Mário Dias, nas suas esporádicas, escassas e sóbrias entrevistas, levantou a ponta do véu ao dizer que os bancos financiavam a construção do novo Estádio mas não a restauração e modernização do velho. O velho Estádio dos afetos, construído com o apoio dos benfiquistas, em dinheiro, materiais e mão-de-obra. O Estádio da exigência implacável do terceiro anel de que tanto se tem falado - exigência essa que, recentemente, se converteu em conformismo e resignação -, um Estádio único, testemunho dos maiores feitos históricos do clube, admirado e respeitado pelos grandes atletas que o conheceram. O velho Estádio era o Estádio dos adeptos. Tinha alma. O novo é o Estádio dos banqueiros, e estes, não consta que a tenham. Com a demolição do velho Estádio da Luz ruiu uma parte do velho e glorioso Benfica.  

   A união dos adeptos é necessária, o entusiasmo exigente impulsiona jogadores, treinador e atemoriza adversários, contudo, a união constrói-se, não se pede. Constrói-se com competência, transparência, respeito, diálogo e humildade. O Presidente, nos últimos tempos, tem-se empenhado em fazer o oposto.

   Para os adeptos do Benfica, há uma espécie de “pecado original” relacionado com as alegadas “velhas amizades” do Presidente com confessos inimigos. Vejamos:

   Correm rumores, de, num tempo não muito distante, entre os atuais Presidentes do Benfica e do Porto ter havido um relacionamento de grande proximidade. Sei que as pessoas mudam e, como diz o bom Povo, “por um burro dar um coice não se lhe corta a pata” (salvo seja), mas não se é amigo de Pinto da Costa impunemente. Quem sabe se o Benfica não estará, hoje, a pagar o preço dessa velha amizade.

   Outro caso é o da “eterna” gratidão do Benfica a Joaquim Oliveira, o grande estratega do Porto - seu clube dileto -, junto da Comunicação Social, dos Governos - do socialista em particular -, dos bancos - consta que o Porto reestruturou a dívida do seu Estádio alargando a amortização do empréstimo por 50 anos -, do aparelho judicial - veja-se a origem do Presidente executivo da Sport TV -, de todas as SAD - Joaquim Oliveira tem participações em todas elas, incluindo, paradoxalmente, na do Benfica - e junto de investidores externos de referência - sobretudo angolanos.

   Este poder foi construído a partir da exclusividade da aquisição, pela Olivedesportos, dos direitos desportivos dos clubes nacionais - apesar de, alegadamente, irregular -, graças a cumplicidades bem conhecidas da opinião pública. Ao reverter a resolução unilateral do contrato dos direitos do Benfica com a Olivedesportos decidida pela Direção de Vale e Azevedo, Manuel Vilarinho viabilizou a estratégia de domínio portista, que se concretizou, e mantém, após o breve interregno do tetra. Como se vê é Joaquim Oliveira que deve estar grato ao Benfica e não o contrário.

   Hoje, com os direitos na mão e um governo amigo, o Porto faz o que quer no campeonato - tal como nos velhos tempos do Apito Dourado. Mais grave, estas anormalidades passaram a ser aceites pela sociedade e a generalidade da comunicação social, como uma espécie de nova ordem; para estes o Benfica representa o velho regime e o Porto é o símbolo do novo. Apesar da falsidade, esta narrativa impôs-se e os políticos aceitam-na “deixando passar o andor” ou ajudando mesmo a transportá-lo. Por tudo isto não fica nada bem ao Presidente do Benfica afirmar aos seus adeptos o dever de gratidão a quem tanto mal tem feito ao seu clube. O futuro do Benfica passa por inverter este discurso.

   Outro caso polémico que deixa os adeptos “de pé atrás” é o dos alegados “submarinos” no clube. Gente que pertence aos quadros do Benfica mas tem vínculo clubístico diferente. A pertinência do argumento da prevalência da competência sobre o da simpatia clubística está condicionada ao efetivo escrutínio daquela e à despistagem dos antecedentes, nomeadamente do envolvimento em ações hostis ao clube. Não é razoável integrar nele gente que lhe tenha causado, voluntariamente, danos graves. Ao primeiro revés brota o fraccionismo. Dá a ideia que o Presidente não se sente confortável com os benfiquistas. Não sei. Até percebo que há certos benfiquistas que se acham com um injustificado estatuto especial. No entanto, primeiro os benfiquistas.

   Neste mesmo contexto cabe referir o caso do motorista do Presidente, a contas com a justiça por alegado envolvimento num caso de tráfico de droga. Segundo veio a público, os alegados traficantes teriam acesso às instalações do Estádio e, no trabalho operacional, era utilizada uma viatura do Benfica. Se é certo que nenhum envolvimento foi imputado pelas autoridades ao Presidente este, perante os adeptos, não pode eximir-se à responsabilidade da escolha de um colaborador inidóneo.

   O mesmo se aplica ao assessor para a área jurídica. Apesar das bagatelas conhecidas e ainda que o Presidente não tenha tido conhecimento dos casos cabe-lhe a responsabilidade da escolha e da falta de acompanhamento eficaz.

   Imprudência também se imputa ao caso dos vouchers, que tantos incómodos têm causado. Abriu-se o flanco ao adversário, desnecessariamente. Durante anos, a comunicação social afeta aos rivais não cessou de massacrar o Benfica, provocando-lhe danos de imagem assinaláveis. Era previsível e escusado.

   Noutro contexto, alguma aparente promiscuidade que se tem verificado entre a atividade profissional particular do Presidente e do Benfica, contribui para alimentar a reserva dos adeptos. Os casos que vieram a público relacionados com a fiscalidade e com operações financeiras envolvendo as mesmas entidades bancárias, deveriam ter sido evitados. Total separação de interesses é um requisito da transparência.

   Outro caso é o das frequentes referências a Vale e Azevedo. É tempo de acabar com isso. Vale e Azevedo foi acusado, julgado e condenado (alegadamente, por um juiz portista e dragão de ouro). Cumpriu pena de prisão correspondente ao cúmulo jurídico de 17,5 anos, sem beneficiar de liberdade condicional. Pagou pelos seus erros. É um homem livre, mas continua a ser perseguido como um animal selvagem. Chega. Convidem-no a defender-se quando quiserem acusá-lo. Apesar de tudo foi Presidente do Benfica, e há adeptos, como eu, que não gostam de o ver maltratar.

   Outro caso ainda é o da saída de Jorge Jesus do Benfica, traumatizante para os respetivos adeptos, os quais, ainda hoje não percebem o que efetivamente se passou e se perguntam se não poderia ter sido evitada toda a turbulência deplorável a que assistimos. Um eventual regresso poderá fomentar a divisão dos adeptos. Estes foram desrespeitados, sem razão, por Jorge Jesus. Muitos continuam magoados e não o aceitarão sem uma retratação pública. De duas coisas estou certo; se vier, no mesmo dia a equipa passará a jogar o dobro ou o triplo do que joga atualmente, e não faltam bons treinadores por aí, dentro e fora do país (Marco Silva, Miguel Cardoso, Abel Ferreira, Vítor Oliveira, Paulo Fonseca, etc.).

   Para terminar assinalo o caso da alteração dos estatutos no âmbito dos requisitos para a candidatura à presidência; a imposição dos 25 anos de associado ao candidato é um exagero que vai sair caro. O tempo de associado não é garantia de competência, nem é certo que seja suficiente para afastar arrivistas mal-intencionados. A competência e a lealdade não escolhem idade. Esta matéria deveria ser revista quanto antes.

   O Sr. Presidente Luís Filipe Vieira fez um trabalho notável no clube, e é, sem dúvida, um dos melhores desde a sua fundação, mas no contexto aqui referido, sinto que o seu projeto está exaurido. Teimosamente preso a um Treinador cuja equipa apresenta um futebol insuficiente - com jogadores tristonhos, descrentes -, indiferente aos avisos e recomendações - agora confirmadamente pertinentes -, e aos enxovalhos públicos a que a equipa e adeptos têm sido sujeitos, hostilizando os adeptos dissidentes, abdicando do espaço público - com uma BTV sensaborona e laudatória -, o Presidente impõe uma gestão autocrática, messiânica - “antes de mim o deserto, depois de mim o dilúvio” -, que é contrária à identidade do grande Benfica.

   Considero que chegou a hora de um novo ciclo para o meu clube; um ciclo que corrija alguns equívocos aqui apontados e tenha como prioridade, o desendividamento, a otimização do trabalho da formação, a reestruturação da superestrutura desportiva do clube-SAD - privilegiando a capacidade prospetiva e o fortalecimento da competitividade da equipa principal rumo ao mais alto patamar europeu e mundial, com a integração inteligente de elementos da formação sem exclusão dos de outras origens.

   Last but not the least, perante o descalabro a que assistimos no futebol, à semelhança do que fazem os Dirigentes do rival do norte, é tempo de os Dirigentes do Benfica perceberem a natureza eminentemente política do futebol em Portugal e “convidarem”, ainda que em abstrato, Governo e Partidos a definirem-se publicamente. Algo que, a meu ver, o Presidente tem descurado.

Peniche, 18 de Dezembro de 2018

Com os meus respeitosos cumprimentos,

António José Rodrigues Barreto

VIVA O BENFICA!

  

  

  

 

  

  

  

 

  

  

  

  

      

  

  

  

  

  

  

  

  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tudo isto agravou a tarefa do Treinador que, penosamente, lá conseguiu restaurar algum equilíbrio numa equipa desencantada, que declinou, sem apelo, na sequência da saída de Jonas. As extraordinárias circunstâncias motivacionais dos anos precedentes tinham desaparecido; nem o repetido anúncio da “inevitabilidade” do penta campeonato foi estímulo suficiente. Houve um claro relaxamento da estrutura e, mais grave, as carências táticas da equipa, no posicionamento e na dinâmica coletiva persistiram até final da época e seguinte. Não há equipas ganhadoras com treinadores medrosos; o paradigma da época foi o do jogo na luz com o Porto.

  

  

   Não dei crédito aos rumores que corriam, e ainda correm, sobre alguns aspetos da sua vida anterior ao seu consulado no Benfica; tive-os por conta da doentia e persistente guerra de descrédito movida ao nosso clube pelos rivais, com a cumplicidade de alguns setores políticos.

     Acreditei no seu projeto para o Benfica e defendi-o desde a primeira hora junto de alguns dos seus detratores, quer nas redes sociais, de onde saíram alguns dos anteriores e atuais candidatos opositores, quer junto da Direção do Correio da Manhã, e posso prova-lo.

   Reconheço que tem feito um trabalho fantástico à frente do clube e da SAD; nos domínios das infraestruturas, da formação, do ecletismo, do desenvolvimento económico, da expansão dos associados, da expansão e consolidação das casas, da criação da BTV e do Museu, do financiamento do clube e SAD, etc., inovando e dando o exemplo aos dirigentes de outros clubes. Considero-o um dos melhores presidentes de sempre do Benfica e do futebol nacional.

   Posto isto, à luz da realidade atual, impõe-se uma retrospetiva crítica ainda que sumária e discutível, com o propósito de descortinar os caminhos do futuro.

  

      

  

  

  

 

  

sábado, 3 de julho de 2021

Os Pobres (XII)

  Salazar e os pobres (Cont)

Paul Descamps (1842/1947), sociólogo belga que lecionou nas faculdades de Direito de Lisboa e Coimbra em 1935 fez um levantamento da sociedade portuguesa publicado em livro com o título “Le Portugal La Vie Sociale Actuelle”. Nele descreve uma família operária em Lisboa: homem, mulher e três filhos. Ele, serralheiro, ela mulher-a-dias, os filhos, aprendizes de serralheiro. Analfabetos os adultos, quase analfabetas as crianças. O quadro incluía bebedeiras diárias do pai seguidas de sovas à mulher. Não sendo pobres qualquer percalço os lançaria na pobreza (hoje é igual). No Alto Douro, Descamps encontrou famílias endividadas, com os homens bêbados e os filhos indisciplinados. Uma refeição típica no Minho incluía, toucinho, pão, batatas e sardinhas (nada mau). As crianças comiam o que calhava e bebiam vinho. A mortalidade infantil era de 200 por mil. (Um aspeto surpreendente face à narrativa atual é que Salazar foi decisivo na publicação do livro de Paul Descamps. Tal contradiz a ideia de que Salazar se empenhava em ocultar a miséria social do país. Nem tal seria possível, ainda que o quisesse.)

   Num episódio ocorrido, em 1939, numa escola primária de 2000 alunos em que um médico lhes perguntou o que pediriam a Salazar, um respondeu que seria “um bocado de pão”. (Mais uma vez, a ideia atual de que Salazar fomentava o analfabetismo, é desmentida pelos factos, a escola de 2000 alunos. Por outro lado, sendo, nesta época, a miséria geral uma realidade - Grande Depressão em 1929, Guerra Civil Espanhola e II GM no início - se um aluno em 2000 pedia pão, o cenário não era tão grave como parece à primeira impressão).

   Um inquérito realizado em Castelo Branco, pela mesma época, revelava uma realidade deprimente; Entre 16000 crianças do ensino primário, 3394 - 21 % -, alimentavam-se mal, 893 - 5,5 % - careciam de uma cirurgia e 512 - 3,2 % - eram retardadas. Porém, a realização do inquérito revelava que havia preocupação com o assunto e que havia um esforço real com a escolaridade da população. (Hoje, 80 anos depois, continua a haver em Portugal crianças com fome. Um inquérito realizado em 2018 na Alemanha concluiu que cerca de 20 % das crianças alemãs eram pobres, apesar dos apoios estatais). Noutro inquérito, realizado também em Castelo Branco, dava conta de agregados familiares atípicos, como o de uma criança que nunca conhecera o pai, cuja mãe desaparecera e que vivia com uma família vizinha - casal com dois filhos. A casa tinha duas divisões e dormiam todos no mesmo quarto, os adultos numa cama e todas as crianças numa tarimba. Mesmo com trabalho, viviam no limiar de pobreza. (Acho espantosa esta solidariedade hoje totalmente inverosímil; abandonam-se as pessoas à intervenção do Estado, que pode, ou não, ocorrer).

   Em 1938, um inglês radicado em Carrazeda de Anciães tinha uma visão curiosa sobre a condição da população local. Reconhecendo que havia pobreza relativamente aos hábitos de consumo da população londrina, que considerava essenciais bens supérfluos, dizia que os trasmontanos se ofenderiam se os considerassem pobres. E, de facto, tinham nas suas quintas tudo o de que necessitavam para o seu dia-a-dia e até para uma emergência. Água canalisada na cozinha não lhes fazia falta. (O comentário que MFM faz a seguir revela o seu empenho em destacar o lado mais negativo da sociedade daquela época: “Caso tivesse assentado arraiais no sul, como Mary McCarthy, teria encontrado gente a reivindicar, não água canalizada, mas uma côdea de pão”).

   Quer no Alentejo, onde predominava a grande propriedade, quer no Douro e Minho, onde a pequena propriedade era o padrão, eram os jornaleiros sem propriedade os mais pobres. Em Figueira de Castelo Rodrigo, em 1943, alimentação diária típica de um jornaleiro consistia em miga de pão de centeio antes de pegar ao trabalho - almoço -, pão seco com uma cebola crua ou queijo ou sardinha ardida ao jantar, e caldo de nabiças sem azeite à ceia. Em Dezembro e Janeiro, a situação piorava devido a falta de trabalho. Segundo o autor do relatório, José Crespo de Carvalho, a jorna de trabalho ia das 9 horas solares ao pôr-do-sol, com uma hora de intervalo ao meio-dia e, na Primavera e Verão, mais meia hora à tarde. O salário diário era de 10$00 e litro e meio litro de vinho para os homens e 5$00 secos para as mulheres. As mancebias eram raras e o analfabetismo situava-se nos 60 %.

   Em 1950, um relatório de Adelino Martins de Almeida sobre Casais do Douro, refere que os proprietários evitavam os trabalhadores locais, que consideravam desleixados e preguiçosos, apesar de miseráveis. Preferiam os trabalhadores beirões, sóbrios, cuidadosos, eficientes e submissos, contratando-os através do rogador. Este contratava os diversos profissionais da lavoura; vindimadores, podadores, apanhadores de azeitona, cavadores, etc. A roga da Quinta das Carvalhas para a vindima, por exemplo, contava com 300 pessoas. A alimentação era deplorável, constando de um caldo mais apropriado a suínos e uma sardinha salgada.

   Américo Gomes Lopes, num relatório de 1951 sobre a freguesia de Vila Nova de Tazem, considera que o nível de vida das populações locais, não sendo dos mais baixos no mundo rural era muito reduzido. O desregramento moral associado ao consumo de vinho era geral. Os trabalhadores recorriam ao vinho para enfrentarem a dureza do trabalho agrícola. Na freguesia havia 11 tabernas. O horário de trabalho era de sol a sol e os salários diários eram de 12 a 15 escudos para os homens e de 6 a 8 escudos para as mulheres. O padrão familiar incluía 3 a 4 filhos e cerca de 1/3 das famílias vivia mal. As mais pobres viviam em casebres de uma só divisão dormindo todos juntos sem cama decente, entre imundice. Aos domingos e dias santos alguns homens refugiavam-se nas tabernas, onde bebericavam e jogavam cartas, apesar de, muitas vezes, a família chorar de fome.

  Na freguesia do Fontelo, Viseu, a situação dos trabalhadores era menos dramática. João da Silva, em 1952, considera que era melhor do que a das populações vizinhas devido ao facto de possuírem alguma terra. Além dos salários, os trabalhadores tinham direito a alimentação. Antes de pegar, ao nascer do sol, havia o mata-bicho, que constava de figos secos e aguardente, às 9 horas, e pelas 1 ou 2 da tarde tinham almoço, o jantar consistia em caldo, sardinha e 2,5 decilitros de vinho.

   Em 1953, um relatório de Adalberto Navarro e Rosa, referia que, na freguesia de Cambres, a alimentação dos jornaleiros variava com a época: ao almoço, sardinha, oferecida pelo patrão, com broa, levada de casa pelo trabalhador; ao jantar, caldo, engrossado com farinha ou com feijão com massa temperada com um fio de azeite, e couves, seguido de uma tijela de arroz com feijão, bacalhau ou tomates. Um luxo tendo em conta o panorama geral.

   No caso de Alfândega da Fé, José Correia Barrigas de Azevedo, em 1955, registava que o trabalhador não vivia mal, era afável e económico, tinha amor à terra, era respeitador e, como ambição, aspirava apenas em deixar alguns bens aos filhos. (Apesar da notória melhoria das condições de vida destes trabalhadores, MFM, implicitamente, considera esta falta de ambição um estímulo negativo para os patrões).

    Em contraste, na freguesia de Beira Grande, em 1954, o regente agrícola Joaquim Ramos Barroso, dava conta do estado de pobreza dos trabalhadores, que nada mais tinham além da roupa que vestiam e que, mesmo os mais desafogados não colhiam alimentos suficientes para todo o ano. Os meses de Verão eram os menos maus. (Mais uma vez, MFM revela o propósito de sublinhar a miséria, ao referir que, em 1938, J. Gibbons, considerara que os trabalhadores da mesma freguesia viviam no paraíso, o que não corresponde à verdade; disse que tinham o essencial para viver sem o consumo supérfluo que se verificava em Londres).

   (Contrariamente à evidência do seu próprio trabalho, MFM, conclui que não havia preocupação com a pobreza por esta ser tradicional, afirmando que Salazar se limitava a manter a condição de pobreza dos trabalhadores e que esta tinha profundas raízes na sociedade. Nem os pobres tinham força para se insurgir, nem o operariado urbano tinha líderes para o fazer. Quanto à pequena burguesia, essa tinha ficado saturada com a turbulência da 1ª República. Só o PCP resistia - desde 1921, data da sua fundação. A verdade, explícita neste livro, é que as greves de Gouveia, do Porto, de Santo Tirso, do Alentejo, da Azambuja e de lisboa demonstraram precisamente o contrário, já para não falar da Revolta da Maria da Fonte. Por outro lado, os mencionados inquéritos nas escolas e os sucessivos relatórios oficiais dos Regentes Agrícolas, mostra que estava em curso a alfabetização do país e um levantamento sistemático da condição social dos trabalhadores. Mas basta consultar as estatísticas da época para constatar a redução da mortalidade infantil, do analfabetismo e o progresso económico, que ocorreu a partir de 1950. Por outro lado, a realidade social em Espanha, Inglaterra, e em toda a europa, na mesma época, não era muito diferente da de Portugal.)

(Cont.)

Fonte: Os Pobres de Maria Filomena Mónica

Peniche, 27 de Junho de 1921

António Barreto



domingo, 27 de junho de 2021

Os Pobres (XI)

 

   Salazar e os pobres

      Salazar considerava que a atribuição de subsídios sem contrapartida desmoralizava as pessoas tornando-as indolentes, comodistas, inúteis, um fardo para a sociedade. Pelo contrário, quando correspondiam a trabalho, mantinham a função natural do indivíduo e enriqueciam o país com a participação em obras de interesse geral. Considerava a mendicidade um vício cuja teatralidade, além de prejudicar o trânsito da cidade (Lisboa), dava a falsa ideia de pobreza geral. A solução que preconizava consistia na severa punição dos falsos mendigos, na devolução às terras de origem dos que não eram de Lisboa e no internamento dos mendigos autênticos nos asilos existentes ou nos que tivessem de ser improvisados para o efeito.

   Em 1933 foi lançada uma campanha contra a mendicidade pelo comandante da PSP em Lisboa. Foram presas mil pessoas. As prisões de Lisboa não eram suficientes para encarcerar tanta gente. Dois anos mais tarde as autoridades limitavam-se a pedir às pessoas para não darem esmola aos pobres. Os pobres de Lisboa, excetuando alguns asilados na Mitra, viviam sem auxílios oficiais. Vagueavam pelas ruas, alimentavam-se com uma sopa da Misericórdia ou do que calhava, e dormiam nos pestilentos albergues do Arco do Cego e da Rua da Betesga, geridos por particulares.

   Os lisboetas viam os pobres com benevolência. Distinguiam-nos entre os honestos, que eram subservientes, e a ralé, que se embebedava. Algumas famílias abastadas tinham os “seus” pobres a quem davam alguma comida e roupas. Alçada Batista fala-nos do ritual desta relação em que os ricos cultivavam a pobreza, “regando-a com bocadinhos de pão com conduto e algumas moedas”. Incluía a “comida dos pobres”, as “visitas dos pobres” e o “dia dos pobres que, por ser azarento, era à 6ª feira. Na Beira Baixa, região de origem de Alçada Batista, pobres e ricos encaixavam na perfeição; aqueles, mansos, cordatos, “ómildes”, respeitadores e obedientes ao senhor e ao Senhor, pretendiam apenas o mínimo para viver o seu dia-a-dia de miséria. Estes aliviavam as consciências, certos de que lhes seriam franqueadas as portas celestiais; cultivavam a pobreza alheia com carinho sem que tentassem acabar com ela. Para os poetas, os pobres constituíam matéria-prima inspiradora.

   Quanto a Salazar, considerava a pobreza uma virtude. Afirmava-se um homem livre por não possuir bens de relevo nem ambicionar riquezas, conformando-se com uma vida modesta. Não carecia de se envolver em tramas, enredos ou solidariedades obscuras. Era, dizia, “tanto quanto se pode ser, um homem livre”. Tinha, pelo menos, a sabedoria de perceber que ninguém é totalmente livre. Que a liberdade absoluta não existe.

   O povo, confinado nas aldeias, além do trabalho árduo e miserável do campo, distraia-se nas procissões, feiras e quermesses. Os grandes beneficiários do novo regime, tal como hoje, foram os funcionários públicos, com salário garantido e respeitados. A falta de contacto com outras realidades, outras experiências, terá sido uma das causas da longevidade do Estado Novo.

   Em Março de 1938 estala uma curiosa discussão sobre analfabetismo em Portugal; em pleno Parlamento houve quem defendesse que o povo, detentor de grande riqueza intuitiva, considerava desnecessário aprender a ler; na Câmara Corporativa, alguns procuradores defendiam que o analfabetismo não era consequência da pobreza, uma vez que havia nações alfabetizadas pobres. Surpreendente era o ponto de vista de uma popular escritora de literatura infantil, Virgínia de Castro e Almeida; dizia que, ao aprender a ler e escrever, as pessoas tornavam-se ambiciosas, querendo ir para as cidades para as profissões de marçanos e caixeiros, aspirando à dignidade de senhores; que acabariam a ler relações de crimes, noções erradas de política, livros maus, folhetos de propaganda subversiva; que largariam a enxada, deixariam de querer saber da terra, dominados pela ambição de aceder ao setor público; as vantagens da escola seriam nulas.

                                                          Salazar e Christine Garnier

Fonte: Maria Filomena Mónica "Os Pobres"

(Cont.)

Peniche, 27 de Junho de 2021

António Barreto

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Nas malhas do regime

 

   Quando no país se levantou um clamor geral de incredulidade e protesto em consequência da aprovação no Parlamento, sem votos contra, da popularmente designada “Lei da Censura” e posterior promulgação presidencial, pensei que iríamos assistir a um novo caso no Benfica. E pensei bem! A 10 de Junho a comunicação social anunciou uma ação judicial contra Filipe Vieira, onde se pede a impugnação do último ato eleitoral do clube e a destituição da atual Direção, movida pelo Dr. Jorge Mattamouros, um associado radicado nos Estados Unidos da América, onde exerce advocacia. Logo de seguida eclode o escândalo das alegadas denúncias da Câmara Municipal de Lisboa à embaixada da Rússia, identificando as pessoas que se manifestaram publicamente contra a prisão de Navalny. De imediato é anunciada a demissão do Presidente da Mesa da Assembleia Geral (PMAG) do clube, Dr. Rui Pereira, ex-ministro da Administração Interna e destacado socialista!

   Acredito que, em ambos os casos, se tenha tratado de meras coincidências. Porém, coincidências do “arco-da-velha”! Pois se é verdade que o Benfica foi vítima da estratégia de propaganda do anterior regime, também é verdade que, no atual, tem sido usado como meio de diversão de escândalos políticos e, por vezes, como instrumento de afirmação da suposta cultura “antissalazarista” de alguns figurões da nossa praça. Coincidências sim, mas que fizeram um jeitão aos envolvidos nos casos referidos, retirando-os da agenda mediática, ou, pelo menos, relativizando a sua importância.

   Analisando as situações referidas ao Benfica, concluo que ambas têm origem na falta de senso com que a Direção do clube lidou com os protestos dos candidatos vencidos no ato eleitoral. O voto eletrónico usado permitiu a cada eleitor conferir, através do respetivo talão impresso, o seu voto antes de o depositar na urna. Tendo sido levantadas dúvidas quanto à transparência do ato eleitoral, deveria ter-se procedido à recontagem imediata dos votos impressos. Ter-se-ia eliminado a contestação e restaurado a confiança e união dos associados.

   Para agravar a situação, quando os contestatários apresentaram ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral do clube (PMAG) as assinaturas que lhes tinha exigido para a realização duma Assembleia Geral Extraordinária, onde pretendiam levar assunto a discussão, depararam-se com inesperadas atitudes dilatórias. As justificações que o Dr. Rui Pereira apresentou para a sua demissão fragilizaram a Direção e adensaram as dúvidas sobre o ato eleitoral, minando a confiança dos associados, adeptos e, eventualmente, patrocinadores.

   Infelizmente, tudo isto ocorreu quando a Comissão de Inquérito da Assembleia da República investigava o caso Novo Banco (NB), onde Filipe Vieira figura entre os designados “grandes devedores”. Apesar de não constar qualquer envolvimento direto do clube, a verdade é que, este acaba por ser arrastado nas “trapalhadas” empresariais do seu Presidente, com risco de erosão da sua reputação.

   Mas as complicações não acabam aqui; perante o que foi veiculado na comunicação social, nasceram ou consolidaram-se uma série de suspeitas que carecem de cabal esclarecimento. Uma delas tem a ver com alegado uso do Benfica como colateral nos negócios entre o Novo Banco e o grupo empresarial de Filipe Vieira; concretamente, terá o NB, em 2017- o ano do falhado “penta” -, exigido ao Benfica a amortização da dívida de 100 ME como contrapartida pela reestruturação da dívida e refinanciamento das empresas do Presidente do clube? Terá este fator inviabilizado o reforço do plantel e contribuído para o insucesso desportivo que se verificou?

   Por outro lado, Já sabíamos que o Sporting Clube de Portugal tinha beneficiado dos famosos VMOC - Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis - alegadamente, por parte do NB e do BCP - e de vários perdões de dívida. O que não sabíamos e ficou claro na CI era que as empresas de Filipe Vieira também tinham beneficiado de financiamento idêntico! Ficámos assim esclarecidos da causa da ausência de protestos por parte do Benfica relativamente às facilidades bancárias ao rival, que configuram concorrência desleal. Será que as exigências foram mais profundas, chegando a impor uma desaceleração desportiva do clube para permitir o refinanciamento dos rivais mercê de melhores resultados desportivos?

   Para agravar ainda mais a corrosão provocada pela dúvida, ficámos igualmente a saber, em sede da CI, que Filipe Vieira entrou no Benfica por influência do BES, banco que tinha assento no Conselho de Administração da S.A.D., tal como Joaquim Oliveira! Banco este que, juntamente com o BCP, tinha congelado as contas do clube no tempo da Direção de Vale e Azevedo, atirando-o para a iminência da insolvência!

   Aqui chegados, ponderando a escassez de títulos da equipa sénior de futebol no Campeonato Nacional, o total descalabro nas competições internacionais, onde se tornou irrelevante, o proclamado projeto de “refundação do clube” em curso e o quase abandono do espaço público e institucional na defesa do clube, têm os associados todas as razões para se perguntarem o que motiva Filipe Vieira; se os interesses do Benfica, se os dos bancos, se os seus, se os dos rivais.

   Afinal, se o B.ES. era o banco do sistema e se Filipe Vieira era o “homem do B.E.S., então Filipe Vieira é o homem do sistema. E o sistema não quer um Benfica forte como foi no passado. Quer um Benfica mais pequeno, conformado, resignado, submisso, encomiástico. O sistema, por caminhos esconsos, quer fazer do Benfica um exemplo do sucesso do regime “democrático”, a demonstração da antítese do salazarismo.

   Tal como no passado, o Benfica continua a ser vítima de manipulação política.

Helena Roque Gameiro (1895-1986) - Casal (1921, Museu Grão Vasco)


Peniche, 21 de Junho de 2021

António Barreto