Desporto

sábado, 6 de janeiro de 2018

Hara Kiri


    Paradoxalmente, com o explícito objetivo de conquistar o quinto campeonato consecutivo, o Benfica parece ter cometido "suicídio" desportivo graças a desastrosas e sucessivas medidas de gestão, abrindo o caminho do título aos adversários. A saída de quatro jogadores invulgares,  fragilizou os respetivos setores abalando a confiança dos restantes, inseguros da valia da nova formação. As alternativas às saídas não corresponderam em nível idêntico, tendo diminuído as capacidades defensiva e ofensiva, desequilibrando a balança da competitividade em favor dos adversários. Com efeito, Ederson é único, se não o é já, em breve será o melhor guarda-redes do mundo. Um caso raro, com grande impacto na equipa., direto, pelas defesas "impossíveis" e assistências, e implícito, pela confiança que gerava nos colegas . Nelson Semedo é um defesa direito de topo, rápido e criativo, jogador de área a área, defende bem e ataca melhor, destemido nos duelos, acede à linha de fundo facilmente, assistindo, ou flete para dentro assistindo ou finalizando. Lindeloff ,sem alardear grande excelência técnica, garantia com Luisão, percebe-se agora, o quase perfeito sincronismo do eixo defensivo, imbatível no jogo aéreo. Mitroglou é um tipo de jogador raro, conjugando como poucos a robustez atlética com a apurada técnica, pelo chão e pelo ar, a que acrescenta excelente leitura de jogo ofensivo. Um jogador letal que muito contribuiu para a conquista do título da época anterior.
 
   A equipa ressentiu-se e só agora, após o dérby maior, começa a recompor-se. Dos substitutos, só Ruben Dias parece ter capacidade de fazer esquecer o antecessor; apesar de alguma imaturidade é portador da "mística" adquirida nos longos anos de formação, revelando robustez física, mental e capacidade de liderança. Será o futuro Capitão. O bravo André Almeida, generoso, abnegado, lutador, precioso, carece da criatividade do seu antecedente, decaindo o poder ofensivo da ala direita, sobrecarregando Sálvio, retirando-lhe impetuosidade e criatividade. Varela é um bom guarda-redes, mas aquém da valia do antecessor e das necessidades da equipa, revelando falta de oportunidade nas saídas e de qualidade na execução das manchas. Quanto à saída de Mitroglou, foi compensada com o robustecimento do meio-campo, privilegiando um 4-3-3, de que resultou maior equilíbrio na luta do meio-campo, mas menor capacidade de finalização, com a movimentação de Jonas coartada e este mais vulnerável à marcação.

   Julgo que Raul Jimenez poderá fazer de Mitroglou. Tem todas as condições para tal. Seferovic também. Ambos carecem de trabalho específico e o tempo escasseia. Tal opção, remete a equipa para o 4-4-2/4-2-4, induzindo vulnerabilidade no meio-campo face ao 4-3-3. Conseguir o dois em um é o segredo. Tal poderá ser conseguido selecionando corretamente o perfil dos segundo e terceiro médios. Pizzi e Krovinovik parece terem características adequadas; são inteligentes, tecnicamente evoluídos e lutadores. É uma questão de dinâmica e esta resulta do treino, das ideias do treinador e da sua capacidade de as fazer aplicar. Dinâmica e sincronismo têm constituído um dos maiores handicaps da equipa, que só episodicamente ostenta. Concentração tática e resistência mental coletiva, são atributos episódicos no jogo.

   Por tudo isto, para defender o título, julgo ser necessário, ao Benfica, ir ao mercado por um guarda-redes e um defesa direito. Pelo menos. Noto que ainda há défice de cruzamentos da ala esquerda; há talento, mas, ainda, algo incompleto. Cervi é tremendo lutador e forte nos duelos com bola, mas vulnerável ao choque. Zivkovik tem qualidades semelhantes, completando com maior robustez física e melhor meia distância. Nenhum deles parece ter, ainda, "agarrado" o lugar.

   Quando há interesse real de grandes clubes por um jogador, casos de Ederson, Nelson e Lindelof, a saída é inevitável. Mas, neste caso, falhou o planeamento por ter relativizado a importância do impacto destas saídas. Por displicência, creio. Também por contingências financeiras, estou certo. Mitroglou, porém, podia e devia ter ficado. Não queria sair e ainda não tem substituto à altura. Nem terá, tão cedo. Há duas formas de ganhar dinheiro; já, sacrificando o futuro, ou mais tarde ganhando mais. A opção depende da "almofada" disponível. Neste caso, parece ter havido falta dela. Mas...também se tem verificado falta de critério na aquisição de jogadores sem préstimo consolidando a tese da displicência. E, onde há displicência há decadência.

   Displicente foi também o planeamento da pré-época, vexatória para o clube em termos competitivos e sem eficácia na constituição do quadro de jogadores.

   Os sinais estão todos aí; as vitórias não acontecem por acaso, antes, como resultado da união, argúcia e tenacidade.

   Entregar o "ouro ao bandido", nunca! 

(Diego Rivera - Retrato de Julieta, 1945)

António Barreto JR

Still Fighting

      A equipa do Sporting chegou ao derby de quarta-feira passada, confiante; o primeiro lugar Ex aequo e três pontos à frente do rival, garante-lhe, na pior hipótese, a paridade, com maior ou menor dificuldade a equipa vai ganhando os jogos internos, a campanha europeia tem sido moralizadora, o modelo de jogo parece consolidado e validado. Fora das quatro linhas, uma atividade frenética da "estrutura" ameaça abalar o grande rival, o dinheiro parece jorrar a rodos...o sonho parece possível.
 
   Pelo contrário, a equipa do Benfica apresenta-se ansiosa, instável, consequência de uma campanha  irregular, desastrosa na europa e frágil nas provas internas das quais só o campeonato resta. Algo já previsível nos testes da pré-época após a severa decapitação do plantel. Os três pontos do topo da tabela, contudo, alimentam uma discreta esperança na vitória.
 
   Estas circunstâncias refletiram-se na postura das equipas; a do Sporting, tranquila, concentrada, disciplinada, coesa, expectante. A do Benfica, nervosa, sôfrega, algo dispersa e moderadamente intensa. O golo madrugador dos verde-brancos resulta da conjugação daquelas dinâmicas; avançados do Sporting concentrados no posicionamento e no passe e defesas do Benfica desatentos no alívio e na marcação.  Com efeito, o corte de Ruben Dias enviou a bola direitinha para os pés do adversário, revelando insuficiente leitura do lance. Este, manteve a serenidade ante a hesitação dos dois defesas encarnados, efetuando o passe "redondo" para o colega que, rematando, beneficiou de uma "carambola" que conduziu o esférico, em balão, para a frente da baliza, onde apareceu Gelson a finalizar de cabeça, em velocidade e sem oposição, surpreendendo os defesas, ocupados exclusivamente em seguir o esférico, e o guarda-redes, que nada podia fazer. Portanto, neste lance; concentração tática, serenidade e sorte do lado dos verde-brancos e imaturidade e deficiência tática do lado dos encarnados.  
 
   O avanço no marcador reforçou a confiança da equipa do Sporting, que construíu nova oportunidade ainda por Gelson, e constituiu um incentivo para os jogadores do Benfica aumentarem a intensidade e profundidade de jogo. Sucediam-se os lances ofensivos dos encarnados, algo inconsequentes; atabalhoada definição das movimentações e passes associada ao superpovoamento defensivo, resultavam em remates frouxos, precipitados e mal direcionados. Ainda na primeira parte, ficou na retina o tremendo petardo na trave a remate de Krovinovik, com Patrício inapelavelmente batido. Melhor sorte neste lance poderia ter catapultado os encarnados para exibição de gala.
 
   Não desfaleceram estes, mantendo-se o padrão de jogo, com os verde-brancos a apostar no contra-ataque. As entradas de Raul Jimenez, Rafa e João Carvalho, trouxeram mais velocidade e versatilidade ao ataque benfiquista onde Jonas, até então, batalhava desamparado. Finalmente os sportinguistas defendiam como podiam, esvaindo-se a tal serenidade que até então ostentaram. Finalmente o Juiz da partida vislumbra o lance que permitiria pôr justiça no marcador, para desespero dos verde-brancos.
 
   Jogo marcado por decisões polémicas e capitais da equipa de arbitragem e do vídeo-árbitro, todas em prejuízo da equipa do Benfica, ficando demonstrado que nenhuma tecnologia servirá ante a promiscuidade e fragilidade das instituições.
 
   O futuro dirá quem saiu melhor deste jogo; o Sporting manteve a distância do mais temido rival, mas perdeu posição para o rival nortenho e foi alvo de golpe psicológico negativo; O Benfica perdeu posição para o líder mas não deixou fugir o "eterno" e ostensivo rival, mantendo-se na luta pelo título. A boa exibição dos encarnados pode ter um efeito motivador nos jogadores e, com alguns acertos, no plantel e na tática, catapultá-los para uma segunda volta mais frutuosa, quem sabe, vitoriosa.
 
   Na conferência de imprensa, Rui Vitória manteve o seu discurso "redondo", sonolento, embora, desta vez, com alguma assertividade relativamente à apreciação da componente arbitral. Já Jorge Jesus exibiu a prosápia dos fanfarrões afirmando-se seguro da superioridade da sua equipa e denunciando-se pela desvalorização e omissão de fatos relevantes.
 
   Neste jogo ficou demonstrada a vulnerabilidade das instituições desportivas, e não só, que parece ter uma agenda para o campeonato, como já se verificou noutras modalidades, como a do hóquei em patins na época anterior.