Desporto

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Paok-Benfica (0-1)

Um jogo muito bem controlado pelo Benfica que se apresentou com vários atletas menos utilizados - Artur, Jardel, Sílvio, André Gomes, Sulejmani e Djuricic - e que marcou o tão desejado regresso de Sálvio à equipa. Foi uma equipa personalizada, ostentando uma serenidade característica do amadurecimento de processos coletivos e da consciência da sua eficácia.  Foi, assim, com segurança e paciência que a equipa do Benfica manietou a do Paok, esperando o momento certo para matar o jogo, que aconteceu já na segunda parte num fuzilamento de Lima, na sequência de uma bonita e eficaz assistência de peito de Djuricic a passe de Enzo. Um daqueles lances que o público de todo o mundo sempre espera do Benfica. Markovic teria marcado se tivesse imprimido um pouco mais de velocidade à bola, naquele lance em que, em posição frontal, proporcionou vistosa defesa ao guarda-redes adversário quando a bola, numa bela trajetória, se dirigia ao ângulo superior esquerdo.
 
O Paok mostrou uma equipa arrumadinha, conhecedora dos princípios do jogo, ocupando bem o terreno, muito preocupada em fechar o seu meio-campo sempre que o Benfica tinha a posse da bola, procurando soltar-se ofensivamente, chegando a incomodar Artur uma ou duas vezes, quando o Benfica, na ponta final do jogo, recuou excessivamente no terreno. Individualmente, os encarnados também foram superiores, ganhando habitualmente nos lances de um para um.
 
Deu-se um passo importante rumo à eliminatória seguinte, não sendo conveniente facilitar no jogo da segunda mão; apesar deste adversário não se revelar especialmente perigoso, há dias maus.
 
Nada tenho a dizer quanto à arbitragem, que ajuizou bem alguns lances em que os "artistas" gregos tentaram "cavar" grandes penalidades deixando-se cair na área. Convém não esquecer que pode sempre aparecer algum proença ou similar.

"Memórias de um PS desconhecido" de Rui Mateus

Inesperadamente, numa visita descontraída a uma feira de Artesanato na Figueira da Foz, entre várias inutilidades à venda numa tenda de uma associação de solidariedade, deparei-me com um exemplar do célebre livro de Rui Mateus, cujos trinta mil exemplares da primeira edição desapareceram sem deixar rasto, sem que, apesar disso, se tenha feito nova edição. Paguei 3,5 euros!, nem queria acreditar. Marinho Pinto afirmara recentemente não haver um único exemplar no mercado, a ponto de, gracejando, ter oferecido um doce a quem encontrasse um que fosse. O livro parecia intacto. Acabei de o ler.
 
Rui Mateus, oriundo da média burguesia da Covilhã, exilou-se cedo na Suécia onde se licenciou e casou, depois de ter passado pelos Estados Unidos onde frequentou um colégio de referência, ao abrigo de uma bolsa de estudos. A guerra do Vietname constituiu razão suficiente para recusar a permanência naquele país, optando então pela Inglaterra e depois Suécia onde viveu e se integrou social e profissionalmente longos anos. Fundou na Inglaterra o primeiro núcleo do, à época, insignificante Partido Socialista, repetindo o feito posteriormente, na Suécia. Neste partido, destacou-se enquanto dirigente do departamento de relações internacionais, área da sua formação, promovendo e dinamizando a realização de múltiplos eventos de natureza política ao mais alto nível, decisivos para a expansão internacional daquele partido, destacando-se o seu contributo para a integração deste, então, ainda Acção Socialista Portuguesa, na Internacional Socialista, organização que viria a dispor de enorme poder no contexto mundial. Toda a obra mostra uma pessoa politicamente convicta e leal ao partido e respetivo líder, Mário Soares, até ao célebre caso despoletado pelo "Fax de Macau", pelo qual viria a ser condenado a quatro anos de prisão por alegada participação num plano de corrupção do então Governador de Macau, Carlos Melancia, razão primeira da obra em causa.
 
Segundo Mateus, teria sido implementado um esquema de financiamento do Partido Socialista e suas fundações através de Macau, via Emáudio, empresa dirigida por conhecidos socialistas, proveniente de entidades que assim procurariam suscitar a "boa vontade" por parte das autoridades macaenses relativamente à adjudicação de várias obras, nomeadamente a do aeroporto de Macau e outras. Uma destas empresas "benfeitoras" a Wiedleplan, sentindo-se defraudada, terá exigido a devolução dos donativos via fax, entretanto intercetado e enviado pelo próprio Rui Mateus à imprensa, despoletando todo o imbróglio conhecido. Mateus, juntamente com outros fundadores do partido, teriam sido os bodes expiatórios do processo, a fim de despistar eventuais ligações ao diretório do Partido Socialista e a Mário Soares, à época, Presidente da República.
 
O que aqui me choca é a descrição que faz do funcionamento da justiça, nomeadamente do Ministério Público e dos Tribunais, neste caso. Chocam-me as denúncias de atitude persecutória que atribui ao Procurador Geral Adjunto Rodrigues Maximiano, por quem tenho extrema admiração, a parcialidade alegadamente demonstrada na separação dos processos permitindo desfechos opostos em Tribunais diferentes perante a mesma matéria de facto, as mesmas provas e as mesmas testemunhas demonstrando a discricionariedade dos juízes na pronúncia das sentenças que, segundo Mateus, neste caso, nem se dignaram em fundamentar, alegadamente, compelidos por vínculos ideológicos. Esta é, aliás, uma acusação frequente aos Tribunais e aos Juízes, nomeadamente por Marinho Pinto, que nos deixa aterrados e a suspeitar de que, o Direito, um dos pilares civilizacionais das sociedades modernas, não passa afinal, de retórica, tendo regredido à prática das sociedades primitivas, onde apenas os sábios e os feiticeiros conheciam a verdade a que todos tinham que obedecer.
 
Ler esta obra é também mergulhar profundamente nas turvas águas partidárias onde se desenrolam permanentemente lutas internas muitas vezes sórdidas, onde se destroem solidariedades que pareciam eternas, onde o interesse individual, muitas vezes, sobreleva o do partido e do País, afinal, causa primeira da fundação daquele. Aqui se pode constatar aquela que constitui uma das maiores chagas dos regimes democráticos a que muitos atribuem a principal origem da corrupção; a insaciável necessidade de financiamento partidário que acaba por tornar os partidos, ainda que, às vezes, subtilmente, reféns dos seus financiadores. Mostra a tremenda importância que os países nórdicos tiveram  - têm - no rumo político de Portugal e no mundo, através dos abastados e contínuos programas de financiamento dos "movimentos de libertação" das colónias e dos partidos da oposição, em especial, do Partido socialista. Mas não só; nunca me passaria pela cabeça que este partido pudesse ter sido financiado por Kadhafi e por Sadam Hussein!, percebo agora porque um dia, disse Mário Soares; "o terrorismo tem causas"!, mas também os Estados unidos o financiaram bravamente através de mecanismos vários, envolvendo a CIA! Ficamos aqui a saber que a União Soviética financiava o Partido Comunista com dez milhões de dólares por ano permitindo-lhe manter uma estrutura de duzentos funcionários deixando uma herança ainda hoje bem viva, que tanto tem contribuído para a instabilidade política em Portugal.
 
Rui Mateus destapa o véu dos mecanismos de financiamento partidário internacionais - fundações e quejandos - com que os grandes blocos económicos controlam as economias dos países, conduzindo-nos a refletir acerca do conceito de Liberdade comummente atribuído aos regimes democráticos. Como pode considerar-se livre um país onde os seus principais agentes políticos obedecem aos seus financiadores sob pena de soçobrarem politicamente?, livre é aquele país no qual os seus governantes  agem exclusivamente na defesa do interesse nacional e do bem comum, graças à independência financeira, ainda que conseguida com alguma dor. É assim que, afinal, o "orgulhosamente sós" pode ser, paradoxalmente, sintoma de liberdade.
 
Claro que o visado central desta obra é Mário Soares, emergindo aqui, para mim sem surpresa, com um perfil profundamente egocêntrico e prepotente, subordinando tudo e todos ao seu exacerbado desejo de notoriedade, incluindo o seu partido e o próprio país, de cujo primeiro governo constitucional, reconheceu ter sido um mau primeiro-ministro.
 
Não sei o que faz hoje Rui Mateus; imagino-o a dar aulas na "sua" Suécia ou nos Estados Unidos. Um homem amargurado, desiludido e revoltado, que me pareceu honesto ao longo de toda a obra, aliás, escrita num estilo muito leve e interessante.
 
Uma obra que muito contribui para o descrédito do sistema partidário hoje profundamente abalado, necessitando de soluções que aproximem o cidadão dos líderes políticos e os mantenham focados na persecução do bem comum e da tão famigerada e permanentemente ludibriada igualdade de oportunidades.