Desporto

terça-feira, 2 de março de 2021

Os Portugueses (Barry Hatton)

 Sobre o Fado:

“ (…) Mas o fado transporta consigo uma riqueza de carga cultural, com as suas histórias de má sorte, oferecendo, de muitas formas, um vislumbre revelador da alma portuguesa. O país e a sua música tradicional de há séculos estão mesmo hoje ligados de forma tão íntima, que é difícil apreciar um sem compreender a outra. O fado narra a vida através de um prisma português é uma celebração da “portugalidade”, a essência destilada de um país, tão português como as sardinhas assadas e um jarro de sangria doce no final de um escaldante dia de verão. (…)

(…) Apesar de ser decerto melancólico e lacrimejante, o fado não é acerca da resignação. Há nele um arrebatamento consentido. É acerca da coragem, de uma celebração da vida, apesar dos obstáculos, acerca da fé. A paixão da vida espreita nas suas entranhas. É um lamento alegre. É isso que nos arrepia a pele, mesmo que não consigamos compreender as palavras. Os cantores do fado poderão chorar a sua desgraça, mas não desistem, nem nunca desistirão. (…)

(…) O lar do fado reside nos pequenos e humildes locais da capital, onde o vinho carrascão é servido de barris alinhados contra a parede, por detrás do balcão, por um taberneiro que não diz “faz favor” nem “obrigado”.

(…) O fado, ao que parece, começou precisamente neste tipo de local. Diz-se que cresceu a partir dos rudes bairros vizinhos dos cais de Lisboa no início do século XIX. As melodias são das docas e diz-se que algumas prostitutas eram também fadistas admiradas. Porém, as raízes vão mais fundo, estendendo-se talvez ao longo dos séculos. Os veleiros ancorados no rio Tejo traziam de regresso a casa os navegadores portugueses, muitos dos quais percorriam as rotas atlânticas entre África e Brasil. As suas histórias cantadas e lamentos cristalizaram num estilo que se inspirava nas músicas que ouviam nas suas viagens. O fado destilou também os traços musicais trazidos pelos marinheiros estrangeiros que passavam por Lisboa e que entoavam uma melodia para se entreterem numa taberna local. Todas essas influências juntas tornaram o fado único. Há vestígios dos cantos dos escravos africanos, dos ritmos brasileiros, de músicas populares portuguesas, bem como de outros elementos europeus e até árabes. (…)

(….) Apesar de todas as tentativas de modernização, as doridas crónicas de um povo oprimido continuam a ressoar nas letras nostálgicas das velhas canções do fado. Os portugueses, por vezes, parecem deleitar-se com a sua adorada tristeza. Será de notar, porém, que os fadistas sorriem muitas vezes quando relatam as suas sombrias narrativas. É como se estivessem felizes por estarem tristes. (….)”

   O taxista abanava a cabeça ao ver as intermináveis obras responsáveis pelos intermináveis engarrafamentos naquela zona de Lisboa. “Portugal é tão triste”. Lamentou-se ao passageiro do banco de trás. Depois, num largo sorriso, olhando-o pelo retrovisor exclamou: “Por isso é que eu gosto dele.”


Peniche, 01 de Março de 2021

António Barreto