Desporto

sábado, 24 de abril de 2021

O caso de Moçambique: Da falta de vergonha ou de coragem

 


   O novo Estado de Moçambique foi configurado segundo o modelo marxista soviético, na mais pura tradição das democracias populares. Assim o determinou o Comité Central da Frelimo, que se constituíra como a suprema autoridade da nação. Uma minoria impôs a sua vontade a nove milhões de pessoas sem um esboço de legitimação democrática. O acordo Samora Machel-Melo Antunes tinha deixado em aberto a possibilidade deste desfecho.

   Vasco Gonçalves, que presidira à Comissão Diretora do MFA quando foi elaborado o seu programa, traiu-o, quando, enquanto Primeiro-Ministro de Portugal presente na cerimónia da independência, classificou, comovidamente, como honrosa libertação de um povo, o que não passava de um processo neocolonial. Ao rebaixar-se, pedindo servilmente perdão, quando abundavam motivos de orgulho, desonrou a farda que vestira sem convicção. Paradoxalmente, saíram de Samora Machel as palavras de enaltecimento dos que tinham sabido bater-se e de desprezo pelos covardes. O guerrilheiro, ainda com memória dos seus tempos de combatente, corrigiu o “general”. A persistente doutrinação marxista que o envolvia acabou por converter aquela em servo dos novos senhores.

   Ato contínuo iniciaram-se, sem qualquer discriminação, as perseguições aos dissidentes ou, simplesmente, intelectualmente autónomos. Médicos, advogados, engenheiros e professores fugiram como puderam, deixando um vazio de que a população seria vítima. Sucederam-se as prisões arbitrárias; as vítimas, transportadas em camiões de gado, foram tratadas brutalmente nos campos de trabalho. Descoberta acidentalmente a infâmia, esta foi abafada nos meios de comunicação social portugueses e internacionais. Estes, que denunciaram os excessos da PIDE, calaram-se perante as incomparáveis monstruosidades cometidas pela SNASP (Serviço Nacional de Segurança Popular).

   Igualmente perseguidas foram todas as confissões religiosas. Os islâmicos, habituados à cordialidade da administração portuguesa, na pessoa de Baltasar Rebelo de Sousa, foram desrespeitados por Samora Machel, no templo da Ilha de Moçambique, por se recusarem a aderir à ideologia marxista. Cristãos ortodoxos foram também perseguidos, obrigados a fugir de templos, escolas e hospitais, sob ameaça das armas dos milicianos da Frelimo. A maior chacina ocorreu entre os cerca de 40 mil Testemunhas de Jeová, refugiados junto à fronteira de Moçambique, na sequência da perseguição que lhes era movida pelos países vizinhos. Acolhidos pela administração portuguesa que, conjuntamente com o Malawi, lhes prestava assistência, foram obrigados, pela Frelimo, a cruzar a fronteira para caírem nas mãos dos seus perseguidores. Cerca de 3 mil foram assassinados sumariamente a tiro, à baioneta ou à pancada. A Igreja Católica também não escapou à fúria frelimista, sendo acusada de reacionária. Quis-se separar a Igreja de Moçambique do Vaticano e até de alteração da liturgia. O bispo de Nampula, ativo frelimista do tempo colonial, foi impedido de pregar na Catedral e proibido de sair do Paço episcopal.

   Os bispos moçambicanos, que sempre encontraram fórmulas de criticar as autoridades portuguesas e de as afrontar nos seus relatórios para Roma, remeteram-se ao silêncio envergonhado. Os missionários espanhóis, defensores entusiastas do seu povo cristão, desta vez mantiveram-se calados. D. Eurico de Noronha, respeitado bispo de Vila Cabral - depois de Sá da Bandeira -, que se oferecera para advogado dos padres marxistas do Macuti, não fez ouvir a sua voz.

   E quanto à Igreja Católica, porque se calou? Porque desapareceu a coragem do Núncio Apostólico de Lisboa, sempre lesto a denunciar as prepotências portuguesas? Porque se calou o padre Hastings, que denunciara do massacre de Wiryamu ao The Times londrino, perante os comprovados genocídios ainda mais graves, que se cometeram em Moçambique no processo da independência?

   Quanto a D. António Ferreira Gomes, o célebre Bispo do Porto, fértil no apoio às acusações contra a guerra colonial, porque não se lhe ouviu uma palavra de caridade para com os cristãos vítimas da mais violenta perseguição dos tempos modernos? Onde estiveram as cartas pastorais e as homilias versando “Paz e Justiça”?

   Houve em tudo isto um silêncio cúmplice e uma vergonhosa falta de coragem, com exceção reconfortante do Arcebispo de Braga, Primaz das Espanhas, que, de acordo com a sua ímpar personalidade, disse o que havia a dizer.


Fonte: “Moçambique Terra Queimada” (Jorge Jardim)

Peniche, 24 de Abril de 2021

António Barreto

quarta-feira, 14 de abril de 2021

O Fogueiro Fadista

 O pesado silêncio do quarto noturno era apenas quebrado pelo surdo rumor da combustão das caldeiras. Frente a cada uma, os três fogueiros, imóveis, fixavam o olhar, ora nos visores de nível de água, ora nos manómetros, assegurando-se de que se mantinham no regime de trabalho: visor a meio e pressão a 42 bar.


O Vítor d’Alfama, ainda jovem, de serviço à caldeira de bombordo e sempre a cantarolar, destacava-se pelo aprumo e penteado, donde sobressaía uma brilhante, volumosa e perfeita popa.

De pé, junto à escrivaninha, em silêncio, imerso nos pensamentos próprios dum jovem de 19 anos, cabia-me supervisionar o grupo, atento a tudo.

Do seu canto, perguntou o Vítor: “Oh “sou” terceiro, conhece o fado das duas fotografias?” “Não”, respondi, a pensar no que iria sair dali. “É um fado muito bonito! Gosto muito deste fado!" Posso cantá-lo?”. “Pode." Respondi, percebendo a compulsão da saudade que o atingia, enfiado num caixote de aço e perante os cerca de dois meses de viagem que tinhamos pela frente.

Então, O Vítor d’Alfama virou-se para a caldeira, aquele mostrengo cinzento a roncar, como se estivesse perante uma sala de espetáculos cheia de gente, respirou fundo e começou a cantar, a plenos pulmões e a preceito, o fado das duas fotografias,

“No meu pequenino quarto
Há duas fotografias,
De mirá-las não me farto
É com elas que eu reparto tristezas e alegrias.
De mirá-las não me farto,
É com elas que reparto, tristezas e alegrias.

Há dias fui-me deitar,
E tive a impressão que ouvi,
As duas p’ra mim falar
Dizendo vai descansar
Que nós velamos por ti.
As duas p’ra mim falar,
Dizendo vai descansar,
Que nós velamos por ti,

De manhã quando acordei
Sorridente e satisfeito,
Para as duas fotos olhei
Falei, os bons dias dei,
Aos guardiões do meu leito.
Para as duas fotos olhei
Falei, os bons dias dei,
Aos guardiões do meu leito.

Decerto as duas trocaram,
Um sorrisinho contente,
Eu saí elas ficaram
E como sempre esperaram
Que eu voltasse novamente.
Eu saí elas ficaram
E como sempre esperaram
Que eu voltasse novamente.

São fotos são fantasias,
Há quem diga mas porém,
Não me afetam ironias,
Pois essas fotografias,
São meu pai e minha mãe,
Não me afetam ironias,
Pois essas fotografias,
São meu pai e minha mãe!”

Calou-se o Vítor, voltando a fazer-se ouvir o surdo roncar das caldeiras, entrecortado por breves aplausos da escassa assistência.

Já no camarote, apesar de achar o tema algo lamechas, lá fui esgravatar na viola, que comprara precisamente em Alfama, mesmo frente ao Limoeiro, a ver se tirava os respetivos acordes, algo que não me saiu lá muito bem às primeiras tentativas.

O Vítor d’Alfama sofria do mal dos marinheiros. Sofria de saudade.

(Episódio passado no Infante Dom Henrique, lá pelos idos de 1971)


Peniche, 14 de Abril de 2021
António Barreto

terça-feira, 13 de abril de 2021

Os Pobres (X)

    A República

   A narrativa política dominante atual refere a 1ª República como paradigma da democracia e da promoção do progresso económico e social, interrompida pelo pronunciamento militar do 28 de Maio de 1926 o qual, em 1933, daria lugar ao autocrático, conservador e semi-clerical “Estado Novo” salazarista. Contudo, a realidade é bastante diversa. No caso português, a expressão “ética republicana” está destituída do conteúdo que lhe atribui quem a profere.

   O regime inaugurado em 5 de Outubro de 1910 preocupou-se mais em consolidar o seu poder do que com a assistência aos pobres, doentes e mendigos. Identificando a Igreja Católica como seu principal inimigo, pela formação moral das populações através dos serviços religiosos e das escolas a seu cargo e pela assistência solidária às populações, a República tratou de lhe restringir os movimentos chamando a si as tarefas assistenciais e de educação. Uma nova moral, a moral republicana, centrada na promoção do racionalismo e do nacionalismo, tinha de ser imposta contra a superstição, a submissão e a hipocrisia. Fiéis seguidores de Robespierre, os republicanos assumiam a sua doutrina, expressa em 1874, segundo a qual “só a Pátria tinha o direito de educar os seus filhos”. A nova ordem dispensava os padres. Estes foram acusados de vagabundagem quando pediam nas ruas, de obstrução da via pública quando organizavam procissões e de danos à saúde pública quando mandavam tocar os sinos das igrejas.

   As iniciativas de apoio social do Antigo Regime revelaram-se inúteis e consistiram na criação do Conselho Geral de Beneficência em 1835, com o objetivo principal de reprimir a mendicidade, e, em 1901, da Repartição de Beneficência e do Conselho Superior de Beneficência Pública.

   Instaurada a República, uma lei de 1911 tratava de enviar os pobres para as suas aldeias a fim de ocupar os menores nos trabalhos agrícolas. Em Lisboa foi criada, no âmbito das paróquias, a “Obra dos 10” segundo a qual cada dez pessoas deviam sustentar um pobre. Em 1919 malograram-se as tentativas de criação de seguros obrigatórios na doença, nos acidentes de trabalho e nas pensões de invalidez, velhice e sobrevivência.

   Uma vez no poder os republicanos rapidamente esqueceram princípios e promessas. A agitação social não tardou. Em Novembro de 1910 os operários da Carris - de administração britânica - entraram em greve. Respondeu o Governo impondo restrições à lei da greve. Solidarizaram-se os ferroviários com os grevistas, paralisando os comboios em Janeiro de 1911. Alarmado com as proporções do protesto, recorreu o Governo às Forças Armadas, mandando prender dezenas de operários. Nas ruas, a multidão em protesto empunhava cartazes com os dizeres “Viva a Liberdade” e “Abaixo os Jesuítas”.

   Sem soluções para os graves problemas económicos e sociais do país, o Governo republicano, temendo perder o poder acabado de “conquistar” pela violência, publicou, em Março de 1911, nova lei eleitoral, reduzindo o corpo de eleitores a cerca de metade do que resultara do sufrágio universal instituído em 1878 por Fontes Pereira de Melo. Enquanto isso, decorria a greve dos operários das conserveiras de Setúbal, que eclodira em Fevereiro e duraria até Abril de 1911. A famosa “ética republicana” não coibiu o Governo de assassinar um operário e uma operária às mãos da G.N.R. Em Agosto do mesmo ano foi a vez dos operários têxteis reivindicarem 8 horas de trabalho, uniformidade salarial e garantia de emprego, manifestando-se, ingloriamente, frente a São Bento.

   Entretanto, no Alentejo, vinham ocorrendo focos de agitação social, em Outubro de 1910 e fins de Janeiro de 1911. Totalmente dependentes do incerto e misero trabalho sazonal nos grandes latifúndios, os proletários rurais viviam da mendicidade o resto do tempo. Sobre eles, Cesário Verde escreveu no seu poema “Provincianas”: “Tal como existem mercados/Ou feiras, semanalmente/ Para comprarmos os gados/ Assim há praças de gente/ Pelos domingos calados”. Desiludidos com a ausência de resultados do novo regime, na sequência de um inverno excecionalmente frio e chuvoso que fizera aumentar o número de desempregados, os assalariados rurais revoltaram-se concentrando-se, entre 10 a 20 mil, nos campos em redor de Évora. Sapateiros, pedreiros, carpinteiros e corticeiros locais juntaram-se aos revoltosos. Desorientadas, as autoridades atribuíram o motim aos monárquicos e cercaram a cidade. Em 24 de Janeiro, num conflito com os grevistas, a G.N.R mata um trabalhador, fere seis e prende oitenta. Foi encerrada a Associação de Classe dos Trabalhadores Rurais de Évora, assaltada a Federação Anarcossindicalista de Lisboa e presos dezenas de operários.

   A 29 de Janeiro de 1912, os operários de Lisboa solidarizaram-se com os trabalhadores rurais de Évora, paralisando todos os meios de transporte exceto o caminho-de-ferro. Fábricas e oficinas da capital aderem estabelecendo a anarquia na cidade. A 30 de Janeiro o Governo decreta o Estado de Sítio, assalta a sede da Casa Sindical na Calçada do Combro e prende 584 operários, levando-os para os navios de guerra “D. Fernando”, “Pêro de Alenquer” e “5 de Outubro”. No dia seguinte, o Governo completa a tarefa prendendo militantes em rusgas, e trabalhadores nas suas casas, ascendendo a 700 o total de detenções. Muitos foram transferidos para os fortes de Sacavém, de Monsanto e do Alto do Duque, ficando alguns no navio “ Pêro de Alenquer”. Todos seriam julgados em Tribunal Militar, por decisão do Governo. Estima-se que em meados de 1912, o número de presos políticos fosse 2382, a maioria dos quais operários.

   Fracassada a greve, os trabalhadores deixaram de acreditar na República. Afinal, afastado o rei e humilhados os padres, a alimentação continuava cara, o direito de voto era-lhes negado e as liberdades continuavam escassas. Os políticos eram todos iguais.

   No capítulo da instrução popular, a construção de escolas manteve-se exígua, apesar da consciência, partilhada por republicanos e operários de que a escola era a via para o progresso. Nem o Governo tinha dinheiro para o investimento necessário, nem as famílias estavam interessadas na instrução dos filhos. A maioria dos trabalhadores deixara de acreditar em quem quer que fosse.

   Ficaram os testemunhos fotográficos de Joshua Benoliel da pobreza na capital: “Um velho comendo o seu caldo, “Mendigos no Terreiro do Paço” ou “Uma família pobre e numerosa à porta de sua casa em Lisboa”.

   Excetuando os “amigos” de Afonso Costa, a República assustava toda a gente e não dava nada a ninguém.

Fonte: “Os Pobres” de Maria Filomena Mónica

Greve do operariado 29 30 31 janeiro 1912

(Joshua Benoliel)

Peniche, 12 de Abril de 2021

António Barreto

domingo, 11 de abril de 2021

Os Pobres (IX)

 As "Irmãs da Caridade" (II)

O triunfo dos radicais durou pouco. Logo no dia seguinte sai um decreto-lei com a criação de uma comissão para estudar a reorganização do “Instituto das Irmãs da Caridade”. Tranquilizou-se a condessa de Rio Maior, atribuindo ao anticlericalismo de Estado a causa dos protestos, não deixando de considerar insensato o recurso das irmãs vicentinas à intervenção diplomática francesa. Enganou-se. Na sequência do novo comício realizado a 10 de Março pelos radicais, em que a multidão se dirigiu a casa do caudilho Duque de Saldanha, decidiu-se D. Pedro V pela dissolução do Parlamento, marcando eleições para 28 de Abril. Porém, nada mudou; estas, como de costume, foram ganhas pelo partido do poder o Histórico, voltando o Duque de Saldanha à Presidência do Conselho.

   Ato contínuo, a condessa de Rio Maior ameaçou demitir-se da Direção do Asilo da Ajuda caso as freiras fossem forçadas a deixar Portugal. Levantou, então, uma questão ainda hoje atual: a de que a supressão da vertente moral e religiosa do ensino violava o direito fundamental da liberdade religiosa e que tal decorria da imposição da obrigatoriedade do ensino que, na prática, se traduzia no monopólio do Estado.

   Em 1862, o Duque de Loulé, incapaz de obrigar as freiras a cumprir a lei sobre instrução que fizera publicar em Março pela mão de Braancamp, negociou com o governo francês a sua retirada de Portugal. Quando, em Maio, enviado por Napoleão III, chegou ao Tejo um navio para levar as freiras, as aristocratas que dirigiam os asilos da Ajuda, de Benfica e de Jesus - albergando um total de setecentas crianças -, demitiram-se de imediato dos respetivos cargos.

   É então que se revela outro tema fulcral e atual; a filantropia proporciona popularidade e poder a quem a pratica. Os Governos da Monarquia Constitucional consideravam-se donos dos pobres! Em consequência, foram mandados encerrar os orfanatos em Santa Marta, nos Cardeais, em Benfica, em Viana do Alentejo e em São Fiel. Centenas de jovens foram abandonados, para desconsolo da Condessa de Rio Maior, que culpou os padres portugueses de apatia, subserviência e ignorância, em contraste com os congéneres franceses, que considerava cultos, combativos e determinados.   

   O que estava em causa era de saber a quem competia a responsabilidade da ajuda aos pobres, se ao Governo se à Sociedade Civil. Para a condessa, era a esta. Quanto ao Governo, considerava que não devia meter-se num fenómeno que classificava natural. À época, já algumas cidades europeias contavam com empresas de apoio aos pobres, de natureza jurídica mista.

   Derrotado o projeto da condessa de Rio Maior, o seu legado foi, de alguma forma, continuado pela sua nora, Maria Isabel, marquesa de Rio Maior, e por Maria Luísa, duquesa de Palmela, que fundaram em Lisboa a Sociedade Promotora das Cozinha Económicas. Esta sociedade, financiada pelas respetivas promotoras e por muitas das suas amigas, teve ainda a colaboração das freiras francesas. Constituída por uma rede de instituições, servia refeições a preços módicos. Desta vez, ninguém pareceu incomodar-se com o contributo das irmãs.

   A primeira cozinha económica foi inaugurada nos Prazeres em 8 de Dezembro de 1893. Seguiram-se a dos Anjos, a de Alcântara, a de Xabregas, a de São Mamede, a de São Bento e a da Sé. Nos jardins do Palácio de Palmela também se serviam refeições, 500 por dia! Por 90 reis comia-se uma tijela de sopa de grão com arroz, bacalhau guisado, 200 gramas de pão e 2,5 decilitros de vinho. O rei D Carlos doava parte do produto das suas caçadas em Mafra e em Vila Viçosa, e as pescarias do iate real “Amélia”. Mais tarde, em 1918, o povo deu a estas cozinhas o nome de “Sopa do Sidónio”, como ficaram conhecidas.

    A duquesa de Palmela faleceu nas vésperas da Revolução Republicana. Quanto à Marquesa de Rio Maior, apesar do otimismo inicial, acabou por abandonar o país em 1911, tendo regressado em 1918.

    Se é certo que a aristocracia, à exceção de uns atos isolados - um peditório, umas esmolas, uns enxovais - não tinha o hábito da filantropia, nem considerava seu dever ajudar os pobres, também é verdade que o Estado que saiu do novo regime, depois de confiscar os bens dos conventos, foi incapaz de os substituir no apoio social e educativo.

   Sem a caridade dos ricos, sem um Estado eficaz e com uma Igreja enfraquecida, os pobres ficaram entregues à sua sorte.

       Esta disputa projetou-se até aos nossos dias. Quando no poder, a direita aprofunda o papel das misericórdias no apoio social e hospitalar e incentiva o ensino privado, criando parcerias e contratos de associação. A esquerda trata de fazer o contrário logo que pode. O atual Governo, apoiado pela “geringonça”, logo que iniciou a vigência, tratou de revogar ou não prolongar os contratos de associação com as escolas privadas, tendo feito o mesmo com os hospitais públicos de gestão privada, apesar do histórico de bons resultados. A ponto de, no caso da calamidade resultante da atual pandemia, insistir em deixar de lado os hospitais privados com prejuízo de toda a população.

   Também em democracia, por vezes, o Estado, subjugado pelas disputas partidárias, é inimigo dos cidadãos que era suposto servir.

Fonte: "Os Pobres" de Maria Filomena Mónica


As Pupilas do Sr Reitor - Alfredo Roque Gameiro

Peniche, 4 de Abril de 2021

António Barreto

sábado, 10 de abril de 2021

Os Pobres (VIII)

 As “Irmãs da Caridade”

     A expressão “irmãs da Caridade” ficou, e em certos casos ainda se usa, geralmente em tom pejorativo. Por exemplo, para gracejar a propósito de pessoas que vestem de igual forma ou para minimizar ações de pequena filantropia. O facto é que as “Irmãs da Caridade” chegaram a Portugal no século XIX, praticaram assistência social, originaram enorme turbulência política e deixaram um legado de filantropia que se prolongou pela 1ª República.

   Alguns historiadores, como Maria de Fátima Bonifácio, consideram este episódio das “Irmãs da Caridade” como a proto-história do republicanismo português. Um período em que, através do ativismo anticlerical, se prepararam as mentes populares, sobretudo urbanas, para a aceitação da república.

   Por ocasião da epidemia de febre-amarela que assolou o país na década de 1850, face à desproteção a que o Estado deixara os pobres, D Isabel, condessa de Rio Maior, com outras aristocratas, em 1857, convidou as freiras da congregação francesa da Ordem de São Vicente de Paula para, com seu financiamento, tratarem as vítimas da epidemia em Portugal.

   Esta congregação foi fundada em França em 1833 e destacou-se na guerra da Crimeia (ainda há dois ou três anos havia em Peniche, junto ao Santuário dos Remédios, um polo desta congregação liderada pela célebre Irmã Glória, ex-missionária, muito querida entre a população da cidade e amiga pessoal). A condessa Isabel tinha hábitos de filantropia tendo-se envolvido anteriormente na Associação Consoladora dos Aflitos. A nível político, discutia-se a quem competia a responsabilidade do apoio social, se ao Estado, se à Sociedade Civil. Fontes Pereira de Melo, o Presidente do Conselho de então e grande reformador da economia do país, considerava que não competia ao Estado a assistência social.

 

    Em 1857 chegaram a Portugal as primeiras freiras de São Vicente de Paula, com missão mais ampla do que a de tratar dos doentes da febre-amarela. O facto foi tão inverosímil que a nobre condessa de Rio Maior, considerando-se insignificante, confessou ver nele um sinal de Deus ao seu gesto benemérito.

   Foi com a ajuda das duquesas da Terceira e de Ficalho e o elevado apoio monetário do rei D. Pedro V, que, a 14 de Dezembro, abriu o Asilo da Ajuda. Foram recolhidas 15 meninas, às quais foi dado banho, cortado cabelo e vestidas com bibes de riscado.

  No verão de 1858 os Progressistas abriram as hostilidades políticas pela pena de Alexandre Herculano. Considerava o insigne literato que, por detrás da ajuda humanitária, havia desígnios sinistros. De imediato saíram a terreiro, exigindo repúdio público ao Presidente do Conselho, Duque de Loulé, os membros da Câmara dos Pares, condes da Taipa e do Ficalho e o marquês de Sobral. Logo responderam os radicais de esquerda, alguns ligados ao partido Histórico, afiançando ter-lhes sido revelado em sonhos, por “Satanás”, estar em curso em Portugal uma guerra entre o povo e a classe média, e a nobreza. Como resultado as freiras acabaram apedrejadas pelos populares anticlericais de Lisboa.

  Circularam abaixo-assinados, uns a favor das freiras, subscritos geralmente por membros da nobreza, Ex miguelistas e das associações filantrópicas, e outros contra, exigindo a expulsão das religiosas e envolvendo a chamada nobreza de toga, Ex-setembristas, alguma burguesia e académicos. A polémica incendiou o Parlamento, onde os Históricos propuseram a nomeação de uma comissão com a finalidade de expulsar as irmãs. O tema acabou por envolver o Rei D. Pedro V que, em Outubro de 1858, confidenciou a seu tio, o Príncipe Alberto, marido da Rainha Vitória, considerava imprudente a iniciativa das aristocratas. Para ele, os portugueses e Portugal não tinham motivos de gratidão nem à nobreza nem ao clero.

   Apesar de toda a polémica, em Agosto de 1859, chegaram a Lisboa mais quatro irmãs vicentinas francesas, desta vez acompanhadas por um excecional padre lazarista - membro da Congregação da Missão; sociedade Católica, masculina, apostólica, fundada por São Vicente de Paulo em Paris, em 1625, dedicada ao ensino e obras de caridade, cujos membros eram conhecidos por Vicentinos e, também, Lazaristas (pelo facto de a sua primeira sede se ter chamado Casa de São Lázaro). Desta vez, os membros do executivo em funções, Fontes Pereira de Melo e Casal Ribeiro, mais preocupados em erguer as infraestruturas ferroviárias do país resolveram fechar os olhos.

   Porém, quando em Agosto de 1860, desembarcou na capital mais uma “fornada” vicentina, constituída por dezasseis irmãs, francesas e portuguesas, e três padres, o ambiente tinha mudado; o duque de Loulé tinha regressado ao poder. Levantou-se a esquerda, organizando comícios onde, como condição para a legalização, exigia a separação das freiras portuguesas das francesas, e a subordinação daquelas à tutela de um superior nacional. Recusada a proposta pelo respetivo patriarca e pelas irmãs francesas, respondeu o Governo com uma portaria onde determinava a suspensão da ordem, dando-lhes 40 dias para abandonarem a residência, em Santa Marta.

(Continua)

Fonte: Os Pobres, Maria Filomena Mónica


Aurélia de Sousa

Peniche, 4 de Abril de 2021

António Barreto

domingo, 4 de abril de 2021

Os Pobres (VII)

    A Greve de Santo Tirso

   Em vésperas da queda da Monarquia Constitucional, em Julho de 1910, rebenta a greve dos têxteis de Santo Tirso. Na fábrica de Negrelos, a maior da região, 5000 mil operários exigiam melhores condições: salários e horários iguais dos colegas do Porto, saneamento dos chefes, fim dos castigos corporais e da obrigação de votar. A nada cederam os dirigentes da fábrica.

   Dividiram-se os grevistas, entre socialistas e anarquistas, acusando-se mutuamente. Os que recusaram a greve foram agredidos pelos que a ela aderiram. Aqueles passaram a beneficiar de escolta militar no trajeto para a fábrica. Estes ficavam no exterior. As aldeias vizinhas alvoroçaram-se. Homens, mulheres e crianças de Santo Tirso, munidos de cacetes e a toque de tambor, foram a Pevidem. Furiosos, por os patrões lhes terem barrado o caminho, cortaram as correias de transmissão dos teares das fábricas.

   Regressando, paulatinamente, ao trabalho, os operários das quatro fábricas da região voltaram à greve logo em Agosto. Reunindo em plena estrada com os industriais, os grevistas nada conseguiram, à exceção do saneamento do encarregado das retretes. Algumas semanas após o termo da greve, os patrões da “Roça de Negrelos”, nome que os operários davam à fábrica, endureceram as condições de trabalho; proibiram as refeições nas instalações, mesmo no inverno, e passaram a punir severamente o mais ligeiro atraso.

   Se a vida era particularmente violente para os operários, era especialmente violenta para as operárias, especialmente casadas. Levantavam-se de madrugada, tratavam do pequeno-almoço para a família, levavam os filhos embrulhados no xaile, andavam quilómetros a pé, descalças, de verão e de inverno, qualquer atraso era-lhes descontado no salário, trabalhavam 12 horas quase consecutivas, num ambiente impregnado de pó da lã, ou de algodão, gélido no inverno e tórrido no verão. Tomavam o frugal almoço, que levavam de casa, no pátio ou na rua. Qualquer engano era-lhes descontado no salário, uma distração poderia custar-lhes a amputação dos dedos ou de uma mão. Amamentavam os filhos às escondidas e a correr. Analfabetas, ninguém as respeitava. Chegavam a casa exauridas. Aos trinta anos estavam velhas. Folgavam aos domingos, que lhes permitia tratar melhor, da casa, da roupa, dos maridos, dos filhos, ir à igreja e conversar com a vizinhança. Naquelas casas austeras, pobres, quase tudo estava na rua; água, lenha, comida, etc.

Muitas, por falta de condições de higiene, não sobreviviam ao parto. Os filhos indesejados eram abafados à nascença, deixados à porta das igrejas ou entregues na roda das misericórdias. Algumas, vencidas pela dureza da vida, suicidavam-se com raticida ou cabeças de fósforos. Da pobreza dos campos à das fábricas, estas mulheres eram as mais pobres entre os pobres. Ainda assim, a maior desgraça que lhes poderia acontecer era perderem o trabalho na fábrica.

   Contudo, a pulsão revolucionária não estava entre os operários, mas nos estratos inferiores da pequena burguesia. Para estes, a “cambada” de ministros, políticos e deputados deveriam ser metidos num navio e despachados barra fora, deixando a governação a cargo de homens e de progresso Quanto aos pobres, sem culpa da sua ignorância, nada sabiam, não sendo maus, eram vistos como “umas cavalgaduras”.

   Este foi o ambiente propício à criação das raízes da ideologia republicana culminando no derrube da monarquia a 5 de Outubro.   


Engomadeiras - Carlos Reis

Peniche, 28 de Março de 2021

António Barreto

sábado, 3 de abril de 2021

Os Pobres (VI)

 A Greve do Porto

   Em 1903 ocorreu a maior greve até então. Foi grande o impacto na imprensa nacional e operária, tendo mobilizado a atenção da embaixada inglesa, a solidariedade do operariado do Porto, Lisboa e Setúbal, da hierarquia católica, dos republicanos, da maçonaria, de industriais, de políticos, da população em geral e a repressão policial, do exército e até da marinha de guerra.

   Desta vez o número de grevistas envolvidos ultrapassava largamente as centenas registadas nos casos anteriores. O número de grevistas chegaram aos 30 mil, cerca de 20% da população da cidade. O suficiente para assustar os governantes e sensibilizar os parlamentares. Republicanos e católicos apoiaram os operários, ampliando os efeitos mediáticos da greve.

   No início de Maio os tecelões mecânicos abriram as hostilidades exigindo aumento de salários - 20% acima do salário mais elevado praticado no Porto -, redução do horário de trabalho, medição da fazenda à sua vista, abolição das multas, limite de dois teares por operário e prioridade aos tecelões manuais no recrutamento das fábricas. No seu manifesto proclamavam não serem ambiciosos, limitando-se a reclamar um pequeno aumento salarial e opondo-se ao recrutamento de homens e mulheres do campo pelo facto de os operários da indústria vaguearem pela cidade, desempregados e cheios de fome.

   A meados de Maio foi decretada a greve geral. No final do mês, com exceção dos privilegiados tintureiros, todas as oficinas - cardação, fiação, branqueação e tecelagem - paralisaram. Iniciadas as negociações os operários interromperam-nas a meados do mês de Junho, após recusarem a oferta de atualização dos salários pelos mais elevados, praticados na fábrica Graham. Contando com o desânimo dos operários provocado pela fome, os patrões reabriram as fábricas esperando o regresso dos mais frágeis. Dos inevitáveis confrontos, dos grevistas com a tropa, envolvendo tiroteio, resultou a prisão de 220 operários, entre os quais um tal José Chita, chapeleiro e militante do Porto. Perante a furiosa reação popular, os prisioneiros foram levados para bordo de um navio fundeado no Douro.

   No cais do Ficalho mulheres com os filhos chorosos ao colo apoiavam os seus presos, que retribuíam, das vigias da 2ª coberta, com palavras de conforto, acenando-lhes. O Porto ribeirinho indignou-se. Gente humilde distribuía esmola aos familiares e enviava pão e tabaco aos prisioneiros. Os republicanos difundiam as causas dos operários no seu jornal “O Mundo”. As fiandeiras, num manifesto em que afirmavam a sua condição de escravas e exploradas, solidarizaram-se com a causa dos seus “irmãos de trabalho”, referindo que a profecia de Marx, segundo a qual o capital criaria os coveiros que o sepultariam, estava a concretizar-se eloquentemente. Denunciando os patrões, que se pavoneavam de charuto na boca enquanto os operários morriam de fome, invocavam Oliveira Martins, que, caso ainda vivesse, com a eloquência que o distinguia puniria todos os que exploravam a indústria nacional em proveito próprio, em prejuízo da nação e dos famintos operários.

   O Porto operário levantou-se pelos tecelões: chapeleiros - 3000 -, sapateiros - 1000 -, metalúrgicos - 1500 -, tabaqueiros - 1500 -, tanoeiros - 4000 -, trabalhadores da moagem - 1000 - e centenas de trabalhadores de outros ofícios. Um total de 40 mil trabalhadores, cerca de 24 % da população da cidade, deixara cair os braços. Retomadas as negociações, os operários exigiam um acordo escrito e diplomas de acesso à profissão. Responderam os patrões mecânicos com a oferta de 10 % de aumento dos salários. Regressados às fábricas, voltaram os operários à greve por incumprimento de alguns patrões. Novo acordo, parcial, assinado a 24 de Julho, não impediu a continuação da greve pelos tecelões manuais, apoiados pelos tecelões mecânicos.

   O peso da greve convidava ao abandono. Nomearam-se fiscais para dissuasão e punição dos “amarelos”. Avançavam os patrões com novas propostas; mais 5 réis por metro sobre a melhor tabela, medição da fazenda à vista dos operários, aviamentos por conta da fábrica, redução de horário para das 0700h às 1800h com uma hora para almoço, tardes de sábado livres, produto das multas para um fundo de assistência. Nada parou os operários; “perdidos por cem, perdidos por mil”.

   Tecelões e fiandeiras, velhos rivais, uniram-se e marcharam pela cidade. Organizaram-se peditórios. O Jornal de Notícias relatava o drama do povo a pedir pão e justiça, de mulheres exaustas, de joelhos, com os filhos ao colo a pedirem clemência, do povo comovido e dos polícias embainhando os sabres. O Mundo, jornal republicano que acompanhava diariamente a greve, relatava os grevistas, não como trabalhadores a lutar pelos seus direitos, mas como pobres a suplicar o pão.

   Gerou-se uma vaga de auxílios; o conde de Vizela distribuiu esmola aos grevistas, os republicanos organizaram as “Cozinhas Populares” em que quem queria ajudar comprava senhas de refeição para distribuir aos grevistas - O Jornal de Notícias comprou mil, os moradores da Cedofeita outras mil e um anónimo quinhentas. A certa altura, fartos da má qualidade da comida - sopa aguada e macarrão cru - os grevistas amotinaram-se; as mulheres famintas e esfarrapadas saíram à rua em protesto. A Guarda Municipal, condoída, não tinha coragem de as reprimir. O Porto em peso estava com os amotinados; os padeiros davam-lhes pão, as casas de pasto ofereciam-lhes refeições e os soldados ofereciam-lhes parte do próprio rancho.

   Foram chegando donativos: o Congresso Nacionalista ofereceu 562 mil réis, realizados numa subscrição e João Franco - futuro Presidente do Conselho - doou 2500 réis. Personalidades republicanas, anarquistas e associações de classe também contribuíram com dinheiro. Os Jornalistas da cidade entregaram o que angariaram num peditório, dinheiro, pratas e roupas. O maçónico Grémio da Montanha contribuiu com o produto da venda de um poema de Gomes Leal.

   Destacaram-se os Operários Metalúrgicos de Lisboa, abrindo subscrições em dezenas de fábricas, organizando uma grande festa no Coliseu e pedindo ajuda no estrangeiro. Os Manufatores de Tecidos de Lisboa, entregaram 521 mil réis e os trabalhadores de Setúbal destinaram-lhes uma parte dos seus salários durante semanas. Na frente externa, a CGT francesa organizou uma recolha de fundos junto dos seus associados e das congéneres belga e italiana.

   A greve dos operários contra os patrões politizou-se, transformou-se na luta do Porto trabalhador contra a Lisboa parasita. O Jornal de Notícias referiu que o Governo mandara sacrificar os seus filhos do Porto. Os navios-prisões e o fogo dos soldados contra os operários colocaram o Governo ao lado dos patrões suscitando a fúria dos grevistas contra a Capital. As oposições, em desagregação, uniram-se contra o Governo. A igreja colocou-se ao lado dos operários acusando, violentamente, patrões e Governo. Os Centros Católicos Operários distribuíram subsídios aos seus associados. O Grito do Povo, jornal católico, acusou o governo de extorsão fiscal do povo - “até ao último ceitil” - reprimindo-o, com o envio de um navio de guerra, quando, reduzido à mais fome, protestava nas ruas. Por seu lado, o Partido Progressista, defensor da ordem pública, pediu a demissão do Governador Civil do Porto.

   Estrondosa manifestação ocorreu a 4 de Junho quando o cruzador Rainha D. Amélia chegou ao Porto enviado pelo Governo com intuitos dissuasores dos grevistas. Porém, a “terrível” ameaça redundou em animada confraternização entre os marinheiros e o rapazio. Pendurados nos mastros, aqueles, e nas árvores, estes, acenaram-se os lenços mutuamente. Desistindo da militarização da cidade, o Governo forçou o Governador Civil a demitir-se e obrigou os operários a reunirem-se ao ar livre numa das colinas dos arredores, após sinalização do local com um foguete.

  Com base num edital de 1887, que autorizava a prisão dos operários desempregados, polícia e exército passaram a reprimir e deter os grevistas por motivos fúteis. Em Arcozelo, operários, polícia e exército, envolveram-se num conflito sangrento, quando aqueles distribuíam panfletos. A 18 de Junho 250 operários aguardavam julgamento na prisão.

    Mesmo com acordos escritos, rapidamente os patrões os incumpriam, impondo um ambiente de intolerância nas fábricas e despedindo os militantes. Perante o esgotamento físico e mental dos operários, em especial dos tecelões manuais, aqueles voltaram às fábricas, acusando o capital de “víbora, abutre, jiboia e tigre”, através da sua Associação de Classe.

Fonte: "Os Pobres" de Maria Filomena Mónica



Uma saúde aos noivos
Carlos Reis

Peniche, 28 de Março de 2021

António Barreto

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Os Pobres (V)

 A Greve de Gouveia

   Em 1902, em Gouveia, rebentou a primeira grande greve. Os trabalhadores paralisaram, exigindo a antiga tabela, o que se traduzia em aumentos salariais da ordem dos 75 % para as mulheres, 44% para os menores e de 70% a 33% para os homens. O salário das mulheres, 80 réis, era inferior ao dos menores, 90 réis, e menos de metade do dos homens, 200 a 300 réis.

   Depois do fracasso do lockout e do recurso aos “amarelos”, perante o vigor da comunidade, os patrões, assustados, pediram a intervenção da tropa. Por seu lado, os operários defendiam-se tornando pública parte da carta que tinham enviado aos patrões: “a nudez das nossas mulheres e filhas é que nos leva a suplicar-lhes que nos haja por bem atender, porque nós não queremos barulhos nem revoluções, mas sim vimos pedir que sejamos atendidos à boa paz, pois só a nossa mesquinha vida e a pobreza das nossas famílias nos obriga a este pedido.” Na sequência de inevitáveis confrontos entre grevistas e “amarelos”, a que se juntou o povo quando o sino tocou a rebate, a tropa disparou sobre a multidão matando dois trabalhadores.

   A indignação espalhou-se por todo o país, pediu-se uma sindicância ao ministro do Reino, acorreram 2000 pessoas ao funeral e Gouveia entrou em pé de guerra. Alguns tecelões acabaram por se dedicar às vindimas no Alto Douro. Hintze Ribeiro, o presidente do Conselho, confessou-se impotente para interceder pela causa dos operários. Inesperadamente, os patrões acabaram por aceder as reivindicações, despedindo, logo depois, 22 operários.  


Silva Porto

Fonte: "Os Pobres" de Maria Filomena Mónica

Peniche, 28 de Março de 2021

António Barreto