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Cena insólita esta que o farolim
de Marca Samba testemunha naquela noite.
Durante mais de uma hora, no meio do mar, longe do mundo, longe de tudo, um
pequeno grupo de fuzileiros de camuflado, de armas à bandoleira, cansados mas
eufóricos com o sucesso da missão, escarranchados nos botes pneumáticos e tendo
o seu comandante como maestro, entoram árias de conhecidas óperas com que se
puseram a entreter o tempo de espera que, naquelas ocasiões, se escoava muito
lentamente. O marinheiro “Setúbal” foi um dos cantores à força: “O regresso foi difícil porque não dávamos
com o patrulha. Então, o comandante resolveu mandar-nos cantar explicando-nos
que o som junto à água se propaga mais depressa. Ainda tentei resistir, mas era
impossível, todos tínhamos de cantar, não havia excepções. Ele desatou a cantar
a Samaritana, depois óperas, e só descansou quando por fim, bastante tempo mais
tarde, lá vimos a luz do patrulha e
viémos embora.”
O massacre dos Capitães:
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Pela mesma altura, ocorre porém
um revés em todo este processo de pacificação: o massacre dos majores, como ficou conhecido para a História. Havia algum tempo já que, no mais absoluto
sigilo, decorriam contactos superiormente autorizados de alguns militares
portugueses com elementos do PAIGC, , no
sentido de se alcançar a paz pela via não armada. No dia 20 de Abril de 1970
tem lugar o encontro final entre os principais elementos do Estado-Maior do
CAOP (de Teixeira Pinto) e os chefes guerrilheiros da região de Cobiana-Churo.
Avançam confiadamente os Portugueses para a reunião combinada a norte da região
Có-Pelundo. O pequeno grupo era contituido pelo major CEM Passos Ramos, chefe
do Estado-maior do CAOP; pelo major de artilharia Pereira da Silva, oficial de
informações, e acção psicológica; pelo major de infantaria Magalhães Osório;
pelo alferes miliciano Palmeiro Mosca, adjunto para o desenvolvimento
sócio-económico; e por um intérprete. Como habitualmente, todos iam desarmados.
Chega ainda a estar prevista a participação do general Spínola, mas, vivamente
desaconselhado pelo seu Estado-Maior, resolve à última hora não comparecer,
para frustração do inimigo que contava prendê-lo nessa ocasião.
Segundo
relatam mais tarde os guerrilheiros que participaram na emboscada, os portugueses
faziam-se transportar em dois jeeps
que chegam ao local combinado 10 minutos depois do meio-dia. O primeiro a ser
abatido é Passos Ramos, quando sai do carro. Os outros foram selvaticamente mortos,
sendo retalhados a golpes de catana. Os corpos foram recuperados no dia
seguinte, completamente mutilados.
Em
Setembro, cinco meses depois, Amílcar Cabral irá referir-se ao assassinato dos
três majores num discurso triunfalista proferido em Conakri , por ocasião de
mais um aniversário do PAIGC, e glorificará aquele “ato heróico”: “Depois de vários contactos, cartas
ridículas, ofertas, presentes e promessas de toda a espécie, os colonialistas
sofreram mais uma derrota vergonhosa: os nossos heroicos combatentes liquidaram
os majores e outros oficiais e soldados que pensavam que podiam comprar-nos.”
Zaratustra: Eis a
verdadeira face de Amilcar Cabral, esse grande amigo dos portugueses! Não tem perdão;
nem na Terra nem no Céu! Nem ele nem os seus apoiantes!