Desporto

sábado, 6 de julho de 2013

Como o Estado gasta o nosso dinheiro - 1

Carlos Moreno é um especialista em finanças públicas que durante 15 anos foi Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas. Tendo participado em mais de cem relatórios de auditoria, decidiu relatar na obra com o título supra - editora Caderno -, alguns dos casos mais emblemáticos de gastos públicos; Expo 98, SCUT, Estádios do Euro 2004, IPE, Casa da Música, Túnel do Rossio e terminal de contentores de Alcântara.
 
Não se limita Carlos Moreno à denúncia pública dos casos concretos; faculta algumas noções de finanças públicas, procura as causas dos desvios financeiros dos casos relatados, apresenta propostas de melhoramento da gestão e fiscalização das obras públicas e da estrutura orgânica do Tribunal de Contas. Trata-se de uma demonstração de responsabilidade cívica e até de patriotismo que, pessoalmente, agradeço e gostaria de ver replicada por outras entidades públicas. Aliás, estas deveriam publicar e manter acessível à população informação das suas receitas e gastos, começando desde logo pelo Orçamento Geral do Estado e pelos orçamentos das Câmaras Municipais. Tal de nada servirá porém, se os cidadãos não adotarem a atitude de acompanhamento e fiscalização que lhes compete, por maioria de razão em democracia.

De facto, a cultura do escrutínio regular da ação pública ainda está pouco enraizada entre nós, predominando a dependência paternalista caracterizada pela exigência a outrem da satisfação dos anseios de cada um. Aqui radica uma disfunção de alguns regimes nominalmente democráticos - o nosso, por exemplo -, pela recusa de parte substancial da populaçã, de envolvimento na coisa pública, remetendo, paradoxalmente, para os regimes autoritários, mais longínquamente, para a metáfora do sebastianismo.

Voltando a Carlos Moreno, não posso deixar de referir que, apesar de me parecerem relevantes as suas propostas de reestruturação orgânica do Tribunal de Contas, revelam, quanto a mim, um dos maiores equívocos das sociedades atuais, que não explanarei agora, mas que se traduzem na excessiva especialização de competências, caracterizada pela dificuldade holistica dos especialistas.

Também Carlos Moreno parece ter dificuldade em entender a importância da rapidez de tomada de decisões por quem gere. Sendo importante a exigência de rigor e transparência das contas públicas, tal não deverá constituir bloqueio nem à tomada de decisão, nem à implementação e desenvolvimento dos projetos de manifesto interesse público. Tal traduzir-se-á, sempre, em futuros custos indiretos; seja pelo diferimento da disponibilidade do bem, seja pelo agravamento dos custos unitários, ou outros. Fiscalizar sim, bloquear não!

Posto isto, publico alguns extratos da obra:

"Para apuramento dos valores do défice e da dívida pública só entram as contas da administrações públicas, sendo excluídos os números referentes às empresas estatais do país."

"A explosão das PPP no nosso país ocorreu com ausência total de enquadramento total específico , sob pressão de restrições orçamentais impostas por Bruxelas e com o Estado sem experiência nem conhecimentos..."

Eis aqui a efetiva razão da proliferação das PPP, dos Institutos, das EP, das empresas municipais, etc. Em linguagem corrente, trata-se da famigerada "chico-espertice" do portuguesito desenrascado, que até poderá ficar bem ao Zé Povinho, mas que fica muito mal a quem tem responsabilidades públicas. Ou seja, perante as exigências de controle orçamental da CE, os governantes e presidentes regionais e de câmara, resolveram desorçamentar...como se a fatura não viesse mais tarde...a pagar pelos contribuintes, claro...os mesmos que lhes exigem obras para os (re)eleger...e depois insultam pelo agravamento de impostos! Pois é, a prevenção destes desvarios começa no cidadão! Não há como fugir disto.

"É o funcionamento dinâmico do mercado que estimula as empresas a investir e a inovar, como forma de maximizarem os seus lucros e o aproveitamento ótimo dos recursos disponíveis.
   A Constituição da República Portuguesa consagra a concorrência não falseada como incumbência prioritária do Estado, no domínio económico."
"Na União Europeia a concorrência é considerada como motor do sistema económico comunitário, tendo sido o detonador e continuando a ser o dinamizador do mercado interno europeu."

Aqui chegados, compreenderemos melhor porque razão algumas entidades políticas e outras, defendem a saída de Portugal da UE! Uns, porque terão mais dificuldade em manter os seus pseudo-monopólios, outros, porque se verão impossibilitados de implementar o seu modelo socialista.

"A crise financeira portuguesa agudizada em 2009 e 2010 já vinha de trás, e não pode ser apenas justificada  com o mal e as dores económico-financeiras mundiais. Tem raízes estruturais nacionais, que agora se tornaram mais penosas por não terem sido assumidas e curadas em tempo oportuno pelos sucessivos governos portugueses.
   Entre elas aponto o descontrolado crescimento do endividamento público, a não redução duradoura da despesa do Estado, o crescimento em flexa dos encargos com PPP e um anémico crescimento da riqueza nacional. Também parte das receitas de privatizações anteriores não serviu para amortizar a dívida pública, tendo sido afeta à realização de capital de novas empresas públicas.
   Este panorama é seguramente incompatível com o nivel e o estilo de vida de novo-riquismo ostentado por grande parte do setor público, e copiado por apreciável número de agentes económicos privados."

Teimam alguns, porém, em sustentar a tese da crise internacional, relativizando a importância dos "desvarios" orçamentais! Tal comportamento foi replicado pelo setor privado resultando numa dívida externa global "astronómica, que agora nos asfixia!

" Seja o que for que sucedeu, os responsáveis diretos pela elaboração dos Orçamentos de Estado deveriam explicar cabalmente esta situação e justificá-la de forma detalhada, em termos de substância e também à luz das regras jurídicas que disciplinam a elaboração dos Orçamentos de Estado."

Ou seja, segundo Carlos Moreno, o Orçamento do Estado para 2010 apresenta discrepâncias graves que deveriam ser explicadas e os seus autores sujeitos às consequências das regras jurídicas aplicáveis. Tal poderia evitar alguma leviandade na elaboração orçamental, muitas vezes, por falta de tempo para o seu adequado estudo e preparação, outras por razões bem mais graves!

"Muitos gestores não estão ainda mentalizados para aceitar críticas e sugestões de unidades das próprias organizações que dirigem. Chegam até a ignorar informações muito relevantes que o controlo interno lhes disponibiliza."

"Ora cá está, agora ao mais alto nível, a tal falta de cultura democrática, afinal, 'mãe' de todas as crises!, cada um molda a democracia à sua medida! Quem diria?

Continua 

Sócrates arruinou o país. Passos e Portas debilitaram o sistema partidário

Henrique Raposo

No jornal Expresso                    
                            
Esta não é uma crise política normal. Aliás, este não é um tempo normal. O regime está bloqueado. Nós, portugueses, estamos bloqueados. Estamos bloqueados na política e na política económica. Comecemos pela segunda. Durante seis anos, José Sócrates afundou um barco que já estava a meter água por todos os lados. E afundou o barco seguindo políticas económicas derivadas de uma mentalidade de esquerda. Em 2011, o PS perdeu as eleições, mas essa atmosfera de esquerda não saiu do poder. Os dois acórdãos do Tribunal Constitucional revelam que o socialismo está no poder mesmo quando perde eleições. Os acórdãos - elevados à condição de dogma por PS, BE e PCP - revelam o bloqueio da política económica: de forma inacreditável, o regime acha que direitos económicos (apelidados de "direitos sociais") são equiparáveis aos direitos cívicos. Esta falácia intelectual é a base do irrealismo do princípio da proibição do retrocesso social, a alcunha jurídica dos chamados direitos adquiridos . Solidificada no verão quente de 1975, esta ficção é uma das causas do verão quente de 2013.
 
O segundo bloqueio, o político, tem origem numa cultura que é inimiga das palavras "acordo" e "coligação". Como se sabe, o regime esteve sempre bloqueado à esquerda. Uma coligação das forças progressistas continua a ser um anátema - outra herança do verão quente de 1975. Enquanto este bloqueio perdurar, a nossa democracia não será uma democracia madura. Ora, se já não respirava de todo à esquerda, o regime passou a respirar com dificuldade à direita depois desta crise idiota provocada por CDS e PSD . Na próxima década ou mais, a direita vai ter a mesma relutância da esquerda na hora de formar coligações. O regime não tinha asa esquerda, e agora perdeu a asa direita. Moral da história? Estamos entregues a um regime parlamentar que não faz aquilo que os regimes parlamentares devem fazer: acordos e coligações. De forma quase trágica, a lei eleitoral favorece a formação de governos de coligação, mas o tribalismo dos partidos têm rejeitado essa prática. A bota não bate com a perdigota. Para quem acredita numa democracia liberal, para quem acredita numa política onde as regras e instituições estão acima dos homens e das tribos, estes dias têm sido tristes. O verdadeiro drama desta semana não está no dinheiro que já perdemos. A tristeza está na confirmação de que estamos longe, muito longe, da maturidade europeia da democracia portuguesa. 
Na junção dos dois bloqueios encontramos um país bloqueado, um regime sem soluções mas que recusa mudar e, acima de tudo, uma cultura política que não parece preparada para assumir os compromissos do Euro e da maturidade democrática. É o verão quente de 2013.