A Greve de Santo Tirso
Em vésperas da queda da
Monarquia Constitucional, em Julho de 1910, rebenta a greve dos têxteis de
Santo Tirso. Na fábrica de Negrelos, a maior da região, 5000 mil operários
exigiam melhores condições: salários e horários iguais dos colegas do Porto,
saneamento dos chefes, fim dos castigos corporais e da obrigação de votar. A
nada cederam os dirigentes da fábrica.
Dividiram-se os grevistas, entre socialistas e anarquistas, acusando-se
mutuamente. Os que recusaram a greve foram agredidos pelos que a ela aderiram.
Aqueles passaram a beneficiar de escolta militar no trajeto para a fábrica.
Estes ficavam no exterior. As aldeias vizinhas alvoroçaram-se. Homens, mulheres
e crianças de Santo Tirso, munidos de cacetes e a toque de tambor, foram a
Pevidem. Furiosos, por os patrões lhes terem barrado o caminho, cortaram as
correias de transmissão dos teares das fábricas.
Regressando, paulatinamente, ao trabalho, os operários das quatro
fábricas da região voltaram à greve logo em Agosto. Reunindo em plena estrada
com os industriais, os grevistas nada conseguiram, à exceção do saneamento do
encarregado das retretes. Algumas semanas após o termo da greve, os patrões da
“Roça de Negrelos”, nome que os operários davam à fábrica, endureceram as
condições de trabalho; proibiram as refeições nas instalações, mesmo no
inverno, e passaram a punir severamente o mais ligeiro atraso.
Se a vida era particularmente violente para os operários, era
especialmente violenta para as operárias, especialmente casadas. Levantavam-se
de madrugada, tratavam do pequeno-almoço para a família, levavam os filhos
embrulhados no xaile, andavam quilómetros a pé, descalças, de verão e de
inverno, qualquer atraso era-lhes descontado no salário, trabalhavam 12 horas quase
consecutivas, num ambiente impregnado de pó da lã, ou de algodão, gélido no
inverno e tórrido no verão. Tomavam o frugal almoço, que levavam de casa, no
pátio ou na rua. Qualquer engano era-lhes descontado no salário, uma distração
poderia custar-lhes a amputação dos dedos ou de uma mão. Amamentavam os filhos
às escondidas e a correr. Analfabetas, ninguém as respeitava. Chegavam a casa
exauridas. Aos trinta anos estavam velhas. Folgavam aos domingos, que lhes
permitia tratar melhor, da casa, da roupa, dos maridos, dos filhos, ir à igreja
e conversar com a vizinhança. Naquelas casas austeras, pobres, quase tudo
estava na rua; água, lenha, comida, etc.
Muitas, por falta de condições de
higiene, não sobreviviam ao parto. Os filhos indesejados eram abafados à
nascença, deixados à porta das igrejas ou entregues na roda das misericórdias.
Algumas, vencidas pela dureza da vida, suicidavam-se com raticida ou cabeças de
fósforos. Da pobreza dos campos à das fábricas, estas mulheres eram as mais
pobres entre os pobres. Ainda assim, a maior desgraça que lhes poderia
acontecer era perderem o trabalho na fábrica.
Contudo, a pulsão revolucionária não estava entre os operários, mas nos
estratos inferiores da pequena burguesia. Para estes, a “cambada” de ministros,
políticos e deputados deveriam ser metidos num navio e despachados barra fora,
deixando a governação a cargo de homens e de progresso Quanto aos pobres, sem culpa
da sua ignorância, nada sabiam, não sendo maus, eram vistos como “umas
cavalgaduras”.
Este foi o ambiente propício à criação das raízes da ideologia republicana culminando no derrube da monarquia a 5 de Outubro.
Peniche, 28 de Março de 2021
António
Barreto