Desporto

sábado, 13 de julho de 2019

Portugal e o Futuro, I (António de Spínola, Arcádia)



Para o grande público, António de Spínola ficou conhecido como bravo Cabo de Guerra, pelo desempenho do cargo de Governador da Guiné entre 1968 e 1973, e como político incipiente, ingénuo, semipatético e reacionário, pela sua participação na Revolução de Abril, em que, no decurso do PREC, a sua estratégia acabaria sucessivamente derrotada pela fação de esquerda que então predominava no MFA.

     Regressado da Guiné em 1973, convencido da inviabilidade duma vitória militar, tenta, em vão, convencer o Presidente do Concelho, Marcello Caetano, a encetar a via da negociação - que ele próprio mantinha, com quadros do PAIGC, com elites locais e com o Presidente do Senegal, Leopold Senghor. Spínola escapara, por mero acaso, em 20 de Abril de 1970, ao “Massacre do Chão Manjaco” onde foram abatidos e esquartejados pelos guerrilheiros do PAIGC, três majores, um alferes e três guias do exército Português, no âmbito das negociações para o cessar-fogo na região norte, que vinha sendo mantida. Gorada a tentativa, acaba demitido na sequência da publicação de Portugal e o Futuro onde dá conta pública da sua perspectiva de solução para Portugal e o seu Império.

   A evolução da guerra na Guiné favorecia o inimigo graças, sobretudo, ao aumento da intensificação do apoio de Cuba, em homens, e da URSS, em armas - mísseis terra-ar e aviões MIG (2). As forças nacionais deixavam de contar com o precioso apoio aéreo e, sem ele, a eficácia operacional ficara seriamente diminuída. O espetro da derrota pairava no horizonte, abrindo a velha ferida da humilhação da invasão da Índia portuguesa, estigma indelével das Forças Armadas lusas.

   A operação Mar Verde, derradeira tentativa de neutralização do PAIGC - planeada e conduzida pelo célebre fuzileiro Alpoim Galvão - apesar do sucesso operacional, fracassara nos seus objetivos essenciais; a detenção ou eliminação de Amílcar Cabral, a eliminação de Sekou Touré, o derrube do regime socialista da Guiné-Conacri e a destruição dos dois aviões MIG oferecidos pela URSS. Destruíram-se as instalações da Frelimo, soltaram-se os prisioneiros portugueses - 23, entre os quais o célebre sargento aviador António Lobato e um desertor -, e afundaram-se todas as modernas lanchas de combate do inimigo. As informações recolhidas pelos agentes da PIDE revelaram-se inexatas, razão dos fracassos. Por essa ocasião, o aparelho de Estado Português, administrativo e militar, já estava fortemente infiltrado por “democratas”, graças à “Primavera Marcelista”.

   Habituado à férrea disciplina militar e à deferência geral, António de Spínola acreditou, ingenuamente, na lealdade dos militares de Abril - alguns dos quais, como Otelo e Carlos Fabião, serviram sob suas ordens na Guiné. Acordou demasiado tarde para a realidade. Quando reagiu tinha perdido o controlo do processo; Vasco Gonçalves, Otelo e Costa Gomes, tinham outros planos, serviram-se do seu prestígio junto da população e livraram-se dele quando se tornou inconveniente, colando-lhe a chancela de ditador e reacionário.

   Uma injustiça; este “Portugal e o Futuro”, que acabei de reler, demonstra-o. António de Spínola, também rotulado de germanófilo, preconizava a autodeterminação dos povos e a democracia parlamentar representativa assente no sufrágio direto e universal, um homem um voto. Opunha-se às ditaduras; de direita, mas também de esquerda. O seu projeto, talvez algo ingénuo, de construção do Estado Federal de Portugal, em que as províncias ultramarinas e Portugal metropolitano constituíam, em paridade, a nova federação, visava a ascensão política social e económica dos portugueses africanos, sem exclusões, e a preservação do que designou por “portugalidade”, na convicção sincera da adesão voluntária dos portugueses africanos. Um Portugal pluricontinental e multirracional alicerçado na adesão das populações livremente expressa por voto secreto e universal em plena paridade de Estados.
Peniche, 13 de Julho de 2019
António Barreto*