Desporto

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Um Novo Ciclo Para o Benfica (4)


O relacionamento com os Adeptos

   Em qualquer clube a relação dos dirigentes com os respetivos adeptos é sempre potencialmente turbulenta, barómetro dos resultados desportivos, emocional, imediatista e irrealista, pautada pela ingratidão ao menor desaire. Saber lidar com esta realidade é um requisito indispensável a quem investe na empreitada do dirigismo desportivo.

   Os primeiros anos do consulado de Filipe Vieira foram de abertura, tipo presidência aberta, como o próprio reiteradamente afirmou. É verdade que houve disponibilidade para reunir e debater com alguns críticos mais destacados e até trocar correspondência com sócios genuinamente empenhados no incentivo, na crítica e na sugestão de ideias.

   Tal disponibilidade foi-se desvanecendo e circunscrevendo ao “fogo amigo” de cariz laudatório, que, hoje, caracteriza a respetiva “entourage”. Chega a ser ridícula a forma rebuscada com que, por vezes, os comentadores de serviço na BTV, qual cortina de fumo, tentam atenuar os desaires, valorizando detalhes insignificantes, relativizando o essencial e desconsiderando os dissidentes, como se jogadores, técnicos, sócios e dirigentes fossem incapazes de enfrentar as críticas alheias e os erros próprios e como se os adeptos fossem inimigos. Atingiu-se o paroxismo da intolerância na última Assembleia Geral, com ameaças de agressão e insultos aos críticos, anunciando-se alterações ao regimento das Assembleias Gerais que podem por em causa a democraticidade do clube. Mais grave; na BTV, figuras algo notáveis, põem em causa a legitimidade dos sócios para interferirem nas questões do futebol, considerando-as da exclusiva responsabilidade dos acionistas da SAD! Lembro que uma das razões aduzida para o afastamento de Azevedo foi a de que tinha em marcha um plano de apropriação do clube! Não é o que temos hoje por parte de quem disse querer impedi-lo?

   Nenhuma entidade progride sem dissidência, porque ninguém, por si só, tem o dom da omnisciência. Alienar contributos, construtivos e empenhados, pode evitar, ainda que temporariamente, o desconforto da entropia, mas restringe a amplitude das opções e compromete o futuro.

   Tal requer um espaço de debate construtivo e permanente. Há que encontrar a fórmula mobilizadora que fortaleça as políticas desportivas ou administrativas sem comprometer o projeto global, que só pode ser um: Ganhar, onde quer que seja, contra quem quer que seja!     

A defesa do clube

   A estratégia de low profile que tem sido seguida em matéria de defesa do clube-sad, restringindo-a a comunicados, protestos processuais nas instâncias da tutela desportiva ou queixas judiciais, é manifestamente insuficiente.

   O abandono do espaço público, deixando as acusações e enxovalhos sem contraditório não gera empatia, nem entre o público, nem entre os opinion makers. Neste particular a saída de João Gabriel deixou um vazio pernicioso.  

   Na frente institucional, está em causa a reiterada cortesia com que a presidência do Benfica se relaciona com os dirigentes da Liga e da Federação - apesar da insistente perseguição que estas instituições têm movido ao clube; seja no plano financeiro com castigos astronómicos, seja no plano disciplinar com punições desproporcionadas e excecionais, seja no plano desportivo, com calendários inadequados e escalonamento de árbitros de tradicional “má-sorte” nos jogos do clube -, a qual tem sido entendida, ou pressentida, como de submissão, sinal de impotência, encorajador da prevalência do status-quo, e não de tolerância ou de empenhamento na pacificação do futebol.

   Uma oportunidade perdida foi aquilo a que assistimos em plena Assembleia da República, quando, numa época de intensos e sucessivos ataques públicos ao Benfica, ocorreu a audiência pedida pela FPF, que se julgava destinar-se à mobilização da classe política na pacificação e moralização do futebol. Silêncio, penoso silêncio, ante as “lampanas” de promotores e facilitadores da intolerância e violência no desporto, foi o contributo do Presidente do Benfica! Uma ou duas frases, a preceito, bastariam.

  A dissuasão dos agressores faz-se responsabilizando-os nos locais próprios, contraditando-os e votando-os ao ostracismo no clube.

 A Promiscuidade

   A credibilidade de um qualquer dirigente também passa pelo escrupuloso cuidado em separar os respetivos negócios privados com os da entidade que dirige. Sem estar em causa a legitimidade concreta, não é de bom-tom desenvolver projetos imobiliários em zonas outrora afetas ao clube, nem tão pouco manter negócios com entidades bancárias comuns. Tal como não é salutar manter uma relação de exclusividade com um empresário de jogadores, o qual, simultaneamente, desenvolve idêntica atividade junto dos principais rivais.

   Qualquer dos casos tem efeitos perniciosos, quer junto dos adeptos, minando a confiança, quer na opinião pública geral, sempre sedenta de escândalos, quer junto dos rivais e seus aliados, peritos na arte de mistificar e sobrevalorizar qualquer mal-entendido.
Peniche, 23 de Setembro de 2019
António Barreto

(Aristide Maillol - La grande baigneuse à la draperie or La Seine, in 1921)

domingo, 27 de outubro de 2019

Um Novo Ciclo Para o Benfica (3)


O sorvedouro

   Duzentos e oitenta milhões de euros - salvo o erro - foi o que se faturou em transferências no ano em que o penta se nos escapou por entre os dedos, por uns míseros dois pontos! Pois nem se reforçou a equipa, nem se amortizou o passivo com esses proveitos! Recorreu-se à dação de receitas futuras comprometendo a competitividade desportiva imediata!

   Trezentos milhões de euros foi a receita do exercício transato, tendo-se repetido os erros anteriores; nem se reforçou a equipa adequadamente, ficando vulnerável nalguns setores, arriscando novo fracasso, nem se vislumbra intenção de redução do passivo!

   Num exercício simplista, mas realista do ponto de vista do adepto comum, se com tal nível de receitas não há excedentes orçamentais, tal significa que os encargos de estrutura são demasiado elevados. E mais elevados ficarão com a execução do projeto de expansão do Seixal!

O estilo

   Nem o modo messiânico nem o de homem providencial são compatíveis com a tradição e cultura do clube, nem com as práticas da boa gestão. É o que tem prevalecido na retórica e na ação da Direção atual, substituindo-se à colegialidade e democraticidade mobilizadoras e criativas.  

 A reputação

   Os casos que nos últimos dois anos vieram a público envolvendo pessoas ligadas ao Benfica, ainda que não provados em sede própria, ainda que resultando de ações criminosas externas, produziram danos reputacionais no clube-sad, constituindo um retrocesso neutralizador, em grande parte, do magnífico trabalho de credibilização efetuado nos primeiros anos deste ciclo. E, ainda que nenhuma responsabilidade direta venha a ser atribuída ao clube-sad e, ou, aos seus dirigentes, eventuais condenações efetivas de figuras próximas, implicarão sempre demissões ao mais alto nível. Um líder tem sempre responsabilidade ética relativamente aos atos cometidos pelos colaboradores que escolheu.

 Aa clivagens

      A diabolização permanente e persistente da gerência de Vale e Azevedo pela atual Direção dividiu os adeptos, deixando muitos deles de “pé atrás”. O efeito pernicioso de tal insistência nunca foi entendido, nem tão-pouco quão importante era para o clube-sad que os “acertos de contas” se tivessem feito intramuros. Ou, percebendo-o, tem sido essa a intenção.

   Além da proteção da figura institucional, sobreleva a questão humana; o ex-Presidente Vale e Azevedo, mesmo após cumprimento integral do cúmulo jurídico - deve ser caso único na justiça penal portuguesa - tem sido perseguido implacavelmente, como se, informalmente, tivesse sido condenado a prisão perpétua! Por mais penas de prisão que cumpra é-lhe sempre negado o direito à reabilitação! E esta Direção tem “ajudado à festa”! Deplorável!

   Não menos grave, é a atitude, envergonhadamente reverencial, a Joaquim Oliveira e seu universo empresarial. Enquanto se afirma, reiteradamente, o dever de gratidão do clube-sad para com ele, os adeptos vêm-no como inimigo; pelo seu vínculo afetivo e institucional ao rival do Porto, pela discriminação com que uma das suas participadas, a Sport-TV, trata o clube da Luz, pelo controlo implícito dos clubes pela via do financiamento e por outras afinidades e alianças frequentemente adversas ao Benfica.

   É neste contexto que os adeptos vêm, desde sempre com grande preocupação, a presença de empresas do grupo Oliveira no clube e a participação do próprio no concelho de administração da Sad.

   Insistir no discurso da gratidão é, pois, insistir no divisionismo e no enfraquecimento da massa adepta do clube. Pelo contrário; foi o Benfica que proporcionou a ascensão económica de Oliveira ao conceder-lhe os direitos desportivos por tuta e meia, os quais lhe permitiram faturar abundantemente, concretamente pela expansão da Sport-tv, proporcionando-lhe múltiplos retornos, financeiros e institucionais.

   Por coincidência, ou não, o tetra-campeonato sucedeu no período em que o Benfica detinha os seus próprios direitos desportivos, com orgulho de todos os adeptos, que viam na BTV a sua guarda-avançada. Não obstante, resolveu a Direção vender de novo os direitos à mesma entidade, então reformulada, contribuindo para o ressurgimento da velha estrutura de má memória. O resultado não se fez esperar; o penta esfumou-se e o BPN recuperou os seus cem milhões adiantadamente, creio.

   E é isto que muitos benfiquistas não perdoam à atual Direção; a dependência relativamente a um dos administradores de um dos principais rivais, e esta pretensa magnanimidade relativamente a estes, apesar de, reiteradamente empenhados na infame tentativa de destruição da reputação do Benfica, visando, objetivamente, inviabilizar o seu financiamento no mercado de capitais e consequente estrangulamento financeiro.
Peniche, 23 de Setembro de 2019
António Barreto

(Boris Grigoriev, Madre, 1915)

sábado, 26 de outubro de 2019

Um Novo Ciclo Para o Benfica (2)


O Estádio

   Salvaguardando eventuais deficiências estruturais ou constrangimentos económicos associados ao velho Estádio, que desconheço, considero ter-se cometido um erro grave com a sua demolição. Era o primeiro grande pilar do benfiquismo; único, grandioso, palco de grandes feitos desportivos, amado pelos benfiquistas, admirado e temido pelos grandes adversários. Perante as fracas assistências que se verificavam à época, optou-se pela construção de um estádio mais pequeno, relativizando a visão de outros dirigentes e ex-dirigentes, como Fernando Martins, segundo a qual não era o estádio que era grande mas a equipa que era pequena. Curiosamente, cerca de 15 anos e 400 milhões de euros depois, concluiu-se que, afinal, o estádio modular, estandardizado, é pequeno! Ou seja, não se percebeu a grandeza social do clube, com a agravante de se ter gerado um endividamento inibidor da competitividade da equipa principal de futebol, razão da ausência de títulos durante mais de uma década.

   Recordo que, à época, havia um projeto de requalificação do velho estádio, da autoria de Tomás Taveira, no valor de 4 milhões de contos - cerca de 20 milhões de euros! O passivo do Benfica seria da ordem dos 2 milhões de contos - cerca de 10 milhões de euros - e havia garantido um financiamento de cerca de 20 milhões contos - cerca de 100 milhões de euros. Não creio que Taveira se tenha envolvido num projeto condenado ao fracasso. Contas saldadas, restariam cerca de 70 milhões de euros para investir de imediato na equipa principal de futebol. Que teria acontecido? Mais competitividade, mais títulos? Nunca saberemos!

 A Doutrina

   Justificou-se a longa travessia do deserdo - de títulos - com a necessidade de reestruturação económica e financeira do clube e de modernização e expansão das suas infraestruturas desportivas. Cerca de uma década depois, chegado o ciclo das vitórias, ante o fracasso do penta-campeonato e as miseráveis prestações sucessivas na Liga dos Campeões, desdramatizam-se as derrotas, aludindo, ora à necessidade de vitórias dos rivais, ora às discrepâncias orçamentais relativamente aos adversários europeus, e, pasme-se, aos maus hábitos dos adeptos! A determinação inquebrantável de vitória foi substituída pelo conformismo; “…que não podemos ganhar sempre…,que é preciso saber perder….,que temos que dar valor aos adversários….,que ganharemos mais tarde…., que somos diferentes….!

 A ambição:

 Atualmente, com a entrada direta na Liga dos campeões, um grupo acessível, e os cofres, alegadamente, a abarrotar, desinvestiu-se na equipa, condenando-a a mais um desempenho vergonhoso na Europa! Em contrapartida, anuncia-se mais um longo ciclo de betão e a promessa vaga, de uma vitória europeia com recurso ao produto da “fábrica” interna. Ou seja, o foco do clube deslocou-se do “querer ganhar”, para o negócio de jogadores e das obras. Ainda na véspera do jogo com o Zénit podemos ouvir, na BTV, um comentador residente alegar, com veemência, da falta de condições do Benfica para rivalizar com os “tubarões” europeus; esquecendo-se de que, tais diferenças, já existiam nos anos sessenta, quando o Benfica emergiu entre os maiores. No dia seguinte a equipa teve um comportamento desastroso jogando muito abaixo do que sabe e pode! Por mim, tal sujeito seria, imediatamente, convidado a sair, e não voltaria a pisar o chão do estúdio. Um Benfica envergonhado é o que se vislumbra bem lá no fundo do projeto em curso. É esta a nova bitola do Benfica; um clube a viver do prestígio passado mas incapaz de construir as memórias do futuro.

 A estratégia

   Construir um grande Benfica com base na formação interna é um plano que agrada a todos os benfiquistas, porém utópico, seja pela dificuldade em manter os talentos da formação até à maturidade competitiva indispensável às grandes competições, seja optando pela rejeição de contributos externos. De todo o modo, o horizonte que vai sendo apontado, dez a quinze anos, é incompatível com as aspirações dos adeptos e os pergaminhos do clube. O edifício que urge reconstruir é imaterial, é afetivo, e não de betão!
Peniche, 23 de Setembro de 2019
António Barreto
(Man and Woman by the sea)

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Um Novo CicloPpara o Benfica (1)


Um novo ciclo para o Benfica

  
As circunstâncias em que ocorreu o fracasso do penta campeonato, corolário de uma gestão desportiva atabalhoada da equipa principal de futebol, levaram-me a rever, ainda que sumariamente, as principais realizações efetuadas no clube-SAD na última década e meia, grosso modo. 

   Reconhecendo a notável recuperação efetuada e os largos créditos devidos à Presidência atual, considero que o Sport Lisboa e Benfica carece, atualmente, de recentramento do seu projeto em termos globais, e, em especial, o da área do futebol; o propulsor de todos os outros.

    No percurso no período em causa merece especial relevância a qualidade da formação alcançada no futebol, a expansão das modalidades, a preservação e divulgação do património desportivo, a intervenção social e a diversificação das fontes de financiamento.

   De facto, a qualidade da formação no futebol tem superado, largamente, as expetativas mais otimistas, lançando uma boa mão cheia de jogadores de alto nível a proporcionarem excelentes retornos financeiros e desportivos e a difundirem a imagem institucional do clube além-fronteiras.

   Atuando em todas as modalidades coletivas de pavilhão foi brilhante a ascensão que se verificou nalgumas delas - hóquei, basquete, futsal e voleibol -, recuperando posições quando os rivais pareciam inamovíveis e mantendo-as durante períodos consideráveis.  

   Nas modalidades ao ar livre o feito histórico radica no atletismo, onde se destronou o principal e histórico rival, e na consolidação do projeto, do qual se destacam as disciplinas de velocidade, meio-fundo, lançamento do peso, triplo salto e triatlo.

   A execução do museu, uma aspiração eternamente adiada das Direções precedentes, assume caráter relevantíssimo enquanto memória perene e instrumento de difusão da história e cultura do clube, revendo histórias, catalogando, recuperando e expondo troféus, alguns dos quais se encontravam em degradação e, ou, semiperdidos. Um justo tributo aos que contribuíram para o engrandecimento do clube e um incentivo para os novos construtores de memórias.

   Na área social é uma enorme satisfação constatar o impacto que tem sido obtido junto de centenas, milhares de jovens, por parte da Fundação Benfica, mudando comportamentos, suscitando maior envolvimento daqueles com a escola e com a família. Uma demonstração inequívoca da dimensão social e humana que um desporto, tantas vezes aviltado e ostracizado como o futebol, encerra.  
Porém, em todo o trajeto deste período verifico, em vários momentos, uma discrepância vital com a cultura do grande Benfica a que me habituei, assim:
(Continua)
(Amadeo Modigliani)
Peniche, 23 de Outubro de 2019
António Barreto