Desporto

sábado, 20 de abril de 2019

Portugal Traído: o 25 de Abril



Portugal Traído

Fernando Pacheco Amorim

(Edição de Autor)
(anotado)
 
O 25 de Abril  
A 17 de Março, após a traição da véspera, militantes do Partido Comunista contactam as mulheres dos oficiais presos prometendo libertá-los até dia 1º de Maio. Ao terem conhecimento, aqueles responderam preferir a prisão a serem libertados pelos comunistas. Nas fileiras do Movimento reina o medo de novas prisões.
   Encorajado pelo PC e coadjuvado por este e alguns camaradas, Otelo reorganiza o Movimento, formando uma nova Comissão Coordenadora. Dela fazem parte, Hugo dos Santos, Melo Antunes e Pinto Soares. Estes oficiais foram os canais do PC no Conselho dos Vinte. Hugo dos Santos fez o papel de ingénuo útil, dado o seu perfil político de direita. 
   Pressionados pelos comunistas, que ameaçavam desencadear uma extensa ação de terrorismo no dia 1º de Maio visando o assassinado de algumas personalidades da vida política e social e ações de terrorismo indiscriminadas, os conjurados escolheram o dia 25 de Abril para o levantamento, bem como os respetivos chefes operacionais; Hugo dos Santos, Jaime Neves, Miquelina Simões e Otelo Saraiva de Carvalho. Tal como no 16 de Março, escasseiam as tropas aderentes. 
   Apesar de ter conhecimento destas movimentações e dos reiterados avisos do Chefe de Estado, o Governo não tomou qualquer diligência, supostamente, em virtude da via informal da informação que lhe ia chegando. Na verdade não seria assim tão informal, já que um funcionário superior da DGS, pelas 18 horas do dia 24, informou o Ministro da Defesa Nacional, dr Silva e Cunha, de que na madrugada seguinte sairia um movimento militar. Este, não só não acreditou, como ameaçou de prisão o funcionário, poe duvidar da integridade das Forças Armadas. Atitude idêntica teve o Ministro do Exército, jogando bridge até cerca da uma hora da madrugada seguinte.
   Na madrugada de 25 de Abril dirigem-se para Lisboa algumas companhias - num total de oficiais entre 160 a 200, incluindo os de complemento, e cerca de 2000 soldados - mal equipadas; reduzidos veículos blindados, a maior parte das armas sem munições e grande parte dos soldados, recém-recrutados. Apesar disso e da fragilidade do plano estratégico - as forças não aderentes ou fiéis ao Governo, salvo exceções, não foram neutralizadas, nem se ocuparam os pontos-chave -, graças à adesão da população, o movimento foi um sucesso.
   A falta de preparação das forças revoltosas foi tal que pareciam contar com a passividade das forças leais ao Governo. Entre estas contavam-se o Regimento Motorizado de Lanceiros 7, a Guarda Nacional Republicana, todos os efetivos da DGS, e a maioria dos efetivos da Força Aérea e da Armada. Os sucessivos pedidos de autorização de intervenção, do diretor da DGS a Marcello Caetano, prometendo o domínio da situação até às 17 horas, foram recusados, com a desculpa de se pretender evitar um banho de sangue. A passividade de Marcello Caetano quebra o moral dos ministros enquanto a Força Aérea e Armada, aderem ao Movimento. FPA referencia a revista “insuspeita” espanhola Índice, a qual, por sua vez, assegura a existência de gravações das conversas entre a DGS e Marcello Caetano, ao longo do processo.
   A ideia prevalecente após o 16 de Março, de que a motivação do 25 de Abril fora a de libertar o país de uma ditadura e instituir uma democracia pluralista, escondia a verdadeira, a da derrota militar. Com a alteração do comando do Movimento na sequência do 16 de Março, o objetivo oculto, controlado pelos elementos afetos ao Partido Comunista, foi o de instaurar uma ditadura marxista no país. 
   A disputa internacional entre o bloco euro-americano, por um lado, e o bloco russo, por outro, pelos territórios ultramarinos portugueses, acabou com a vitória destes. O PC tomara as rédeas da revolução adaptando-se às circunstâncias, recuando quando necessário e avançando quando possível. Tal como hoje, em 2019. Em 11 de Outubro de 1974, Otelo Saraiva de Carvalho, dá uma entrevista ao “Jornal do Brasil”, na qual disse: “Sim, o General travava o Movimento, tornava difícil o funcionamento da Revolução. Era preciso afastá-lo. Mas é justo dizer que não era o General que descumpria o Movimento do MFA. Acontece que antes do 25 de Abril os oficiais do Movimento acertaram o Programa com o General, porque precisavam dele. Então foram feitas muitas concessões, o Programa não saiu como queríamos. Os factos, porém demonstraram que estávamos certos, que não devíamos ter concedido. O que estamos fazendo é uma volta às inspirações iniciais do Movimento, o Programa como era antes, principalmente na descolonização e na política antimonopolista.” Otelo foi um dos “ingénuos úteis” do Movimento, usados pelo PC; uma velha tática que subsiste, quatro décadas depois.
  O Comandante Jorge Correia Jesuíno, Ministro da Comunicação Social do Governo de Vasco Gonçalves, camarada, admirador e colaborador do Almirante Rosa Coutinho, aderente tardio ao MFA, chegou a referir publicamente o arrependimento deste por ter-se comprometido com o pluralismo partidário; só o PC revelara a competência a rapidez e a pontualidade de que o governo Gonçalvista carecia para o exercício da governação! Todos os outros, PS, PPD e CDS, se mostraram de tal modo ineficazes que o seu contributo era considerado dispensável. Rosa Coutinho chegou mesmo a defender a constituição do MFA em partido representante de toda a sociedade civil! A disputa partidária pelo poder incomodava os militares, que viam preteridos os objetivos considerados prioritários. Tal era o empenho do MFA na democracia pluralista. 
   O lobby euro-americano, decisivo no sucesso do 25 de Abril, acabou ultrapassado, sem o perceber, pela estratégia do Partido Comunista. Com efeito, as diligências realizadas pelo General Spínola no final de Março, asseguraram os apoios institucionais da comunidade ocidental, nomeadamente dos setores financeiro e político, ao programa do Movimento dos Capitães, que atualizara. D. António Ferreira Gomes defende o plano de Spínola na Santa Sé, obtendo a aprovação do Santo Padre. Thorsten Andersan, Diretor da Lisnave, emissário do General, através do célebre clube Bilderberg, reunido em Megève em França entre 19 e 21 de Abril, obtém o acordo geral, incluindo o do Secretário-Geral da NATO Joseph Luns. Finalmente, graças ao prestígio do General Spínola, estava aberta a via “verde” para o golpe revolucionário; Fundeada no Tejo, na véspera do 25 de Abril, uma esquadra da NATO dissuade os “ultras” - generais afetos ao Governo - de uma ação contrarrevolucionária. Previamente o Movimento dos Capitães tinha elegido um comité de acompanhamento de Spínola, constituído por Otelo, Garcia dos Santos, Lopes Pires e Vitor Crespo.
   Custa a crer como tantas altas individualidades se deixaram enganar pelo Partido Comunista! O caso é que, agentes ao serviço de Moscovo, que colaboravam secretamente com o comandante Conceição e Silva na Comissão de extinção da DGS, apoderaram-se de todos os documentos da NATO e muito outros altamente confidenciais. Quer Spínola, quer os Capitães, quer a comunidade ocidental, focados no derrube do regime, não se aperceberam das manobras subversivas dos comunistas, ou desvalorizaram-nas. 
   Ofuscadas pelos mitos dos imperialismos, as populações dos pequenos países, especialmente urbanas, acabam por perder o sentido dos seus legítimos interesses, bem como a capacidade de avaliar as situações concretas e dos que falam em seu nome. Para FPA o 25 de Abril é exemplo pungente desta realidade ao propiciar a ascensão de uma classe dirigente medíocre, ignorante e imbecil. Um fenómeno que pode explicar-se pela identificação das massas com aquelas classes. 
   FPA, arrasa os membros do primeiro Governo provisório referindo os casos de Vasco Gonçalves, medíocre oficial de engenharia e desequilibrado mental, do comandante Jesuíno, oficial de baixa patente na Marinha, inteiramente desconhecido nesta, do major Melo Antunes, oficial que nem pelo saber nem pelo sabre se distinguira, cujo plano económico de emergência fracassou e a quem foi atribuído, sem causa, a pasta dos estrangeiros, generalizando a todos os restantes membros do Governo: “em todos os postos de importância da vida do país se encontram militares medíocres, porteiros, delinquentes, lésbicas agressivas e prostitutas diplomadas”. Uma realidade cuidadosamente escondida da opinião pública internacional pelos que a controlavam na medida em que servia os seus interesses. A única vítima digna de lástima, terá sido o Povo Português.
   Portugal, consciente da sua dignidade, dos imperativos da sua cultura e da sua História e da importância da sua posição na sobrevivência do mundo livre, não quis enveredar pela via dos interesses e da chantagem bipolar, adotando, honradamente, a defesa dos princípios. “…a maioria dos dirigentes políticos dos dirigentes do Ocidente, não são, hoje, mais que marionetes nas mãos dos grandes interesses financeiros, indiferentes à defesa da nossa civilização, jogando com os interesses e a vida dos povos do mundo, com a frieza e a indiferença com que conduzem os seus negócios. Portugal foi vítima desses interesses e continuará a sê-lo se não assumir, após esta dolorosa experiência, o comado da sua própria história.”
Foto: Batalha de Alcácer Quibir

Peniche, 20 de Abril de 2019
António Barreto

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Portugal Traído O 16 de Março (notas 3)


Portugal Traído

Fernando Pacheco Amorim

(Edição de Autor) 
O 16 de Março




O Movimento dos Capitães decorria com o conhecimento geral. Apesar do conhecido propósito de derrubar do Governo, este limitava-se a acompanhar o processo vigiando discretamente alguns oficiais. O Capitão Clemente foi preso na Trafaria e Vasco Lourenço e António Ribeiro foram enviados para os Açores onde foram encontrar Melo Antunes, conhecido marxista. A expetativa do fracasso da insurreição, da qual eram corresponsáveis, fazia-os temer as consequências.
   Kaulza de Arriaga, ex-Governador Militar de Moçambique, propõe a Marcello Caetano um golpe de Estado contra a “velha guarda” militar fiel a Américo Tomaz. Os ventos da mudança tinham-se feito sentir; o Brasil, porta de entrada do grande capital em África, pela primeira vez abstivera-se numa votação da ONU contra a política colonial de Portugal.
   António de Spínola e Costa Gomes dissuadem a “velha guarda” de impor a Marcello Caetano o endurecimento do regime. Este, cria, pela primeira vez, o cargo de Vice-chefe de Estado-maior do Exército e, como reconhecimento, atribui-o a Spínola. A publicação de “Portugal e o Futuro”, autorizada pelo Ministro da defesa e, supõe-se, com o conhecimento de Caetano, provoca um abalo político nas altas esferas entre os defensores da autodeterminação e os da independência branca. A consequência foi a demissão de Costa Gomes e António de Spínola; este por ter escrito o livro, aquele por o ter autorizado e induzido em erro o Ministro. Tal foi imposto a Caetano pelo Chefe de Estado, após o conhecido episódio do “beija-mão” em que as altas patentes - exceto Kaulza de Arriaga, Silvino Silvério Marques e Jaime Silvério Marques - asseguraram apoio ao chefe do Governo.


   FPA considera que Marcello Caetano partilhava os pontos de vista dos generais insurgentes e que anuíra à ordem de demissão para manter o poder. Esta tese contraria os conteúdos de “O Depoimento”, em que Marcello apelida Spínola de fujão, e de “Portugal e o Futuro”, em que Spínola afirma que Caetano recusava uma solução política para a questão colonial.


   Veiga Simão, íntimo amigo de Spínola e com ligações ao Movimento dos Capitães através do Major Mariz Fernandes, faria a ponte destes com o Presidente do Conselho, provável causa da passividade deste na madrugada do 25 de Abril.


   Dá-se a última reunião plenária do Movimento dos Capitães, em Cascais, nas traseiras do restaurante “João Padeiro”, onde a Força Aérea e a Armada se recusam a participar no Movimento, garantindo neutralidade. Pela primeira vez é apresentado e aprovado o Programa do Movimento; uma comissão de cinco oficiais tinha sido incumbida de a redigir - coronel Vasco Gonçalves, major Charais, major Melo Antunes e capitães Hugo dos Santos e Pinto Soares. Há fortes indícios da interferência oculta do Partido Comunista, via Melo Antunes, com o qual mantém íntimo contacto. Costa Gomes colabora, desde o início, com a Comissão de Redação. O espírito de corpo e a impreparação política dos militares conjurados facilitou as infiltrações comunistas. A chefia do Movimento cai no General António de Spínola após renhida discussão na qual chegou a optar-se pela chefia deste, partilhada com Costa Gomes. Estava criada a primeira cisão no movimento dos capitães.


   Informado da decisão e do conteúdo do Programa, António de Spínola, alarmado com o teor marxista, altera-o e mostra-o a Costa Gomes. Para grande surpresa daquele, este disse nada saber sobre o Movimento ou o Programa. Insistindo Spínola - alegando que tinham sido ambos escolhidos para chefiar o Movimento -, Costa Gomes disse-se à margem de qualquer atividade revolucionária, lendo os documentos a título pessoal e concordando com as alterações efetuadas por Spínola. Dois dias antes da saída das tropas, Costa Gomes deu baixa ao Hospital Militar da Estrela onde se encontrava no 25 de Abril. A alcunha de Judas que lhe tinha sido atribuída pelos colegas no Colégio Militar ganhou consistência.


   A 15 de Março, Almeida Bruno, Casanova Ferreira, Manuel Monge, Otelo e Armando Marques Ramos, reúnem-se para ultimar os detalhes operacionais do pronunciamento marcado para dia 19. A unidade de Operações Especiais de Lamego comunica que tenciona entrar em ação, de imediato; Lochener Fernandes, comandante do Regimento de Cavalaria 6, indignado com a cerimónia do “beija-mão”, entregou o comando ao comandante da Região Militar do Porto e este, alarmado, ordenou o estado de prevenção rigorosa a todas as unidades. Lamego não acatou e decidiu agir. Face aos acontecimentos antecipou-se o golpe para dia 16.


   Seguiu-se, de imediato, a persuasão dos quartéis; A GNR não adere mas promete moderação em caso de receber ordem de repressão; adere a Escola Prática de Cavalaria de Santarém; a Escola Prática de Infantaria de Mafra não chegou a ser contactada em virtude de uma contraordem recebida pelo emissário, major Casanova Ferreira, ainda em Santarém.


   Manuel Monge e Jaime Neves dirigem-se ao Regimento de Cavalaria 7 da Ajuda onde contactam o respetivo comandante, coronel Romeiras. Este, surpreendido, fica de contactar Costa Gomes e António de Spínola antes de se comprometer. A resposta tranquiliza os emissários.


   Armando Marques Ramos segue para as Caldas da Rainha com a missão de assumir o comando do Regimento de Infantaria 5.


   Otelo Saraiva de Carvalho, incumbido de conduzir António de Spínola ao Porto, segue para casa. A pouca importância da missão e o facto de não ter chegado a concretizar-se, livrá-lo-ia da prisão e valer-lhe-ia o convite do PC para encabeçar o movimento decapitado.


   Contrariamente ao prometido, o coronel Romeiras informa o ministro do Exército Andrade e Silva da rebelião. O Regimento de Cavalaria 7 tinha sido escolhido para posto de comando dos revoltosos, onde, chegado o momento, se dirigiria Costa Gomes. No Porto, de reserva noutro posto de comando, ficaria António de Spínola. O Governo toma providências comprometendo o golpe. Alguns helicópteros são colocados em Monsanto prontos a descolar para Espanha com o Chefe de Estado e seus fiéis. O Chefe do Governo e a sua equipa confiavam na convergência dos propósitos dos sublevados com os seus objetivos


   Ante o alerta do coronel Romeiras, os responsáveis da insurreição em Lisboa decidem cancelar a ordem de saída. A contraordem chega tarde ao Regimento das Caldas da Rainha, onde o capitão Virgílio Varela tinha assumido o comando depois de ter prendido o respetivo comandante.


   E é assim que, pelas 4 horas da manhã, sai de Caldas da Rainha uma coluna militar com abundante material pesado, cerca de duzentas praças e vários oficiais, com destino ao aeroporto da Portela, comandada pelo capitão Armando Marques Ramos coadjuvado pelo tenente Vitor Carvalho. Casanova Ferreira e Manuel Monje, apercebendo-se do movimento, vão ao encontro da coluna e convencem o seu comandante a retroceder. No regresso cruzam-se com algumas tropas da GNR que não intervém. O ambiente de euforia que encontram à chegada ao quartel, onde se espera a entrada em ação das outras unidades, foi esmorecendo com o passar do tempo. Ao meio-dia o Regimento é sitiado por forças comandadas pelo brigadeiro Serrano, segundo comandante da Região Militar de Tomar, das quais fazem parte os Regimentos de Infantaria 7 e 15, a Escola Prática de Cavalaria, a Guarda Nacional Republicana e a Polícia de Segurança Pública. Pelas 18 horas, após infrutífero diálogo, o brigadeiro Serrano, frente às tropas de infantaria 7, entra no quartel e manda prender todos os trinta e três oficiais que lá se encontram. Destes, vinte e dois são entregues no Regimento de Artilharia Ligeira 1, em Lisboa, e os restantes, considerados os mais perigosos, seguem para a Casa de Reclusão do Governo Militar de Lisboa, na Trafaria, onde já se encontra preso o tenente-coronel Almeida Bruno, detido na Academia Militar. Armando Marques Ramos e Virgílio Varela fazem parte do segundo grupo.


   Segundo FPA, o fracasso do golpe não se deve à denúncia do coronel Romeiras mas à traição dos oficiais comprometidos com o Partido Comunista. Estes, com influência no Movimento, não controlavam o respetivo comando. A não transmissão da contraordem aos conjurados do Regimento das Caldas da Rainha, na sua maioria spinolistas, teria tido o objetivo de os afastar do Movimento; com os principais operacionais presos, o Movimento ficou decapitado e o caminho livre para o Partido Comunista lhe dar um líder marxista.


   O fracasso do 16 de Março liquidou a esperança de uma verdadeira renovação política do país; os oficiais presos representavam a oficialidade combatente, a que melhor representava o pensamento e a vontade das forças armadas. Os jovens capitães não marxistas, que tinham lutado com abnegação, que tinham aderido ao Movimento cheios de boas intenções, foram traídos por forças cujas existência ainda desconheciam; uns foram presos, outros exilados. Chega a ser comovente como nem sequer se tenham apercebido que estavam a ser manipulados.


FPA termina o capítulo com a convicção de que, no final deste processo, sairia um Portugal Renovado pela ação de civis e militares. E saiu, com o 25 de Novembro, iniciando um ciclo que, hoje, em 2019, parece velho e esgotado.
 Foto: Catedral de Zamora, onde D. Afonso Henriques se coroou Rei de Portugal
Peniche, 16 de Abril de 2019
António Barreto
 

sábado, 13 de abril de 2019

Portugal Traído (notas 2)


Portugal Traído

Fernando Pacheco Amorim

(Edição de Autor)
 
Os antecedentes do 16 de Março:

      
Este capítulo tem revelações surpreendentes: uma delas reside na citação de um analista espanhol segundo a qual o regime de Salazar era uma diarquia e não era uma ditadura! O poder efetivo residia, em primeira instância, na maçonaria do rito escocês, razão pela qual, Salazar, aceitava que o cargo de Presidente da República fosse assegurado por um dos seus membros qualificados da estrutura militar- no caso, Gomes da Costa, Óscar Carmona, Craveiro Lopes e Américo Thomáz – o que lhe permitia manter-se à frente do Governo. Costa Pimenta, em “O Relato Secreto da Implantação da República” refere - pág, 27 - a loja de Coimbra “A Revolta”, criada por Bissaya Barreto, onde Salazar pode ter sido iniciado. Havia, de facto uma grande amizade entre Bissaya Barreto e Salazar, ao ponto de aquele manter um relacionamento privilegiado com este e Henrique Galvão, como consta no livro de Pedro Jorge Castro “O Inimigo nº 1 de Salazar”.  A primeira vez que li referências ao envolvimento da maçonaria com Salazar, foi no romance de Joel Costa “Aquela Noite no Ritz” no qual se depreende que a morte do ditador terá sido planeada e executada por membros daquela organização, referenciados pelos seus nomes maçónicos. Sabia que o Golpe Republicano consistiu na disputa entre os ramos monárquico e republicano da maçonaria, mas desconhecia a sua influência no Estado Novo. Uma revelação.

   Fernando Pacheco Amorim, na sua obra publicada em 1964 “Para Onde Vamos?”, faz uma análise exaustiva do anacronismo, tipicamente colonial, da estrutura político-administrativa dos territórios ultramarinos, reclamando a necessidade urgente de a reformar; a integração da população nativa era um requisito essencial para a manutenção da unidade nacional. O mal-estar daquelas comunidades, incluindo uma grande parte da população branca, constituía a infraestrutura de suporte dos inimigos internos e externos de Portugal.

   O imobilismo reformador de Salazar, segundo o autor, ficou a dever-se à influência da maçonaria do rito escocês e aos grupos financeiros internacionais a que estava ligada. A manutenção do status quo assegurava-lhes os monopólios e a decorrente maximização dos lucros, pela exclusividade da oferta e pelos baixos custos de mão-de-obra, muita dela exercida em regime de baixos salários ou servidão. Grupos estes que passaram a defender a descolonização, acompanhando as deliberações da ONU, na perspetiva de assumirem posições de domínio nos novos países, com a estratégia do neocolonialismo (obtenção de privilégios em contrapartida pelo sobre-endividamento dos novos países).

   Por outro lado, os oposicionistas de Salazar infiltrados no aparelho de Estado, Botelho Moniz - Ministro da Defesa - e o seu adjunto Costa Gomes -, adeptos da autodeterminação, discretamente, foram desarticulando o dispositivo militar tornando-o ineficiente, com a finalidade de arrastar a guerra forçando a solução política. A estes oponham-se os partidários da independência branca, do tipo da que se verificara na Rodésia e na África do Sul, simulando empenho na integração. Nas altas esferas do Estado estas duas posições digladiavam-se entre si. Afastada a estratégia de integração efetiva, a preferida pela generalidade da população, estavam criadas as condições para a rotura, objetivo de americanos, soviéticos, ex-colonizadores e os países do norte da Europa em geral.

   Os ataques de 4 de Fevereiro à Casa de Reclusão e a uma esquadra de polícia em Luanda prenunciavam o massacre de 15 de Março. Desvalorizando sucessivos relatórios com alertas de invasão iminente, proibindo e punindo manifestações alarmistas, o Governo português descurou a organização da defesa do território angolano deixando a população desprotegida.

   Foram os colonos que, resistindo à invasão de 15 de Março, impediram a tomada de Angola pelas forças do movimento de Holden Roberto, a UPA, treinadas na República do Congo por oficiais franceses, ex-combatentes da Argélia.

   Contida a incursão, Botelho Moniz e Costa Gomes não desistiram e tentaram mudar o poder em Lisboa através de um golpe militar. Fracassado este, apenas aquele e mais dois ou três oficiais generais passaram à reserva sem que tivessem sido sujeitos a procedimento judicial. Os restantes envolvidos mantiveram as suas funções, continuando a desenvolver o seu trabalho de subversão e desarticulação do aparelho militar e administrativo. Foi, então, voz corrente, que, entre os implicados civis, se contava Marcello Caetano. Poderosas eram as ligações internas e externas dos insurgentes.

   Totalmente despolitizadas e feridas na sua honra pelos acontecimentos de Goa, as Forças Armadas, aceitaram com entusiasmo e patriotismo a tarefa de pacificação dos territórios africanos, até se sentirem traídos na sequência da ascensão de Marcello Caetano à chefia do Governo. Submetidos a sucessivas missões no ultramar, perante a inação política do Governo, os oficiais, desorientados e inquietos, receavam vir a ser bodes expiatórios duma eventual derrota, tal como acontecera em Goa.

   Acresce que, a manobra de subversão no seio das Forças Armadas, acelerada pela “primavera” marcelista, começou a dar frutos. Oficiais milicianos oriundos das universidades públicas - de quadros renovados na célebre reforma de Veiga Simão -, onde foram convertidos à ideologia marxista, colaboravam com os terroristas informando-os das operações militares e deixando-lhes mantimentos no mato a fim de lhes proporcionarem maior profundidade de incursão. O descontentamento da população branca, que tinha conhecimento dos factos eclodiu na cidade da Beira em Janeiro de 1974, saindo em massa à rua insultando e agredindo todos os oficiais que encontrava pelo caminho. Tratava-se já de um exército vencido, minado pela frente interna, desconhecedor das causas da sua derrota, ao qual restava, como saída honrosa, o derrube do regime. Foi esta a génese do 25 de Abril.

   O Movimento dos Capitães germinou na Guiné, onde a perda da superioridade aérea prenunciava a derrota militar. O descontentamento provocado entre os oficiais do quadro permanente pelo decreto publicado em 1973 pelo Ministro da Defesa, General Sá Viana Rebelo, segundo o qual, na escala de antiguidades, dava precedência aos oficiais do quadro de complemento relativamente aos do ativo -, e a desvalorização do grau académico da escola militar - decorrente da redução a dois semestres do curso de oficiais -, uniu-os nos protestos, fundindo-se em Janeiro de 1974 as duas comissões entretanto criadas - a do quadro de complemento com a do quadro permanente -, num processo reivindicativo do qual resultou a convicção de que a correção só seria possível com a alteração do regime político. A revolta contra o regime estava em marcha alastrando rapidamente aos três ramos das Forças Armadas.   

   Introduzindo-se habilmente no Movimento dos Capitães através de elementos da CDE (Centro Democrático Eleitoral; frente oposicionista criada para concorrer às eleições de 1968), o Partido Comunista deu-lhes o suporte moral que lhes faltava; o da tarefa dignificante de derrubar o regime “corrupto e fascista”.

   O “beija-mão” dos Generais a Marcello Caetano, seguido da demissão de Costa Gomes e António de Spínola, na sequência da publicação do livro “Portugal e o futuro”, precipitaram o primeiro levantamento militar, o das Caldas da Rainha em 16 de Março, que fracassou, por descoordenação ou sabotagem do Partido Comunista.

   Apesar da ascensão de Marcello Caetano ao poder ter gerado uma expetativa de esperança entre a população, este, tinha, entre as elites políticas - próximas de Américo Thomáz -, indefetíveis opositores. Este pequeno grupo inicial, que se foi expandindo no decurso da governação, não confiava nem na firmeza nem na lealdade de Marcello, quanto à questão ultramarina. Com escasso apoio entre as elites políticas, Marcelo procurou-o na esquerda moderada acenando-lhe com uma solução política para o problema do ultramar. Ao fazê-lo num ambiente de crise e de escassa autoridade moral, escancarou o caminho da subversão. Um autêntico assalto ao aparelho de Estado ocorreu por parte da esquerda marxista, ocupando cargos através dos quais alimentavam a entropia do sistema. O espaço público foi invadido com referências de inspiração marxista, livros, discos, reuniões, debates e atividades culturais em geral. A droga e a pornografia entraram em cena. Tal como já ocorrera na “sua” Universidade de Lourenço Marques, Veiga Simão foi impotente para travar o avanço marxista nas universidades públicas onde criava um ambiente hostil à guerra em África.

   Paralelamente, a revisão constitucional introduzida por Marcello Caetano fazia evoluir a política ultramarina do estatuto de autonomia interna para o de plena independência. Com elementos do Partido Comunista no interior do Governo - entre os quais um membro do comité central, Dr. Gonçalves Ferreira -, em nome das “reformas urgentes e necessárias” desorganizaram-se ministérios e serviços, criando um clima de revolta, com sucessivas reivindicações, protestos e greves. A consciencialização das massas atingia, assim, a maturidade, pronta a acolher a tão almejada Revolução.

  Depois da desastrada iniciativa legislativa, O Ministro da Defesa, Sá Viana Rebelo, permitiu a infiltração de elementos marxistas em postos chave do aparelho militar. Com acesso às informações da DGS sobre as ideias políticas dos oficiais do quadro e milicianos, rapidamente os comunistas se apoderaram de importantes setores como o da Cifra e quarteis generais. Foi neste contexto que a NATO exigiu a retirada da sua documentação dos quarteis generais para a sede da DGS.

   A rede marxista, instalada no aparelho estatal e militar, passou a fornecer toda a informação relevante ao inimigo, tanto na metrópole como no ultramar, a desorganizar serviços, a proporcionar sabotagens; de navios de transporte de tropas e munições, em instalações militares e paióis. As instalações do Comando Operacional da Nato em Oeiras - COMIBERLANT - foram pelos ares nas vésperas da sua inauguração.  

   Foi neste quadro que o cidadão comum, ignorando os bastidores da política, alimentou a esperança de um futuro próspero. Na minha experiência pessoal durante viagens pela África Portuguesa, os colonos brancos conheciam bem esta realidade, algo em que recusava acreditar, tendo em mente, sobretudo, o drama do “Zé Soldado”.

   FPA, caracteriza o ambiente económico da época em estado de grande turbulência, marcado por  frequentes reivindicações e greves, prenunciando um “trovão político”.  De facto não é bem assim; por exemplo, o crescimento médio do PIB anual de Portugal entre 70 a 74 foi de 7,2% (um dos maiores da Europa, acima de Espanha, Itália, Jugoslávia e Grécia); de 70 a 73, o valor quer das exportações quer das importações duplicou, mantendo-se a taxa de cobertura; no mesmo período o índice de preços médio anual ao consumidor passou de 4,5 % de 60 a 70 para 11,8 % de 70 a 73, induzida em grande parte por fatores externos; a taxa de desemprego anual média entre 66 e 73 foi de 1,83 % e entre 74 e 79 foi de 6,11 %; mas é verdade que, a partir doa anos 60 até 731, assistiu-se ao aumento acentuado da receita e da despesa públicas, consequência da guerra colonial, num balanço sempre deficitário apesar do elevado crescimento económico. Concluo, pois, que, no essencial, FPA tem razão; os encargos da guerra estavam a conduzir a economia para a insustentabilidade.

   A inconsciência e o desprezo pelos interesses nacionais dos políticos e dos militares, estes ignorando a importância da integração económica do espaço português, aqueles impedindo essa integração, conduziram à Revolução. O inimigo, muitos antes do 25 de Abril, estava instalado nos centros de poder. Marcello Caetano, inábil e solícito, consentiu-o, sendo rapidamente ultrapassado e traído, qual kerensky, devorado pela Revolução.

 1  dados recolhidos em publicações de Mário Murteira, César da Neves, Edgar Rocha e Manuel Benavente Rodrigues.
Foto: Majores assassinados traiçoeiramente e barbaramente pelo PAIGC quando, desarmados, iam ao encontro dos parlamentares inimigos com os quais vinham mantendo negociações.
Peniche, 13 de Abril de 2019
António Barreto