Desporto

sábado, 31 de agosto de 2019

Benfica em Agosto


Benfica em Agosto 

  
Depois da boa campanha de pré-época, da vitória na supertaça e da superação das duas primeiras jornadas, uma das quais, a do Belenenses, a gerar fundadas espectativas face às dificuldades da época transata, o Benfica tropeçou na terceira jornada frente ao Porto.

   Apesar da abundância de golos no início da época - 12 -, permanecia a dúvida dos danos provocados na equipa pelas saídas de Félix e Jonas. Compensar a imprevisibilidade, inteligência tática e a capacidade técnica de qualquer deles, não se afigura fácil Foi o que este jogo demonstrou.

   A equipa do Porto, após uma sequência de insucessos, foi a justa vencedora do encontro, recuperando da instabilidade resultante dos primeiros jogos, na “Liga dos Campeões” e no “Campeonato”.

   A primeira vantagem foi ganha pelo Porto na guerra do posicionamento; ocupando o terreno de jogo de forma equilibrada, mantendo os seus jogadores muito próximos uns dos outros criando facilmente superioridade numérica na disputa da bola. A segunda foi a intensidade de jogo; os seus jogadores correrem sempre mais e com mais intensidade, chegando à bola mais cedo, com mais força e em maior número. A terceira foi a forma como pressionaram a primeira zona de construção do Benfica; à saída da área e com quatro jogadores, fechando, literalmente, as linhas de passe ao adversário. A quarta consistiu em retirar a iniciativa ao Benfica mantendo a posse da bola o máximo tempo possível, obrigando os jogadores encarnados a preocupar-se mais com a recuperação e menos com a construção. Foi esta a chave da vitória. Beneficiaram os azuis de alguma sorte no primeiro golo, graças ao mau alívio de Rúben Dias que pôs em jogo o José Luis, e no segundo, do tudo ou nada da equipa da luz em busca do empate.

   A equipa do Benfica, exceto nos últimos 20, minutos após a entrada de Adel Taarabt, regrediu na qualidade de jogo, fazendo lembrar tempos passados. Jogadores sem mobilidade, quase estáticos, isolados na disputa da bola, sem solução para fazer fluir o seu jogo. Só após a entrada de taarabt, a equipa equilibrou o meio-campo, aumentou a velocidade, amplitude e profundidade do jogo, obrigando os adversários a correr atrás da bola e a abrir espaços. O golo anulado (bem) foi o corolário disso mesmo. Era demasiado tarde.

   Mais uma vez ficou demonstrada a importância de Gabriel na consolidação do meio-campo e na manobra ofensiva, com passes de meia-distância de grande imprevisibilidade e remates de meia-distância. Na frente, os imensos cruzamentos efetuados foram todos infrutíferos, seja pelo excelente posicionamento da defesa, sempre com dois homens nas linhas de passe, seja pela falta de acompanhamento dos avançados, causa das escassez daquelas. Remates de meia- distância ou aéreos, foram praticamente inexistentes.

   Compreende-se que se tenha optado em manter Seferovic na sua posição de ponta de lança, afinal foi o melhor marcador da época transata, mas não deve pedir-se golos a Raúl se lhe atribuem a missão de jogar trinta a cinquenta metros atrás da linha de baliza, defendendo e apoiando o meio-campo. Por outro lado, Seferovic tem falhado nalguns momentos cruciais; é um luxo que não se pode conceder neste tipo de jogos. (Creio que teve uma clara oportunidade de golo em que a bola “tirou tinta” ao poste direito).  

   Com a lesão de Chiquinho, cuja mobilidade e inteligência muito promete - dois jogos com os rivais fazem-nos duas baixas de relevo! Por mim, optaria por mudar a posição dos avançados; Raúl na área, zona onde se movimenta bem e já revelou instinto finalizador, e Seferovic em apoio ao avançado e ao meio-campo, fazendo uso da sua capacidade de disputa e transporte da bola, de passe longo e de remate de meia-distância.

   Jorge de Sousa, foi permissivo sobretudo no jogo violento de Pepe, no antijogo dos azuis e na avaliação dos lances divididos contribuindo, à sua parte, com uma boa meia-dúzia de lances ofensivos a favor do Porto e outros tantos eliminados aos encarnados. Rafa, mais uma vez, foi um “saco de pancada” e, a “pedido de Conceição, nenhum dos faltosos adversários foi sequer admoestado. Não é essa a sua missão.

   Espero que este jogo tenha servido de teste para a equipa do Benfica ultrapassar as contingências demonstradas, arrancando para uma época pujante, demonstrando-o já no jogo com o Braga.
 
(Abel Manta)

Peniche, 31 de Agosto de 2019
António Barretojb

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

A greve dos camionistas



A Greve dos camionistas de materiais perigosos 

  
O desconhecimento dos detalhes da negociação em curso entre camionistas e seus patrões não impede uma análise crítica tendo em conta alguns princípios gerais e os factos que têm vindo a público.
   O serviço de transporte de matérias perigosas como os combustíveis líquidos, pelo risco que acarretam, tem de ser realizado por profissionais muito bem preparados e em atualização permanente. O risco de incidentes de inflamação e explosão é real; no carregamento, no transporte, na descarga, e no regresso. Além do risco de acidentes rodoviários, existe o de inflamação nos processos de carga e descarga associado à produção de corrente elétrica decorrente da fricção dos materiais; o arco voltaico produzido, em caso de ausência de escoamento à massa, pode provocar a ignição do combustível, tal como o uso nas proximidades, de telemóveis, isqueiros, rádios, etc. (tudo o que possa produzir um arco voltaico). Esvaziada a cisterna, o perigo de auto inflamação é maior, dado o conteúdo de vapores combustíveis no seu interior. Esvaziamento e enchimento deve ser feito com auxílio de gases inertes - dióxido de carbono ou azoto - de forma a impedir a mistura do oxigénio do ar - comburente - com o combustível -, e uma ligação de massa eficiente. Além dos motoristas, também os operadores dos postos de abastecimento devem estar preparados.  
   Compete aos Governos normalizar e fiscalizar as atividades económicas tanto ao nível dos técnicos como dos operadores. Se é certo que, muitas vezes, parece evidente ao comum cidadão, a falta de preparação dos técnicos, também é verdade que parece haver uma espécie de monopólio entre os operadores deste setor. Afinal é o que ocorre noutros setores vitais - como os do fornecimento de energia elétrica, de água, de seguros e da banca - em que, a liberalização imposta pela EU, paradoxalmente, conduziu ao agravamento das condições de vida da população devido ao recorrente, despudorado e consentido abuso de posição dominante, constitucionalmente proibido.

   É este quase-monopólio dos operadores que está na base do atual conflito em que estes, com a cumplicidade do Estado, impõem aos seus trabalhadores - camionistas - os seus termos para o exercício da atividade visando a minimizar os correspondentes encargos. Sendo, condicionado ao respeito da lei, um ato legítimo, conflitua com os interesses dos trabalhadores. De facto, estes ficam prejudicados nos apoios sociais na doença, no desemprego e nas pensões de reforma.
   Tal conduziu a um conflito de natureza laboral cuja irresolução ressoltou no extremar de posições das partes. Tratando-se dum setor estratégico do qual depende o abastecimento alimentar da população, o funcionamento dos hospitais, das forças de segurança, das forças armadas e, em geral, a produção de bens de toda a ordem, justifica o acompanhamento atento do Governo. Constatando-se o impasse negocial, há que recorrer à mediação e arbitragem através de modelos preferencialmente consensuais entre as partes.
   O recurso à greve, neste caso, não afetando o empregador a não ser marginalmente, atinge gravemente a população pondo em causa os seus direitos essenciais; ao trabalho, à subsistência alimentar, à saúde, ao lazer e à tranquilidade. Os grevistas usam a população como instrumento dissuasor da contraparte, provocando àqueles o máximo de danos possíveis e deixando estes praticamente incólumes.
   Convém ter presente que nas sociedades humanas modernas, cada indivíduo, carecendo do seu semelhante para viver, prescinde voluntariamente de parte dos seus direitos naturais, submetendo-se à lei - uma espécie de máximo divisor comum dos direito individuais -, democraticamente constituída; elaborada e aprovada com a participação de todos, diretamente ou por representação.
   Compete aos Governos, legitimamente constituídos, zelar pela proteção da população, garantindo o cumprimento da lei. É certo que temos assistido nas últimas décadas à omissão dos vários Governos no seu dever de a fazer cumprir, constituindo-se, implicitamente nalguns casos, cúmplices de agentes de irregularidades ou mesmo de atos criminosos, alguns de lesa-pátria, mas tal não justifica a exigência de demissão das suas obrigações fundamentais, por quem quer que seja que nisso tenha interesse.
   Tal porém não impede o cidadão de avaliar o comportamento de qualquer Governo relativamente a qualquer caso e de se pronunciar sobre ele.
   Vejo neste diferendo algumas vicissitudes das democracias partidárias; os principais agentes políticos, os partidos, agem, não de acordo com princípios previamente definidos e sufragados pela população, mas segundo os dividendos eleitorais que, na sua ótica, cada ato lhes pode proporcionar. Uma perversão dos princípios democráticos, pela alienação intrínseca de vínculo ao interesse nacional.
   É o que se verifica; o partido do Governo, com a proximidade das eleições legislativas, viu neste conflito uma oportunidade de reforçar e alargar a sua base eleitoral de apoio, adotando, à semelhança do caso da última greve dos professores, no exercício da governação, uma postura firme e autoritária perante os camionistas.
   Ao fazê-lo perdeu capacidade mediadora no conflito e, perante a permanente postura desafiadora daqueles, insiste numa posição de intransigência e ameaça, contribuindo para o agravamento da conjuntura.
   Acresce a perda de credibilidade resultante de contradições evidentes com posições políticas assumidas em casos similares precedentes e do facto de uma das partes - a dos empregadores -, ter negociadores com ligações diretas ao partido do Governo.
   Este é o momento de rever todo o setor reajustando-o em função das disfuncionalidades identificadas, revendo a regulamentação vigente, promovendo a concorrência efetiva no transporte dos combustíveis, estabelecendo critérios de formação e acompanhamento dos motoristas e promovendo, dentro do possível, a justiça, na distribuição do valor acrescentado no setor, recorrendo, se necessário, à elaboração de novas propostas de lei que a proporcionem, sem violar os critérios de equidade da sociedade em geral.
   As oposições cometeram o mesmo erro do Governo, as à sua esquerda, politicamente defensores dos trabalhadores contra a “opressão do patronato”, carentes do protagonismo conjuntural proporcionado pelo apoio ao Governo para se projetarem junto do eleitorado, ensaiam um discurso moderado de apoio aos motoristas, dispensando-se da habitual exuberância protestativa no espaço público, o que constitui um conforto para o Governo e os seus “tradicionais inimigos “os patrões”.
   Do lado oposto, um dos partidos, o maior, perdido no seu labirinto e assustado com o fracasso registado no caso dos professores, mantém uma postura ambígua, falsamente conciliadora, incapaz de assumir os seus princípios.
   O outro, o mais pequeno, não hesitou e, desde a primeira hora assumiu a posição do Governo, enfrentando as críticas inerentes. E é assim que deve ser; cada um, sem subterfúgios, mostrar o que defende.
  De resto, da plêiade de recentes partidos emergentes, há uma clara tendência de apoio aos grevistas, cada um deles procurando tirar o melhor partido eleitoral da conjuntura. Quanto à população, fortemente dividida, esta mesma tendência parece prevalecer.
  Convém porém não esquecer, que os alimentos e outros bens de primeira necessidade não nascem nas prateleiras dos supermercados.
   Tendo o Governo perdido credibilidade de mediação, torna-se forçoso recorrer a outra entidade - como por exemplo, o Regulador do setor - para o efeito, não restando àquele, outra opção senão a de fazer cumprir a lei, usando da moderação que se impõe e sem violar direitos legalmente consagrados dos eventuais infratores.
   Para todos, o interesse nacional deve ser a prioridade, preferencialmente, salvaguardando a dignidade dos envolvidos no conflito. É nestes casos que se exige a tal postura de estado a que recorrentemente se faz alusão, e que tem rareado nesta titubeante e paradoxal terceira república.
Peniche, 15 de Agosto de 2019
António Barreto*

sábado, 10 de agosto de 2019

Pré-época 2019-2020


Época 2019/2020
Pré-época
 
Contrariamente ao que tem sido hábito nos últimos anos, a equipa de futebol sénior do Benfica, desta vez, fez uma pré-época decente. Prepararam-se e avaliaram-se jogadores e táticas num contexto de competição exigente, e a ganhar. Sendo, nesta fase secundários os resultados dos jogos, convém não subestimar os pergaminhos desportivos do clube e as espectativas dos seus adeptos, habituados a ver o seu clube ganhar seja a quem for, seja onde for, ou quando for. O discurso que vinha sendo corrente, entre Dirigentes e respetiva corte, de desvalorização dos maus resultados nas pré-épocas, deve ser banido por desconformidade com a cultura de vitória secular do Benfica. Quem se conforma com a derrota, não ganha.
   É ideia corrente entre adeptos que uma equipa reflete a imagem do respetivo treinador. Serenidade, exigência, competência e solidariedade. Este Benfica 2019/2020 promete ser o que foi em 2018/2019, esperando-se um incremento de competitividade tendo em conta maior e melhor assimilação das ideias do treinador. Destas, destaco a qualidade do posicionamento, ponto fulcral das ideias de Bruno Lage e principal lacuna nas épocas precedentes, a dinâmica e entrosamento da equipa, a propensão do jogo ofensivo e a serenidade perante as contingências decorrentes do jogo.
   A grande dúvida deste início de época consiste em saber se Raul de Tomaz, Chiquinho e Caio, terão qualidade suficiente para fazer “esquecer” Jonas e João Félix, tarefa ingrata mas, suponho, aliciante.
    Preocupante foi constatar a incapacidade da estrutura do Benfica em perceber a má qualidade de jogo da equipa e a relutância em substituir o treinador. Percebe-se o compromisso do Presidente para com o seu conterrâneo Rui Vitória, mas não se entende a anuência do Diretor Desportivo tendo em conta o seu passado ilustre nos melhores relvados europeus.  
   Entretanto esperemos que as anunciadas alterações às regras do jogo e ao seu controlo, mão na bola e linhas de fora de jogo, contribuam para a clarificação do mesmo.

Carrega Benfica!

(tela de Abel Manta)
Peniche, 10 de Agosto de 2019
António Barreto*

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Conflitos laborais


Resolução de conflitos laborais e a greve
(Depoimento, Marcello Caetano) 

  


Em vésperas da greve dos camionistas de matérias perigosas, que está a provocar grande turbulência entre os partidos acerca do entendimento de cada um deles relativamente aos limites do direito à greve face ao interesse público geral, vem a propósito rever as práticas do antigo regime, no consulado de Marcelo Caetano - 1968 a 1974 - e do conceito deste relativamente à greve.
   O DL de 14 de Junho de 1969 pôs termos às sanções governamentais às direções dos sindicatos eleitos em assembleia geral conferindo-lhe maior liberdade de gestão e ação. Esta abertura permitiu ao PCP infiltrar-se naqueles e controlar as respetivas Direções, usando-os para fins eminentemente políticos.
   O DL de 28 de Agosto de 1969 fixou prazos para elaboração ou revisão das convenções coletivas de trabalho a partir da data de entrada do respetivo pedido pelos sindicatos ou pelos grémios, aperfeiçoando-se o processo da seguinte forma: decorrido o prazo máximo legal sem obtenção de acordo por negociação direta das partes, passava-se à fase de conciliação a pedido de qualquer das partes a efetuar na corporação respetiva com mediação desta. Gorada a conciliação passava-se à fase de arbitragem em que, perante uma comissão constituída por três árbitros - um nomeado por cada uma das partes e outro pelo governo - as partes defendiam as respetivas posições. O Secretário de Estado do Trabalho homologava as decisões das comissões arbitrais. Inicialmente o terceiro árbitro era nomeado por acordo das partes mas as recorrentes dificuldades de entendimento entre elas e a necessidade de garantir o controlo económico do país, levou o Governo a assumir esta nomeação. Vivia-se um período de elevada inflação, o que justificava medidas de prevenção do efeito de imitação por outras corporações em caso de atualizações salariais desproporcionadas numa delas.
   Marcello Caetano considerava que este era o único método civilizado de dirimir conflitos entre patrões e operários e empregados; o único compatível com o Estado de Direito. Na história do Direito, em sua opinião, a greve correspondia à fase da justiça pessoal, onde a parte mais forte impunha a sua vontade pela força.
   Os tribunais de trabalho tratavam de julgar a execução das leis laborais nos casos de divergência durante a execução.
   Na maioria dos casos as convenções coletivas eram decididas por negociação direta; só uma pequena parte passava à conciliação e raras eram as que chegavam à arbitragem. Entre 1970 e 1973 foram aprovadas 309 convenções coletivas de trabalho das quais, 237, por negociação direta, 97, por conciliação e apenas 75 por arbitragem.
   Perante as queixas do patronato face às decisões das comissões arbitrais habitualmente favoráveis aos sindicatos, Marcello Caetano reiterava a imparcialidade do Governo afirmando caber às partes a defesa das respetivas causas preparando-se, cada uma delas, adequadamente.
Peniche, 8 de Agosto de 2019
António Barreto

domingo, 4 de agosto de 2019

Portugal e o Futuro VIII (António de Spínola, Arcádia)

  
A implementação do processo a partir da situação atual far-se-ia em três fases:

   Na primeira proceder-se-ia à descentralização de poderes para os Governos Provinciais dentro dos limites da Constituição em vigor, preparar-se-ia a cisão do Governo Central em órgãos dos futuros governos federal e da metrópole e, finalmente, estabelecer-se-iam as bases dos regimes jurídicos a adotar na construção da nova arquitetura política.

   Ampliar-se-iam e reformar-se-iam os órgãos de governo dos territórios ultramarinos com integração das elites locais e a mobilização civil. Dotar-se-iam as Assembleias Legislativas de representatividade e delegar-se-iam nestas e nos respetivos executivos as competências do Ministério do Ultramar. Assim se alcançaria a autonomia dos territórios nos termos da constituição em vigor.

   Reforçar-se-ia substancialmente a representação ultramarina na Assembleia Nacional, onde se discutiriam as bases da reforma constitucional necessária à transformação do regime.

   A segunda seria de transformação; preparar-se-ia a constituição e eleição do Congresso Federal e converter-se-iam as Assembleias Legislativas ultramarinas em Parlamentos Estaduais. O embrião do governo do futuro Estado da Lusitânia - correspondente ao território metropolitano - seria integrado na Presidência do Conselho e constituído pelo departamento substituto do Ministério do Ultramar, que agruparia os setores identificados na fase anterior, dos Ministérios; da Saúde, Economia, Educação, Comunicações, Previdência, Justiça e Obras Públicas.

   Preparar-se-iam as pastas da Defesa, Negócios Estrangeiros e Finanças para integração do futuro Governo Federal e um novo departamento coordenador para o todo nacional para as áreas da Educação, Justiça, Saúde, Previdência, Obras Públicas Comunicações e Economia.

   Finalmente, na terceira fase, entraria em funcionamento o novo sistema. Ao Governo Federal competiria, como foi já referido, a Defesa Nacional, os Negócios Estrangeiros, as Finanças, e um Departamento de Coordenação das áreas de Educação, Justiça, Saúde, Previdência Social, Obras Públicas, Comunicações e Economia, e a coordenação da solidariedade interestadual.

   No Governo Estadual de Portugal Metropolitano seriam incorporados os restantes ministérios, consolidando o processo iniciado na fase anterior.

   Eleger-se-iam, por sufrágio direto, os membros das Câmaras Legislativas Federais, das Assembleias legislativas estaduais e dos Governadores dos Estados.

   Nos Governos Estaduais, cada Governador seria assistido por Secretários Estaduais, do Interior e Segurança, Educação, Saúde, Justiça, Finanças e Orçamento, Obras Públicas e Comunicações, Economia, Informação e Turismo.

   Aos Parlamentos Estaduais, cujos membros seriam eleitos conforme definido nas respetivas constituições, competiria a função legislativa.

   No vértice do sistema o Chefe de Estado simbolizaria a unidade nacional. O Chefe do Executivo seria assistido por Secretários de Estado tal como foi referido antes.

António de Spínola termina afirmando o caráter muito geral do sistema em cuja viabilidade diz confiar plenamente para salvar o país, que, de outro modo, ficaria condenado à desagregação por amputação, uma a uma, das suas parcelas africanas.

Peniche, 04 de Agosto de 2019
António Barreto*

sábado, 3 de agosto de 2019

Portugal e o Futuro VII (António de Spínola, Arcádia)

  
Orçamento nacional, Finanças, política monetária, Defesa Nacional e negócios Estrangeiros ficariam a cargo do Governo Federal.
   Tal como a Economia, também Justiça, saúde, Previdência, Comunicações e Transportes, Educação, Obras Públicas e Turismo e Informação seriam descentralizadas mas sob coordenação do Governo Federal de forma a permitir desaforamentos, equivalências e paralelismos interprovinciais que não retirassem aos cidadãos de qualquer dos Estados, direitos ou responsabilidades adquiridos noutros. Uma conjugação de leis federais e acordos interestaduais proporcionaria uma base de solução.
   No âmbito federal, o poder legislativo seria organizado em duas câmaras; uma com representação igual de todos os Estados e outra com representação proporcional dos grupos humanos conforme as respetivas tendências. No âmbito destas câmaras seriam criadas comissões consultivas permanentes para interpretação da aplicação das leis federais quando solicitadas pelo Parlamento Federal, Governo Central ou Governo Provincial.Transitoriamente, constituir-se-ia uma só câmara na qual Angola, Moçambique e a Metrópole teriam representação igual e as restantes províncias, seriam representadas proporcionalmente às características e circunstâncias correspondentes.
   O Governo Central, no imediato, asseguraria a reconversão do Ministério do Ultramar e definiria o grau de descentralização económica a estabelecer para cada região. Dois tipos de Secretarias de Estado seriam implementadas ao nível central; as executivas - Defesa, Relações Exteriores e Finanças - e coordenadoras - todas as restantes. O Chefe do Governo com funções eminentemente executivas seria assessorado por um Vice-Presidente com atribuições de coordenação e seu substituto natural. Um Conselho de Governo seria constituído com o estatuto de Estado-Maior pessoal do Chefe do Governo.
   A eficácia do processo de transformação implicaria a rápida regionalização das estruturas provinciais, integrando quadros e elites locais nas respetivas estruturas proporcionando-lhes o protagonismo a que legitimamente aspiram. As potencialidades dos extensos territórios proporcionariam recursos que assegurariam o progresso económico, ao qual teria de corresponder o desenvolvimento social.
   Planos de desenvolvimento provinciais definiriam programas de formação acelerada de quadros sem prejuízo da ampliação e extensão da escolaridade num ambiente propício à continuidade e promoção das elites regionais.
 
   Outras questões a decidir, tais como, formas de sufrágio, duração de mandatos, regime de partidos políticos revisão de códigos, elaboração de novas leis, não no âmbito deste trabalho. 
 
 A transparência pública seria total, anunciando-se desde logo o projeto global em toda a extensão - nova constituição, progressividade e prazo de implementação - e submetendo-o a referendo em todo o território nacional. Tal suscitaria a simpatia internacional e a coesão nacional. (não vejo onde está o antidemocrata que os seus inimigos viam nele).
   Considerava António de Spínola que o quadro político-administrativo da época permitiria uma evolução relativamente fácil, na medida em que, teoricamente, se aproximava já de uma estrutura federal.
   Um tal projeto exigia garantia de continuidade sob indiscutível autoridade do Estado até que as novas instituições, alicerçadas no civismo dos cidadãos, assumissem plenas funções. Nem a ordem, nem a integridade nacional poderiam ser afetadas. Após ampla discussão pública e na mais transparente legitimidade, proceder-se-ia à reestruturação das Forças Armadas e de Segurança, prestigiando-as e dotando-as de adequada eficiência ao acompanhamento do processo.
   Para contrapor à inevitável propaganda inimiga difundir-se-iam os objetivos preconizados e os sucessivos estágios através da liberalização da informação pública, na mais completa liberdade de informação.
   A libertação de recursos do esforço de guerra seriam canalizados para o fomento económico e social e a promoção da paz. A educação das massas nos Estados e Províncias Ultramarinas teria que ser acelerada, formando as elites necessárias à implementação do novo sistema.
    Devoção à causa nacional e fé acrisolada nos destinos do país alcançar-se-iam através da participação efetiva das massas no esforço de renovação nacional.
 
Peniche, 03 de Agosto de 2019
António Barreto

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Portugal e o Futuro VI (António de Spínola, Arcádia)

Na implementação do sistema, optar-se-ia pela constituição federal do tipo americano, caracterizada pela igualdade de direitos das partes, em detrimento da do tipo soviético em que havia diferenciação de direitos. Todos os territórios ultramarinos receberiam o mesmo grau de descentralização de poderes; governo próprio, individualidade jurídica e plena autonomia administrativa e financeira. Tal autonomia não dispensaria as transferências para os estados mais pobres, à semelhança do que ocorria na época entre a metrópole e as províncias pobres.
   Neste contexto, também o território metropolitano, que incluiria as ilhas adjacentes sem alteração de estatuto, teria de organizar-se enquanto província autónoma, com as mesmas prerrogativas de todas as outras.
   Os poderes estaduais consistiriam no legislativo, no executivo e no judicial. Os Governos provinciais e correspondente articulação administrativa seriam da competência exclusivamente regional.
  Os Governadores provinciais, numa primeira fase, continuariam a ser designados pelo Governo Central sob proposta das Assembleias Legislativas provinciais e ulteriormente, por eleição por sufrágio direto no âmbito das respetivas províncias.
   Às Assembleias Legislativas provinciais, eleitas nos respetivos Estados conforme o Estatutos por eles definido, competiria legislar no âmbito da autonomia federal. Tais Estatutos evoluiriam para a forma jurídica de Constituição Estadual enquanto as Assembleias Legislativas transformar-se-iam em Parlamentos Estaduais cuja autonomia lhes conferiria ampla competência, representatividade e isenção.
   A composição, forma de sufrágio e articulação das Assembleias Legislativas seria adaptada às características de cada região, não havendo lugar a restrições de representatividade da massa populacional, ainda sujeita à influência das estruturas tribais no complexo sistema de relacionamento entre sociedades africanas. Estruturar a representação na base das elites, aculturadas e destribalizadas, ignorando as massas, apegadas ao tradicionalismo, configuraria um regime neocolonial, tal como os prevalecentes em África, onde a descolonização, salvo raríssimas exceções, não proporcionou a verdadeira independência; apenas substituiu a dependência do colono branco pela do negro.
   Avança, António de Spínola, com o exemplo da Guiné, onde a participação das massas era assegurada, diretamente, no Congresso do Povo, que, em reunião anual, discutia, deliberava, julgava e aprovava conclusões com força executiva suficiente. O Congresso estaria vinculado à Assembleia mediante regras, constituindo esta a extensão daquele, ficando assim, legitimada a representatividade e, consequentemente, o poder legislativo. A experiência na Guiné demonstrou que, por mais impreparadas que estejam as massas e por mais que as suas elites delas estejam divorciadas, a participação efetiva do povo é possível.
   A nível executivo, o funcionamento de cada Governo seria definido por Estatutos próprios aceitando-se, inicialmente, a ação coordenadora do Governo Central. António de Spínola considerava aceitável a estrutura em vigor das Províncias de Governo Geral, carecendo de adaptação às realidades locais; haveria que proceder à arrumação étnica e proporcionar a progressiva atenuação das diferenças culturais que, por sua vez, daria lugar à miscigenação e progressiva síntese natural. Fora de questão estava a possibilidade de adoção de qualquer tipo de padrão único, inevitavelmente desajustado às realidades locais.
   Quanto ao poder judicial, competiria a cada província a supervisão em conformidade com as disposições legais lá votadas, com recurso aos tribunais federais nas questões relativas às leis gerais do país.
   O grau de descentralização seria definido pelo Estatuto Constitucional, que regeria o conjunto preservando a autoridade do Governo Central o qual disporia de poder de coordenação e controlo adequados, garantindo assim o princípio da unidade na pluralidade, até à consolidação do novo sistema. A diferenciação da descentralização seria assegurada em função da especificidade de cada região.
   No plano económico, a desejada livre circulação de pessoas e capitais seria alcançada paulatinamente, respeitando as assimetrias do momento, evoluindo por meio de negociações interestaduais com foros de lei federal.
   Dada a descontinuidade do território e as diferentes realidades de cada região, a complexidade das relações comerciais externas poderia conduzir a políticas aduaneiras diferenciadas pondo em causa o princípio da livre circulação de bens. Algo que Spínola considerava ultrapassável com estudo adequado e flexibilidade.
Peniche, 02 de Agosto de 2019
António Barreto*