Desporto

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Nas malhas do regime

 

   Quando no país se levantou um clamor geral de incredulidade e protesto em consequência da aprovação no Parlamento, sem votos contra, da popularmente designada “Lei da Censura” e posterior promulgação presidencial, pensei que iríamos assistir a um novo caso no Benfica. E pensei bem! A 10 de Junho a comunicação social anunciou uma ação judicial contra Filipe Vieira, onde se pede a impugnação do último ato eleitoral do clube e a destituição da atual Direção, movida pelo Dr. Jorge Mattamouros, um associado radicado nos Estados Unidos da América, onde exerce advocacia. Logo de seguida eclode o escândalo das alegadas denúncias da Câmara Municipal de Lisboa à embaixada da Rússia, identificando as pessoas que se manifestaram publicamente contra a prisão de Navalny. De imediato é anunciada a demissão do Presidente da Mesa da Assembleia Geral (PMAG) do clube, Dr. Rui Pereira, ex-ministro da Administração Interna e destacado socialista!

   Acredito que, em ambos os casos, se tenha tratado de meras coincidências. Porém, coincidências do “arco-da-velha”! Pois se é verdade que o Benfica foi vítima da estratégia de propaganda do anterior regime, também é verdade que, no atual, tem sido usado como meio de diversão de escândalos políticos e, por vezes, como instrumento de afirmação da suposta cultura “antissalazarista” de alguns figurões da nossa praça. Coincidências sim, mas que fizeram um jeitão aos envolvidos nos casos referidos, retirando-os da agenda mediática, ou, pelo menos, relativizando a sua importância.

   Analisando as situações referidas ao Benfica, concluo que ambas têm origem na falta de senso com que a Direção do clube lidou com os protestos dos candidatos vencidos no ato eleitoral. O voto eletrónico usado permitiu a cada eleitor conferir, através do respetivo talão impresso, o seu voto antes de o depositar na urna. Tendo sido levantadas dúvidas quanto à transparência do ato eleitoral, deveria ter-se procedido à recontagem imediata dos votos impressos. Ter-se-ia eliminado a contestação e restaurado a confiança e união dos associados.

   Para agravar a situação, quando os contestatários apresentaram ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral do clube (PMAG) as assinaturas que lhes tinha exigido para a realização duma Assembleia Geral Extraordinária, onde pretendiam levar assunto a discussão, depararam-se com inesperadas atitudes dilatórias. As justificações que o Dr. Rui Pereira apresentou para a sua demissão fragilizaram a Direção e adensaram as dúvidas sobre o ato eleitoral, minando a confiança dos associados, adeptos e, eventualmente, patrocinadores.

   Infelizmente, tudo isto ocorreu quando a Comissão de Inquérito da Assembleia da República investigava o caso Novo Banco (NB), onde Filipe Vieira figura entre os designados “grandes devedores”. Apesar de não constar qualquer envolvimento direto do clube, a verdade é que, este acaba por ser arrastado nas “trapalhadas” empresariais do seu Presidente, com risco de erosão da sua reputação.

   Mas as complicações não acabam aqui; perante o que foi veiculado na comunicação social, nasceram ou consolidaram-se uma série de suspeitas que carecem de cabal esclarecimento. Uma delas tem a ver com alegado uso do Benfica como colateral nos negócios entre o Novo Banco e o grupo empresarial de Filipe Vieira; concretamente, terá o NB, em 2017- o ano do falhado “penta” -, exigido ao Benfica a amortização da dívida de 100 ME como contrapartida pela reestruturação da dívida e refinanciamento das empresas do Presidente do clube? Terá este fator inviabilizado o reforço do plantel e contribuído para o insucesso desportivo que se verificou?

   Por outro lado, Já sabíamos que o Sporting Clube de Portugal tinha beneficiado dos famosos VMOC - Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis - alegadamente, por parte do NB e do BCP - e de vários perdões de dívida. O que não sabíamos e ficou claro na CI era que as empresas de Filipe Vieira também tinham beneficiado de financiamento idêntico! Ficámos assim esclarecidos da causa da ausência de protestos por parte do Benfica relativamente às facilidades bancárias ao rival, que configuram concorrência desleal. Será que as exigências foram mais profundas, chegando a impor uma desaceleração desportiva do clube para permitir o refinanciamento dos rivais mercê de melhores resultados desportivos?

   Para agravar ainda mais a corrosão provocada pela dúvida, ficámos igualmente a saber, em sede da CI, que Filipe Vieira entrou no Benfica por influência do BES, banco que tinha assento no Conselho de Administração da S.A.D., tal como Joaquim Oliveira! Banco este que, juntamente com o BCP, tinha congelado as contas do clube no tempo da Direção de Vale e Azevedo, atirando-o para a iminência da insolvência!

   Aqui chegados, ponderando a escassez de títulos da equipa sénior de futebol no Campeonato Nacional, o total descalabro nas competições internacionais, onde se tornou irrelevante, o proclamado projeto de “refundação do clube” em curso e o quase abandono do espaço público e institucional na defesa do clube, têm os associados todas as razões para se perguntarem o que motiva Filipe Vieira; se os interesses do Benfica, se os dos bancos, se os seus, se os dos rivais.

   Afinal, se o B.ES. era o banco do sistema e se Filipe Vieira era o “homem do B.E.S., então Filipe Vieira é o homem do sistema. E o sistema não quer um Benfica forte como foi no passado. Quer um Benfica mais pequeno, conformado, resignado, submisso, encomiástico. O sistema, por caminhos esconsos, quer fazer do Benfica um exemplo do sucesso do regime “democrático”, a demonstração da antítese do salazarismo.

   Tal como no passado, o Benfica continua a ser vítima de manipulação política.

Helena Roque Gameiro (1895-1986) - Casal (1921, Museu Grão Vasco)


Peniche, 21 de Junho de 2021

António Barreto