Desporto

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

O momento do Benfica (notas 1)

      Alvo de um ataque externo sem precedentes e sob forte contestação interna, a atual Direção do Benfica,  a pretexto das comemorações dos 15 anos do novo estádio, fez uma síntese do trajeto dos feitos desportivos e infraestruturais do clube-SAD sob sua égide, caracteriza a condição económica e financeira atual daquele e define os objetivos desportivos de médio prazo bem como a estratégia em curso para o efeito. Um ato de liderança notável, visando a união e motivação interna e, simultaneamente, um sinal de confiança e apaziguamento para o exterior.

 
   Porém, tudo se esboroará, se os resultados desportivos ficarem aquém da expetativa dos adeptos; daí a importância das próximas medidas de gestão desportiva que venham a ser tomadas...ou não. 
 
   O que ouvi ao Presidente do Benfica suscita-me alguns comentários:
 
   Julgo que há um equívoco quanto ao entendimento da "metafísica" benfiquista. O Benfica, o melhor Benfica, o Grande Benfica, está no imaginário dos 14, 15 ou 16 milhões dos seus adeptos e é simbolizado pela nobre águia; um clube dominado pela inquebrantável  e insaciável vontade de vencer - em qualquer terreno, contra qualquer adversário, contra qualquer orçamento - onde reina a arte de bem interpretar o futebol - com garra e respeito pelos adversários, mas implacável; um clube que é, simultaneamente, bandeira identitária de muita gente e suscita o respeito geral; um clube que é, também, uma bandeira de um país, Portugal. Por conseguinte, a origem da grandeza do Benfica é imaterial; é aí que tudo começa e é aí que nascem alguns equívocos. Por exemplo; não são os benfiquistas que têm de se adaptar aos conceitos de benfiquismo dos dirigentes, são estes que devem adaptar as suas estratégias de gestão ao benfiquismo dos adeptos!
 
   Assim sendo, não fica bem ao atual Presidente dizer aos benfiquistas que estão mal habituados, aludindo aos títulos conquistados sob seu consulado. É que, aqueles, habituaram-se a ganhar muito antes. Pela mesma ordem de ideias não fica bem a um treinador do Benfica declarar publicamente, para adepto ouvir, que, temos de aprender a viver com o insucesso! A consequência deveria ter sido o imediato e discreto convite à saída do clube.
 
   Vem a talhe de foice referir que, há muitos adeptos - entre os quais me incluo - convictos de que os dirigentes do Benfica não quiseram ganhar o campeonato passado. Pela simples razão de que nada fizeram para o vencer; venderam todos os jogadores com mercado, recorreram a empréstimos falhados e, nem após uma desastrosa e vexatória pré-época, nem em Janeiro, após início titubeante, quando as lacunas eram bem visíveis, "mexeram uma palha" para as suprir. Viu-se pelo desfecho da campanha que poderia ter bastado integrar Odisseias em Janeiro, ou Gaitan, ou Mitroglou, para ganhar. E era possível.
 
   Perante os factos, todas as especulações são legítimas. Na primeira linha dos suspeitos vêm os bancos, os mesmos que congelaram as contas do Benfica no tempo de Vale e Azevedo - uma "rasteira" que haveria de lhe valer pena de prisão -, os mesmos que, ao que consta, reestruturaram, sucessivamente, as dívidas dos rivais e efetuaram doações encapotadas sucessivas a pelo menos um dos rivais, os mesmos que, atualmente, são parceiros de um dos pilares de outros dos rivais na Sport TV.
 
   Não é despropositado admitir que os bancos em causa por um lado, façam lóbi pelos rivais e por outro, dada a conjuntura bancária desfavorável e as diretivas do Banco Central, tenham pressionado o Benfica a amortizar o capital em dívida mesmo antes da data de vencimento da amortização. Acredito nisto. Num primeiro tempo, sem previsão de liquidez, a Direção recorreu à venda de jogadores, desfalcando a equipa, destruindo-lhe a identidade e comprometendo a época. Quando surgiu a solução da antecipação das receitas da MEO, a sorte do campeonato estava traçada e sobreveio o discurso das obras, aplainando a previsível fúria dos adeptos; "não ganhamos mas construímos património"....e não podemos ganhar sempre. Por outro lado, está por demonstrar o interesse do Benfica na antecipação da amortização da dívida; se é verdade que poupa cerca de 16 milhões de euros anuais - grosso modo -, também é verdade que, no período antecipado - julgo que de 3 anos -, abdica de 40 milhões de euros de receita; ou seja, em cada um desses três anos, o Benfica dispõe de menos 24 milhões de euros que poderia investir na competitividade da equipa. Se estou certo, o principal beneficiário da operação foram os bancos e...os rivais.
 
   Também não é despropositado pensar, tendo em conta certas vicissitudes do conhecimento público, que pode haver uma espécie de consenso alargado, mesmo que tácito, ou imposto, envolvendo a Liga a Federação, os principais clubes e até algumas entidades governamentais, no sentido de forjar um campeonato competitivo, "disputado" até à última jornada. A exiguidade de recursos dos grandes rivais do Benfica, com a insolvência a espreitar no horizonte dá alguma consistência a esta suspeita.
 
   Finalmente, não é descabido pensar que, face a todas as entropias veiculadas na comunicação social, associadas ao roubo da correspondência do clube, e, até, à vida empresarial particular do atual Presidente encarnado, o Benfica tenha sido alvo de algum tipo de chantagem com contrapartidas desportivas. Não quero acreditar nisto, mas já percebi que os rivais do meu clube parecem capazes de tudo e que têm muitos aliados, demasiados, e com poder. 
 
Talvez o futuro venha a fazer luz sobre o assunto.

Foto: Marginal Norte em Peniche
 
Peniche, 1 de Novembro de 2018
António J. R. Barreto

O 25 de Abril Visto da História (notas, P7)


O 25 de Abril Visto da História
(Livraria Bertrand)
Diálogo entre José António Saraiva e Vicente Jorge Silva em 1976 sobre a atualidade política, em vésperas as primeiras eleições presidenciais
 
…E esse é um traço característico do atraso português, uma constante da nossa história dos últimos cento e cinquenta anos. Durante o liberalismo, durante a República, e também durante o Estado Novo e ainda depois do 25 de Abril, os quadros políticos dirigentes são recrutados em grande parte - e até em maioria relativa - entre elementos das profissões liberais, entre advogados…. (VJS)

…A necessidade de legislar surge, no fundo, de certo modo, como alternativa à incapacidade de transformar…..(JAS)

Começo a duvidar da utilidade dos intelectuais na vida política dos povos. (AB)

…A Inglaterra…fazendo no fundo as vezes de uma “burguesia dominante” que nunca apareceu em Portugal. De França importava-se a ideologia da Revolução….não apenas a mentalidade, o estilo, o discurso político, o radicalismo verbal, o anticlericalismo radical, mas mesmo as organizações revolucionárias (como é o caso da Maçonaria e da Carbonária), importava-se o jacobinismo – que haveria de ter um papel decisivo na implantação da República em Portugal. (JAS)

   Inglaterra e França encontra-se hoje ensarilhados nas teias das suas próprias contradições face ao fenómeno da imigração, e Portugal parece apostado em seguir-lhes as pisadas, aprofundando os seus equívocos e a coesão social. (AB)

…Ao longo dos últimos dois séculos, a sociedade portuguesa, vive permanentemente entre dois impulsos: um de natureza exterior, que se faz de fora para dentro e de cima para baixo, e que é de sinal desenvolvimentista, transformador, que caminha no sentido da implantação de relações capitalistas; ou outro, de natureza interior, que se verifica de dentro para fora e de baixo para cima, que se faz no sentido da preservação das relações tradicionais contra a tendência invasora da ordem capitalista. (JAS)

   Isto passa-se em qualquer sociedade minimamente aberta, não é exclusivo de Portugal, e é bem mais complexo; o caso da Inglaterra no século XIX ou dos USA no século XX são exemplos dos poucos países que mudaram as suas estruturas económicas a partir de dentro. A ameaça castelhana induziu Portugal à dependência militar externa  - da Inglaterra; a conjugação destes dois fatores aliado à implacável perseguição dos Jesuítas pelo Marquês de Pombal - fechando-lhes as escolas – e à atuação da Ordem do Santo Ofício - que só viria a ser formalmente extinta em 1842 -, talvez ajude a explicar a fraca dinâmica transformadora a que JAS alude e que parece perpetuar-se. Hoje, assistimos a uma transformação estrutural da economia portuguesa, imposta pela União Europeia, com recurso a subterfúgios como o do aquecimento global, do ambiente, ou da produtividade, sem que se perceba bem quem são os efetivos beneficiários desta transformação. (AB)

…Ora…a pequena burguesia constitui uma manta de retalhos…e não pode segregar, de facto, o que Gramsci chama “os intelectuais orgânicos” de uma classe, os partidos. Daí que os partidos surjam em Portugal como fatos que, depois de acabados no alfaiate, partem à procura do corpo social. (JAS)

   Talvez esta seja uma das causas do fechamento dos partidos portugueses à sociedade, devido ao medo de perderem as suas referências doutrinárias, e da distorção da democracia devido ao empenho partidário na mudança dos cidadãos e, absurdamente, na substituição da população, para sustentação dos seus projetos de poder.
Foto Praia de Peniche de cima
Peniche, 01 de Novembro de 2018
António J. R. Barreto