2012.08.13
Os Ensaios da Fundação Francisco
Manuel dos Santos marcaram já uma posição de intervenção lúcida na sociedade
portuguesa. Poucos títulos, porém, atingem o impacto do mais recente Matemática
em Portugal. Uma Questão de Educação, do professor Jorge Buescu.
O livro formula uma questão
simples: "Portugal não teve, ao longo da sua história quase milenar,
nenhum cientista de topo mundial" (pág. 11). Para entender o facto existe
uma "narrativa convencional". Esta versão canónica da evolução científica
nacional explica o fiasco através de "elementos autoritários, externos ao
ensino e prática das ciências" (pág. 14), que minaram os esforços das
nossas mentes iluminadas: "... da expulsão dos judeus à Inquisição (pelo
menos em dois momentos), do ensino jesuíta (pelo menos em dois momentos) à
decadência naval, do regime filipino à ditadura salazarista ou a perseguições
políticas" (pág. 14).
O autor, baseado na investigação
historiográfica mais recente, procede então ao desmantelamento total dessas
certezas, mostrando à evidência que não passam de mitos, distorções,
falsidades. A conclusão fica inescapável: a causa da nossa vacuidade científica
deve-se "à permanente mediocridade histórica do ensino das ciências em
Portugal em comparação com os países europeus desenvolvidos" (pág. 20). Ou
seja, a culpa da secular fragilidade científica não está na tacanhez cultural,
boçalidade do povo, obscurantismo religioso, perversidade de ditadores. Todas
essas coisas, por influentes que sejam, mostram-se irrelevantes na questão.
Os verdadeiros culpados são os catedráticos, o meio académico, as políticas de educação. Foi a sua secular tacanhez, boçalidade e obscurantismo que estiolou a Ciência e Matemática em Portugal. E não é preciso fazer arqueologia para saber do que se trata. Repetidamente (págs. 23, 68, 79, 90), o livro nota a semelhança entre os desastres antigos e os males que hoje se apontam ao ensino: "falta de exigência e de rigor, ... facilitismo,...cultura de mediocridade" (págs. 68 e 69).
Os verdadeiros culpados são os catedráticos, o meio académico, as políticas de educação. Foi a sua secular tacanhez, boçalidade e obscurantismo que estiolou a Ciência e Matemática em Portugal. E não é preciso fazer arqueologia para saber do que se trata. Repetidamente (págs. 23, 68, 79, 90), o livro nota a semelhança entre os desastres antigos e os males que hoje se apontam ao ensino: "falta de exigência e de rigor, ... facilitismo,...cultura de mediocridade" (págs. 68 e 69).
Mas a questão não se reduz ao
campo educativo, pois os tais lentes que sabotaram a ciência nacional estiveram
activos em todas as áreas. A monstruosa falsificação histórica que o livro
denuncia não se limitou à Matemática, mas afecta todo o nosso imaginário
colectivo. Podemos dizer que fomos todos enganados em alguns traços da
interpretação oficial da nossa história.
As elites intelectuais dos
séculos XIX e XX construíram uma magna narrativa civilizacional para explicar
não apenas para a miséria educativa, mas todo o desenvolvimento nacional. Mas
nesse relato os heróis estão trocados com os vilões, as forças progressivas com
as retrógradas, as causas com consequências.
A Inquisição, repetidamente
acusada de todos os males nacionais, "teve um efeito objectivo nulo sobre
o desenvolvimento da Matemática em Portugal" (pág. 53) e um impacto
civilizacional muito inferior ao que os seus inimigos oitocentistas lhe
quiseram assacar. Quanto aos jesuítas, malditos entre os malditos, "ao
longo de todo o século XVII foram eles os únicos a ensinar Matemática e
ciências em Portugal" (pág. 54). Pelo contrário, o Marquês de Pombal,
supremo herói maçónico, repetidamente celebrado como reformador genial, criou
"medida política isolada mais catastrófica alguma vez tomada em
Portugal" (pág. 60), precisamente ao expulsar a Companhia de Jesus:
"De um dia para o outro Portugal acordou sem escolas, sem professores, sem
estabelecimentos de ensino e com 20 000 ex-alunos na rua" (pág. 61).
Portugal é um país espantoso, com
um povo capaz de feitos únicos e maravilhosos. Em compensação, o País está há
séculos dotado de uma elite pedante, mesquinha e medíocre. Esse grupinho de
iluminados tem sempre no bolso a salvação nacional e, atingindo o poder, tudo
faz para arruinar o País. Os desastres de 1834, 1890, 1910, 1916, 1926, 1961,
1978, 1983 e 2011 não são azares externos, mas efeito directo das soluções
milagrosas da elite, que depois compõe uma magna falsificação histórica para se
desculpar e acusar os adversários. Vemos isso hoje, com a crise.